Em que tipo de cidade gostariamos de viver?
Numa cidade romântica e de traços clássicos?
Numa cidade como a que nos propôs Le Corbusier?
Ou numa cidade futurista?
Se é difícil perceber o que cada um dos dez milhões de cidadãos pensa e deseja como modelo de cidade, já não deveria ser difícil conhecer as opiniões dos nossos presidentes de Câmara!
No entanto, alguma vez se ouviu algum candidato autárquico dizer que tipo de edificios quer ver construídos nas diferentes zonas da cidade? Ou o que modelo de cidade quer utilizar quando for construir novas ruas e praças, em novas urbanizações?
Já algum candidato a presidente de Câmara – e falemos de Lisboa, que é onde vivo – disse o que gostaria de fazer, em termos concretos, com as zonas mais nobres da cidade?
Na verdade, aquando da apresentação das candidaturas, nunca nenhum expressou uma ideia que fosse a esse respeito, nem nunca vi nenhum meio de comunicação social assinalar essa omissão!
Em Lisboa, no cruzamento da Avenida da República com a Avenida António Serpa, existiu este edifício!
Edificio que se situava na esquina da Av. da República com a Av. António Serpa
Há quase 10 anos, que apenas está lá um espaço vazio!
Admito que já existam projectos para o local, mas que projectos?
Que aspecto irá ter a Avenida da República nesse local? Vão-se repetir os erros que no passado se cometeram, ou ir-se-á respeitar a história da Avenida? Há uma política camarária a este respeito ou, o que se construir depende das circunstâncias?
Far-se-á a reposição do que existia, fazendo um prédio exactamente igual? Ou algo como o que se encontra em frente a este espaço, do lado oposto da Avenida da República?
O edificio mais alto com a sinalética COSEC é o fronteiro ao edifico demolido na Av. António Serpa
Se eu tivesse algum voto na matéria, eu gostaria que a Avenida da República fosse completamente transformada, repondo-se o carácter e a ambiência que já teve nos anos 20 e 30 do século passado, em que existiam prédios magníficos, dos quais infelizmente só restam alguns!
Repare-se neste belo edifício, prémio Valmor em 1923, e repare-se igualmente nas edificações que estão ao seu lado, que quase o anulam, fazendo-o parecer como que deslocado no seu próprio espaço.
A verdade é que, se felizmente que não houve o atrevimento de destruir alguns dos mais belos edifícios da Avenida da República, o certo é que a classificação de apenas alguns deles, acabou por permitir a substituição dos restantes por "coisas" que transformaram aquela Avenida em algo com um carácter completamente diferente do que existiu. Melhor? Creio que não, infelizmente!
A solução para manter a graciosidade e a elegância daquela Avenida teria sido simples! Bastaria a que a construção de novos edifícios no local fosse feita dentro do mesmo estilo dos edifícios mais importantes que permaneciam. É aliás uma regra de bom senso, que muitas cidades aplicam por esse mundo fora.
Edificio de esquina da Avenida da República com a Avenida João Crisóstemo (foto dos anos 40)
Creio que se tivéssemos obrigado a que as novas construções, seguissem o estilo do anteriormente edificado, como se fez, por exemplo, com a reconstrução do Chiado, teríamos hoje uma Lisboa mais bela, mais humana, mais agradável, e uma Avenida da República extremamente elegante, o que certamente, até em termos de valorização imobiliária da área, não seria de desprezar...
Poder-se-á dizer que voltar atrás é impossível e que os erros acumulados durante décadas não se poderão remediar, pois os custos financeiros seriam insuportáveis.
Bom, muitas cidades na Europa, após a destruição provocada pela Guerra, não pensaram assim!
Admito, contudo, que a realização de um "sonho" deste tipo seria dificil, mas apesar disso, gostaria de deixar as seguintes observações:
Primeira observação:
Ainda não é tarde no que se refere aos espaços que existem na Avenida da República e que se encontram à espera de novas edificações! Se aparentemente há uma unanimidade relativamente ao sentimento de perda do carácter da Avenida, porque não então, obrigar a que as novas construções nesses espaços obedeçam ao respeito pela traça antiga?
Segunda observação, contendo uma sugestão concreta:
Porque não fazer da construção que se irá realizar no local onde se situou a Feira Popular, um quarteirão romântico, utilizando os projectos de edifícios do final do século XIX e principio do século XX, que foram destruídos naquela e noutras Avenidas de Lisboa? Porque não pagar assim uma dívida histórica para com a cidade?
Vejamos alguns exemplos de edificios demolidos:
Prédio da Avenida da República demolido em 1949, deu lugar a prédio de 8 pisos
Prédio na Avenida Duque de Loulé demolido em 1954, substiuido por edificio de 7 pisos
Prédio da Avenida Tomaz Ribeiro demolido em 1954, substituido por edificio de escritórios
Terceira observação:
No que se refere à Avenida da República, os apetites parece que não sossegam, as ideias e a vontade de intervir não faltam e a possibilidade de se arranjar o dinheiro necessário, parece que também não. A este propósito, deixo aqui transcrito o artigo do jornalista Filipe Morais do Diário de Noticias, publicado em 15 de Maio de 2006, sobre um projecto do tempo de Carmona Rodrigues, com o título: A Avenida da República vai ter prédios mais altos - para quem quiser ver o artigo no respectivo site aqui segue o link:
http://dn.sapo.pt/2006/05/15/cidades/avenida_republica_ter_predios_mais_a.html
Independentemente do que se possa pensar sobre este projecto, a verdade é que a hipotese da sua realização pela Câmara de Lisboa, significa que algo pode ser feito para modificar a Avenida da República! Então, se algo pode ser feito, não seria altura de se ponderarem todas as hipoteses de alteração, dando aos cidadãos a palavra sobre o que pretendem para a sua cidade?
Transcrevo agora o referido artigo:
"A Avenida da República vai ter prédios mais altos (Filipe Morais - DN)
Uma avenida mais homogénea, com uma imagem urbana requalificada e que atraia mais pessoas para o centro da cidade, é o objectivo do Plano de Alinhamento e Cérceas para a Avenida da República, que a vereadora do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa vai apresentar na próxima reunião pública da autarquia.No total, este plano de pormenor, em modalidade simplificada, vai envolver 130 edifícios e deverá resultar numa Avenida da República com um ar renovado.
O plano de Gabriela Seara prevê um acréscimo de edificabilidade de 44%, com mais 77 327 metros quadrados, através do crescimento das cérceas, a dimensão vertical das construções.O objectivo é permitir que alguns dos edifícios daquela artéria possam crescer e construir novos pisos. Gabriela Seara explicou ao DN que "há quarteirões muito díspares, onde há 'desdentados', e em alguns casos conseguimos resolver esse problema", com edifícios que "podem sofrer uma remodelação profunda, incluindo demolições, ou só alterações parciais, ou construção em volume, tendo que manter as fachadas".
A vereadora sublinha que "o objectivo deste plano, que inclui definições para alterações de usos e características arquitectónicas, é o de salvaguardar, reabilitar e integrar valores patrimoniais" e "identificar e reabilitar os usos residenciais".
A responsável pelo Urbanismo da cidade acrescenta que "isto é uma nova visão da cidade, o facto de começarmos a atrair pessoas para uma zona que é bem servida de acessibilidades. É o que nos interessa, promover a habitação e repovoar os eixos centrais da cidade".
Neste plano de alinhamento e cérceas, que, após aprovação na autarquia, terá de ser enviado à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR), houve ainda a preocupação de "conseguir uma valorização positiva para os que construíram património urbano de qualidade e que actualmente são prejudicados por aqueles cujo património não é qualificado". Assim, ajuda-se ainda "quem não teve preocupações de qualidade em edifícios que podem agora aumentar os fogos ou a volumetria".
Método perequativo
No entanto, o projecto vai mais longe, prevendo compensações para os edifícios classificados e "que perdem uma edificabilidade que os seus vizinhos do lado podem ganhar. Por isso, têm de ser compensados, pelo facto de não lhes poderem mexer". Gabriela Seara chama a atenção para o facto de que "quem vai pagar essa indemnização são os que podem mexer.
Conseguimos um sistema perequativo, em que uns pagam, outros recebem e outros pagam e recebem, por poderem construir, mas só até um determinado limite". As contas da perequação compensatória prevêem já um valor de mais de 16 milhões de euros, que será pago pelos edifícios que podem construir aos que não podem. A verba deverá ser aplicada na reabilitação destes edifícios. Os benefícios a reverter para a CML serão acima dos 18 milhões de euros.
Quanto ao sistema de pagamento, a vereadora adianta que "ainda está em estudo, até porque a câmara não pode fazer afectação de verbas", mas "um fundo permitiria monitorizar a execução e perceber, de forma transparente, quantos pagaram, quantos receberam e se está a decorrer como previsto".Para o ganho de 77 mil metros quadrados na Avenida da República, onde a cércea média é de 31,5 metros de altura, 49 podem ser mexidos, 27 não poderão ser alterados e dez estão na situação em que podem ser alterados, mas não até ao limite, pelo que, segundo o método perequativo, pagam e recebem. Há 46 edifícios que ficam de fora do plano.
O projecto para a Avenida da República inclui já o espaço da Feira Popular de Lisboa, "que já tem um loteamento aprovado". Gabriela Seara refere que nas construções para aquele espaço, "se quiserem aumentar ou fazer alterações, já sabem que a partir de um limite não mexem" e reforça a importância destas "regras, sobretudo em avenidas sensíveis. Ao contrário do que dizem, diminuem a especulação imobiliária", porque estão definidas à partida.
A aplicação deste projecto poderá ter início no próximo ano. Depois do envio à CCDR, o plano terá que passar por um período de discussão pública e "todos os grandes proprietários vão ter que ser ouvidos". Depois do parecer da CCDR, a câmara tem que votar o projecto novamente, enviá-lo à aprovação da assembleia municipal e só depois pode ser ratificado, pelo que só deverá entrar em vigor em 2007. "São processos muito participados. é mau porque demora, mas é melhor assim", disse a autarca.
Sobre os objectivos deste plano, Marina Tavares Dias, estudiosa da cidade de Lisboa, entende que "tudo o que venha impor regras é bom, mas é preciso analisar caso a caso" e afirma que, actualmente, "a Avenida da República é um somatório de tudo o que não devia ter sido feito desde os anos 50 e está transformada num caos absoluto. A especialista critica o facto de a avenida "ser uma auto-estrada com prédios dos lados" e a falta de residentes: "O trânsito é intenso, mas às 21.00 já não se vê ninguém na rua." Assim, sem se querer pronunciar sobre o plano por não o conhecer, diz que "qualquer coisa que se tente melhorar é sempre louvável, mas se for para burocratizar, não vale a pena".
Brilhante Amigo:
ResponderEliminarDebruçou-se sensatamente sobre aspectos urbanísticos da sua linda cidade de todos os encantos: Lisboa que não reconheço hoje.
Há já alguns anos que a não visito.
Quando preparava a minha entrada na Universidade no Porto, fugia para Lisboa onde tinha uma avó na Amadora.
Frequentava muito as salas de cinema da altura, era um cinéfilo assumido, a par de alguns afamados cafés onde me debruçava a ler.
Ainda existe a sala de cinema na Avenida de Roma, aquela maravilha do cinema de qualidade que se chamava: Quarteto?
A última vez que fui a Lisboa foi na Expo, ao Parque hoje designado como Parque das Nações.
Como lhe expressei, adoro o que escreve. Penso com seriedade que o faz espectacularmente. Lê-se sem dar conta de que estamos no fim.
Penso que a sua preocupação é pertinente. Muito!
Há certas atrocidades que se cometem contra o Património Cultural da cidade/Capital do nosso lindo Portugal.
Sabe qual seria a minha opinião contra a reconstrução dos edifícios degradados?
Seria, como se fez em inúmeras cidades europeias, reconstrui-los sem lhes alterar a fisionomia e tratá-los com Património Nacional.
Seria uma forma agradável de chamar pessoas, amantes da Arquitectura e da Arte e, ainda, curiosos e turistas.
Poder-se-iam efectuar lá eventos ou espectáculos culturais. Seriam pertença dos alfacinhas com um fim útil.
Não sei se seria sensata. Vejo as coisas assim. Pelo menos não se perderia o encanto dos ancestrais e maravilhosos edifícios a cairem, sem quaisquer formas de dar vida a uma cidade que tem tradições, sonhos e ambições de valor imenso.
Olhe, aprecio muito o seu pensamento e forma de ver as coisas em todos os assuntos que escreve.
Sempre a admirá-lo e a estimá-lo
Abraço forte de amizade que sabe respeitar
pena
Adorei!
Ao ler o seu texto não posso deixar de estar mais de acordo com tudo o que afirma! Também me sensibilizam estes temas e é deveras preocupante as atrocidades que têm sido cometidas a nível da construção e não só!
ResponderEliminarLisboa, neste momento, é uma cidade descaracterizada, salvo algumas raras excepções.
Outra coisa que me preocupa é ver os prédios em ruína nalguns bairros mais antigos, sem que se vislumbre solução, para não falar no lixo que abunda por todo o lado!
Enfim, tenho esperança que algum dia apareça alguém que olhe para isto tudo com dignidade, a dignidade que todos os lisboetas merecem, assim como os portugueses do país inteiro e os turistas que vêm à procura da tão apreciada “luz” de Lisboa!
Lisboa, ainda é a capital... e merecia uma maior e mais eficaz atenção por parte de quem governa!
Com amizade.
P.S. Obrigada pela visita ao meu canto
e pelas palavras tão simpáticas que deixou.
Bem-haja!
Caro Amigo
ResponderEliminarapesar de ser um texto versando um assunto bastante diferente do habitual, nota-se, pelo encadear do tema e pela forma detalhada e bem documentada com que ele é apresentado, que é um texto da tua autoria.
Muito original e de grande actualidade, fazes uma história dos "crimes" que têm sido cometidos, sob o ponto de vista urbanístico, nesta nossa cidade de Lisboa, tomando por exemplo, acertadamente escolhido, a Avenida da República; quando no início da década de 60 vim estudar para esta cidade, raros eram os edifícios desta avenida que faziam "esquina", que não fossem prémios Vale Flor... Resta um ou outro e alguns bem degradados...uma tristeza!
Uma tua louvável iniciativa e mais uma lição, desta vez urbanística, com que nos presenteaste.
Abraço.
Amigos Pena, "Ailime" e "Pinguim"
ResponderEliminarObrigado pela visita e pelas palavras amáveis.
Creio que a nossa Capital merece de facto, a nossa preocupação e gostaria muito que não só parasse a destruição de edifificos interessantes, como se tivesse a coragem de fazer reconstruções de edificios que nunca deveriam ter sido destruídos.
Lisboa, que é o caso que conheço melhor, está a ficar cada vez mais parecida com uma qualquer cidade do terceiro mundo.
Poderá pensar-se que a forma como eu olho para a cidade reflecte um desejo ingénuo, contudo após conhecer várias das cidades que na Europa Central foram arrasadas pela Guerra e depois reconstruídas, acho que esse sonho não é um sonho impossível.
Bastaria haver vontade dos responsáveis para o fazer e sobretudo AMOR pela cidade... Bastaria também que os cidadãos o quisessem, para que essa visão de cidade fosse assumida politicamente.
Como acredito sinceramente que uma política urbanistica, mais humana, mais respeitadora da história e mais preocupada com questões estéticas das nossas cidades, contribui para uma melhor qualidade de vida, irei continuar a insistir periodicamente neste assunto, apesar de temer que em Portugal, ideias destas não tenham grande receptividade.
Penso, sem qualquer arrogância, que terei alguma razão no que digo e portanto, já que, como diz o poeta, a razão mesmo vencida não deixa de ser razão... quem sabe, talvez um dia, no futuro, as coisas possam vir a ser diferentes nesta nossa capital e neste nosso País.
Um grande abraço a todos.
Este post merece uma leitura cuidada, atenta, disponível. Voltarei para ler porque, agora, apenas me detive na observação das imagens. Os edifícios e os espaços estavam em harmonia. Para quando um regresso a essa harmonia que me parece ter entrado em desequilíbrio? Não sou saudosista mas defendo um equilíbrio ambiental e patrimonial que parece estar a perder-se.
ResponderEliminarBeijinhos
Beijinhos
Adorei este post sobre as graças e desgraças do urbanismo lisboeta! Uma excelente reflexão sobre um tema que nunca será demais pensar. Seria bom que os nossos governantes lessem (ou lhos fizesse chegar)porque lhes seria útil com certeza esta informação. As fotos são preciosas. Aprendi com este trabalho.
ResponderEliminarAdorei porque a minha formação é em Historia da Arte e todos estes assuntos me seduzem, para além do factor cívico, sempre presente, claro.
Gostei muito de o ver pelas minhas causas.
beijo
È assim que a cidade deveria ser lida, com amor, com a intesnsidade de quem vive nela e deseja respirar-lhe o ar .Mais um assunto tratado com a sapiencia de quem sabe do que fala, gostei, foi bom assumir essa nostalgia que apesar disso nao deixa de fazer frente este maciço intelectual de alguns arquitectos em fazer das cidades o que lhes vai na cabeça, o betao,o lucro... dizendo que a ruptura tera de ser a marca de uma epoca.Tenho sido leitor atento, mas nem sempre disponivel, reconheço o valor das palavras de quem as escreve, bem haja por isso, continua... espero temas de ruptura, que fracturem mesmo esta forma de estar na vida cada vez mais conformada e deprimente.gomes paiva
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