sexta-feira, outubro 13, 2006

GRANDES PORTUGUESES

A RTP vai iniciar neste fim-de-semana um programa designado por "GRANDES PORTUGUESES".

Neste programa, através de votação dos telespectadores ir-se-á escolher O MAIOR PORTUGUÊS DE SEMPRE.

No seu site a RTP dá inclusive alguns exemplos de portugueses candidatos ao troféu.

Se não se tratasse de uma Emissora pública, já seria muito mau. Mas passando um programa destes na RTP a situação torna-se ainda mais grave e preocupante, por respeito à nossa História comum, mas também por respeito à inteligência do povo que a sustenta!

Num pais onde o analfabetismo ainda tem um peso muito elevado e onde a escolaridade média é baixíssima, quem tem acesso a um meio tão importante como a televisão, tem uma responsabilidade acrescida, pois está a difundir ideias e conceitos para um público que decerto, os irá tomar como padrão.

A televisão em Portugal é de facto, o principal meio de formação e de divulgação cultural para uma grande percentagem de crianças e de adultos. Por isso, os seus responsáveis não deveriam ter tanta ligeireza nas opções de programação.

Ou será que a Administração da RTP considera aceitável, pôr o Infante D. Henrique a competir com a Rosa Mota?

Será dignificante para este povo que o seu canal oficial de televisão coloque São João de Brito a concorrer com Alfredo Marceneiro?

Será um bom serviço público dizer às pessoas que se podem escolher figuras históricas, como quem escolhe a melhor anedota da noite?

Será um bom serviço público dizer exactamente o oposto do que deveria ser dito, ou seja, que todas as figuras da nossa História, ganharam esse estatuto porque se destacaram, cada um à sua medida, numa obra ou numa atitude que marcou e dignificou a nossa sociedade.

Será um bom serviço público criar uma tabela de preferências históricas por popularidade, quando a Nação a todas deve carinho e respeito POR IGUAL.

Será que na nossa Televisão não se sabe que à História é tão devido o interesse pelo seu conhecimento, como o necessário respeito. E que um nunca pode andar desligado do outro.

O pretexto de divulgação histórica, que é apontado como motivação para a feitura dum programa destes, acaba por ser, face à sua tonteria, um atentado gratuito à inteligência e à paciência deste povo.

O argumento de que a transformação lúdica de assuntos sérios, capta mais espectadores para o conhecimento desses assuntos, só desvirtua a sua essência e desvaloriza o seu conteúdo.

A justificação de que este é um programa, cuja matriz foi criada e experimentada com sucesso na Europa, acaba por colocar, de facto, a História das Nações exactamente ao mesmo nível do Big Brother.

Criar deliberadamente a ideia – porque é disso que se trata – de que, para uma Pátria secular, os nomes mais badalados de hoje têm importância equivalente aos nomes das figuras mais proeminentes do nosso passado colectivo, constitui, a meu ver, uma forma diletante de terrorismo intelectual que atira para o ground zero a nossa cultura e coloca ao nível mais raso do pimba, as nossas referências nacionais.

Por último e já que segundo a própria RTP este será um programa de documentário e espectáculo, deixem-me dizer que só falta que, para além de uma lista de nomes, nos venham propor também critérios valorativos para a classificação que se pede aos telespectadores.

É que, na verdade perante uma História de 9 séculos, e uma mão cheia de figurões da actualidade, é suposto que os votantes utilizem qualquer critério.

Será que a RTP recomendará uma valoração em dez escalões de 1 a 12 pontos, como no Festival da Eurovisão?

Arrepia-me só de pensar que, por esse País fora, nas cadeiras do cabeleireiro haja gente entretida com tabelas de pontuação, do género:

- Ter feito uma descoberta cientifica, ou ganho um prémio literário – 1 ponto

- Ter feito uma descoberta por via marítima, ou ter sido imitado no Chuva de Estrelas – 2 pontos

- Ter sido chefe de estado, chefe de governo ou ter obtido um disco de ouro – 3 pontos.

- Ter o seu nome nos compêndios de história do 1º ciclo ou ter ganho a volta a Portugal – 4 pontos.

- Ter sido governante do PS e ter tomado uma medida socialista – 5 pontos.

- Ter sido Bota de Ouro ou ter visto uma aparição de Nossa Senhora – 6 pontos.

- Ter estado a contas com a Justiça e não ter ganho uma eleição – 7 pontos.

- Ter morrido ao serviço da Pátria ou não ter sido escutado no Processo Casa Pia – 8 pontos.

- Ter feito milagres ou não ter sido entrevistado pelo Manuel Luís Goucha – 10 pontos

- Não ter sido namorado da Elsa Raposo – 12 pontos.

Penso sinceramente que, com estes tristes contributos da nossa RTP, se esteja a perder completamente a noção da relatividade das coisas e do que é importante para uma cultura e para uma civilização.

Num momento em que o presente está difícil e em que somos confrontados com medidas que objectivamente vêm por em causa a qualidade do nosso futuro, só faltava mesmo era que o nosso canal público de televisão, para conquistar audiências, usasse a História do país para transforma-la num espectáculo do absurdo.

Até para o avacalhamento deveria haver limites! Gestores de uma televisão estadual que promovem uma coisa assim, não conhecem limites nenhuns e, por isso mesmo, não podem mais continuar no lugar que agora ocupam.