terça-feira, abril 24, 2007

O valor da arte








O Washington Post publicou na imprensa americana, o DN na imprensa portuguesa e Daniel Ferreira fê-lo na nossa blogosfera, escrevendo o que agora transcrevo e que, para além da curiosidade do facto, merece uma séria reflexão


"Numa experiência inédita, Joshua Bell, um dos mais famosos violinistas do Mundo, tocou incógnito durante 45 minutos, numa estação de metro de Washington, de manhã, em hora de ponta, despertando pouca ou nenhuma atenção.


A provocatória iniciativa foi da responsabilidade do jornal "Washington Post", que pretendeu lançar um debate sobre arte, beleza e contextos. Ninguém reparou também que o violinista tocava com um Stradivarius de 1713 - que vale 3,5 milhões de dólares.


Três dias antes, Bell tinha tocado no Symphony Hall de Boston, onde os melhores lugares custam 100 dólares, mas na estação de metro foi ostensivamente ignorado pela maioria.


A excepção foram as crianças, que, inevitavelmente, e perante a oposição do pai ou da mãe, queriam parar para escutar Bell, algo que, diz o jornal, indicará que todos nascemos com poesia e esta é depois, lentamente, sufocada dentro de todos nós.


"Foi estranho ser ignorado"Bell, que é uma espécie de 'sex symbol' da clássica, vestido de jeans, t-shirt e boné de basebol, interpretou "Chaconne", de Bach, que é, na sua opinião, "uma das maiores peças musicais de sempre, mas também um dos grandes sucessos da história". Executou ainda "Ave Maria", de Schubert, e "Estrellita", de Manuel Ponce - mas a indiferença foi quase total.


Esse facto, aparentemente, não impressionou os utentes do metro. "Foi uma sensação muito estranha ver que as pessoas me ignoravam", disse Bell, habituado ao aplauso. "Num concerto, fico irritado se alguém tosse ou se um telemóvel toca. Mas no metro as minhas expectativas diminuíram. Fiquei agradecido pelo mínimo reconhecimento, mesmo um simples olhar", acrescentou.


O sucedido motiva o debate foi este um caso de "pérolas a porcos"? É a beleza um facto objectivo que se pode medir ou tão-só uma opinião?


Mark Leitahuse, director da Galeria Nacional de Arte, não se surpreende: "A arte tem de estar em contexto". E dá um exemplo: "Se tirarmos uma pintura famosa de um museu e a colocarmos num restaurante, ninguém a notará".


Para outros, como o escritor John Lane, a experiência indica a "perda da capacidade de se apreciar a beleza". O escritor disse ao "Washington Post" que isto não significa que "as pessoas não tenham a capacidade de compreender a beleza, mas sim que ela deixou de ser relevante"."


Querendo saber mais sobre este jovem violinista que já nos visitou em 2001, aconselho a visita ao seu site, onde se pode escutar excertos das suas gravações:

http://www.joshuabell.com/

Visite, vale a pena

quarta-feira, abril 18, 2007

A preto e branco

Hoje trago até aqui a minha visão de um outro espectáculo teatral:

A Dúvida, de John Patrick Shanley. Em cena até 6 de Maio no Teatro Maria Matos.

O texto transporta-nos aos anos anos 60, dentro de uma escola católica da ordem das irmãs de caridade, situada no bairro do Bronx . Quatro personagens – um padre, a madre superiora, uma freira e a mãe de um aluno – envolvem-se numa trama pautada pela incerteza e intolerância, desencadeando uma série de conflitos e situações-limite.

A polêmica em torno do abuso do único menino negro da escola, por um dos padres, constitui o pano de fundo desta peça.

Uma peça a preto e branco!

Os cenários, as vestes dos protagonistas e a própria cor da pele das personagens foram os elementos semioticos que o autor (e encenadora) nos ofereceram com inteligência e bom gosto, para transmitir o confronto ideológico entre o progressismo e o conservadorismo, a ingenuidade e a experiência, a pureza e a astúcia, o Bem e o Mal.

Deste ponto de vista o espectáculo é artística e esteticamente coerente e conseguido.

Não conheço o texto original, nem a outra versão em língua portuguesa escrita pela Beatriz Segall. Talvez esse conhecimento pudesse dissipar-me algumas dúvidas essenciais sobre o texto.

Confesso que, normalmente, encaro textos como o desta peça, em que existe um tipo de dialética simplista a partir de personagens que se encontram nos extremos do pensamento, como pouco criativos.

Mas, a verdade é que com a própria construção dos diálogos, o autor consegue fazer o publico relativizar as posições dos dois contendores (irmã Aloysius e padre Flynn) colocando-o numa espécie de expectativa neutral de ver suceder, à pureza cromática das cores opostas, uma variedade de tons intermédios de compromisso e sabedoria.

Não me espanta pois, que o texto tenha ganho o Pullitzer e a peça o Tony.

Trata-se portanto de um espectáculo que vive do texto e portanto da respectiva representação. Merece pois bons actores. Teve Eunice Muñoz e Diogo Infante.

Pareceu-me terem tido um trabalho razoável. Serviram a peça, mas sinceramente não deslumbraram.

Eunice com as habituais dificuldades de dicção, manteve o seu registo habitual e já visto noutros papéis.

Diogo, por seu lado, se é certo que foi capaz de vestir a pele de um homem surpreendido e acossado por uma terrível acusação, não conseguiu convincentemente acrescentar a essa pele a do eclesiástico colocado nessa mesma situação…

Eunice e Diogo deram-nos, de facto, um confronto entre uma senhora idosa e um homem relativamente jovem, ambos vestidos de religiosos...mas... faltou-lhes a subtileza (eventualmente por culpa da encenadora)... o golpe de asa que nos transmitisse, um confronto entre uma freira directora de um colégio e um padre professor…

Os sinais, ou foram exclusivamente exteriores, ou se existiram, foram demasiado ténues para a transmisssão de toda a idiossincrasia do conteúdo psicológico das personagens. No entanto, repito, os actores serviram a peça… e o público, no qual me incluo, saiu da sala razoavelmente satisfeito.

Diz o Autor a “dúvida” – diagnosticada inicialmente como um sinal de fraqueza – surge como um verdadeiro elemento transformador do ser humano, ao exigir mais coragem do que convicção.

Diz ainda que “Quando uma pessoa tem sua certeza abalada é sinal de que ela está diante de um crescimento. A aparente sensação de estar num caminho errado é, na verdade, saudade do conforto do que se conhece. A vida começa a acontecer quando se quebram os velhos hábitos mentais e a dúvida vem à tona, como uma oportunidade de reentrar no presente”,

Ah...Uma última palavra para a música deste espectáculo: Um original magnifico de Bernardo Sassetti, que brevemente irá ser editado em disco. Discreta e simultaneamente poderosa e sobretudo muito bela. Como teria que ser….

terça-feira, abril 10, 2007

Música no Coração

Fui ver o musical produzido por Filipe La Féria.
Bom pretexto para voltar ao Blog.
O que dizer do que vi?
Digo que ficou um sentimento de frustração!
E já nem refiro a fraca qualidade do espectáculo, refiro a dissolução da magia que esta obra comporta e que transpareceu sempre que a tinha visto, ou ouvido.
Uma magia que vinha pela música excepcional, pela ambiência, pelas interpretações, pelo apuro do canto, pela beleza de Salzburg, pelas grandiosas montanhas que Robert Wise tão bem soube filmar.
Mas frustração porquê? Claro que não estava à espera de ver no palco Julie Andrews ou Mary Martin.
Claro que não estava à espera de ter a Broadway ou o West End nas Portas de Santo Antão.Então o que esperava?Esperava não ver uma récita de amadores, cuja qualidade artistica se resume a cantar afinadamente.
Anabela, que nessa noite foi a protagonista, esteve bem nas canções, mas a sua representação revela uma completa falta de vocação para a arte de Talma. Não consegue ser minimamente convincente… Foi sempre a Anabela mascarada de Maria…
Carlos Quintas, o moreno Von Trapp parecia querer despachar o texto em grande velocidade.
Joel Branco, o Max Detweiler de serviço idem, idem… num tom revisteiro que não percebo a que propósito ali foi metido.
Vera Mónica, a Baronesa Elsa Schroeder e a sua pobre peruca loura, parecia mais longe da sofisticada Eleanor Parker do que de uma qualquer matrona do Intendente. Sempre em over-acting, não conseguiu em nenhum momento dar-nos a figura distante e elegante da aristocrata vienense deslocada nno meio provinciano de Salzburgo.
O mordomo e os dois oxigenados criados da casa, saricoteavam-se mais à laia de animadores do Trumps do que de serviçais de uma casa senhorial.
A Liesl portuguesa de tão novinha, parecia uma nervosa vítima dos avanços pedófilos de um Rolf relativamente consistente.
O desequilíbrio entre os dois era tão gritante, que as suas insuficiências de representação e de canto, tornaram-se quase patéticas quando chegaram ao tema "16 quase 17"
Será que La Féria não sabe dirigir actores? Será que lhe basta ter no palco pessoas que apresentem um texto, e não que o representem....
E quem teria feito a adaptação das canções?.... Depois de duas bem conseguidas ("As coisas que eu gosto" e "Do Re Mi") deve-se ter cansado e nunca mais conseguiu uma métrica ajustada e a sonoridade adequada.
O que terá levado La Féria a não ter utilizado nenhuma das versões anteriores?Apenas o não ter que repartir direitos de autor? E a qualidade artística, onde ficou?Frustação.... É claro que sim... Este é um musical de referência... que merecia mais e melhor!
Foi tudo mau?... Claro que não!... Lia Altavila (magnifica no Climb every mountain), Helena Rocha (apesar de parecer mais ela própria do que a Governanta) e boa parte da cenografia.
Quanto a esta apenas um reparo para a solução que foi escolhida para a noite de Baile. Pôr os convidados a dançar num corredor... ainda que com espelhos... é no mínimo, disparatado. Mas enfim... foi uma solução fácil e económica. Triste também!
Um espectáculo muito fraco..., com músicas fabulosas e maioritariamente bem cantadas....E tão só.
Vi, fiquei desapontado e não aconselho.