segunda-feira, abril 28, 2008

MILVA



Hoje gostaria de falar um pouco sobre a cantora Milva. É desde sempre uma das minhas vozes preferidas.



Conhecida em Portugal, não possui contudo a notoriedade que merece, o que é uma pena, pois a ausência de informação sobre esta e outras figuras da música mundial empobrece necessariamente as novas gerações.

Aliás, em Portugal, exceptuando o caso recente de Aznavour, os grandes nomes da música vão passando alegremente despercebidos.

A chegada de Mourinho a Lisboa para férias teve direito a directos televisivos, contudo a vinda de uma Bartoli ou de um Venguerov para actuar são acontecimentos que ficam quase ignorados pelo grande público e limitados a um pequeno número de privilegiados.

No próximo dia 2 de Agosto, a cidade de Dresden, tão célebre pela sua beleza, como pela completa destruição que sofreu no final da Segunda Guerra Mundial, vai ser palco de um acontecimento musical raro. Irão actuar nesta cidade e no mesmo espectáculo, três grandes vozes femininas: Monserrat Caballé, Milva e Angelika Milster. Talvez por isso mesmo o espectáculo tenha como denominação Diva Máxima.

A actuação será ao ar livre na Theaterplatz, local simbólico, escolhido pelas três cantoras como o mais adequado à grandeza do espectáculo e à necessária homenagem que desejaram fazer à cidade e à sua reconstrução.

Quem puder assistir decerto que não se irá esquecer desta conjugação memorável destes três nomes do canto europeu e mundial.

Mas permitam-me que fale de uma das cantoras, Milva, cuja voz sempre me impressionou, desde que a ouvi, pela primeira vez em 1966, no Festival de San Remo, cantando Nessuno di Voi.


Uma cantora que no próximo ano celebrará 50 anos de carreira e 70 de idade, mas que se mantém ainda em plena actividade.

Apresentada em 1961 no Festival de San Remo como rival de outra grande cantora italiana Mina (os jornais chamavam-lhe a anti- Mina), procurando a imprensa da época gerar um "motivador" clima de disputa que, mais tarde em Portugal se procuraria copiar fomentando rivalidades entre Simone e Madalena, assim como entre Calvário e Garcia.

Em 1972 a RAI, mostra-nos entretanto um momento excepcional em que as duas grandes vozes italianas femininas percorrem em conjunto um caminho de Jazz.



Contudo, desde cedo esta cantora mostrou ser mais do que uma boa voz da música ligeira, quando em 1962 gravou um disco de canções revolucionárias, tornando-se a partir daí uma referência musical para a esquerda italiana.




Não será de estranhar portanto, que a ruiva (rossa) Milva passasse a ser conhecida, por Milva, La Rossa, jogando esse cognome com o facto de Rossa significar simultaneamente ruiva e… vermelha.

Milva, de timbre grave e de uma extensão vocal extraordinária, mostrou desde sempre uma notável capacidade interpretativa tendo-se tornado para Astor Piazzola a sua interprete favorita, para quem escreveu e dedicou a sua única Ópera, Maria de Buenos Aires.

Aqui vê-la-emos em Rinasceró - Preludio per l'anno 3001 e Balada para un loco acompanhada em palco, como de costume, pelo próprio Piazzola.











Milva, tornou-se igualmente uma interprete de referência de Brecht e Weil, e foi exactamente para os cantar que se deslocou a Lisboa, na década de 80.

Esteve em São Carlos, para um concerto tão pouco anunciado que só dei por ele quando saíram as críticas... pouco entusiasmadas, diga-se de passagem, dado que as ligações da cantora à musica ligeira, faziam notória urticária aos críticos, que além do mais acharam despropositada a escolha do São Carlos para uma récita de Brecht.

Esse tipo de preconceitos não parece ter, no entanto, muitos seguidores no resto da Europa:

O Presidente Alemão concedeu-lhe a mais alta condecoração de mérito, para a que considerou a melhor interprete de Brecht, reconhecendo o seu contributo para o prestigio e divulgação da da língua e poesia alemãs.



Ou o Governo francês, que lhe outorgou equivalente condecoração pela qualidade artística das suas interpretações da música francesa.




E quanto à escolha das Salas, o São Carlos não se enganou, ou então também estarão equivocados o La Scala de Milão, o Royal Albert Hall, a Deutsch Oper, a Ópera de Paris, ou até mesmo o Festival de Edinburgh, que sempre lhe abriram gostosamente as suas portas.

A sua versatilidade, leva-nos de Morricone a Theodorakis, de Vangelis a Francis Lai, de Piaf a Lúcio Berio. Há nesta voz, muito para escolher e para ouvir….

Antes de morrer Piazzola fez a Milva uma última oferta, uma Ave Maria, dizendo-lhe para a cantar quando apenas se sentisse preparada para tal.

Quase aos 70 anos, Milva resolveu cantá-la e deixo aqui o vídeo da apresentação desta belissíma obra de Piazzola,



Entretanto, com um repertório prestigioso e uma carreira notável, se formos averiguar qual o seu maior sucesso popular, teremos uma surpresa. É que não foi nenhuma das interpretações excepcionais que Milva deixou gravada, que suscitou o maior entusiasmo do público, foi uma canção bem popular, que todos conhecemos muitissimo bem.



Pois é verdade. foi exactamente este o seu maior êxito de vendas: Um simpático e bem humorado fado, no estilo habitual de Alberto Janes, chamado É OU NÂO É, originalmente criado por Amália Rodrigues, mas que no resto da Europa, devido a esta recriação de Milva ficou conhecido por LA FILANDA.