sexta-feira, abril 03, 2009

Um título de um filme

Depois de uma ausência prolongada, volto hoje aqui, e de uma forma um pouco mais pessoalizada do que é habitual!

Como saberão os meus caros amigos deste percurso bloguistico, são questões do foro familiar que inibem a minha vinda regular a este espaço.

Entretanto, resolvi hoje vir até aqui matar saudades e em jeito de desabafo, falar de algo que, de algum modo, hoje ou amanhã pode vir a afectar cada um de nós.

Todos sabemos que a idade ao avançar pode trazer consigo problemas sérios. Infelizmente, nem todos têm a sorte de “morrer cheios de saúde” aos 100 anos, pacificamente, durante o sono.



Muitos, na verdade, começam a partir aos poucos, perdendo a lucidez, ficando sem mobilidade e vivendo os seus dias entre a apatia e o crescente sofrimento físico.

É de uma forma genérica, o que se passa com os meus pais, ambos já octogenários e foi portanto, esta situação, que ao surgir de forma repentina, veio mudar radicalmente a minha vida, como seu filho único.

Esta situação inesperada que refiro aconteceu de uma forma que eu, como leigo em Medicina, desconhecia existir.

Ao ser diagnosticada à minha mãe a doença de Alzheimer, cujos sintomas mais fortes eram esquecimentos e dificuldades em certos raciocínios foi-lhe passada uma medicação específica para o problema. Até aqui tudo bem!



O facto é que, não só os efeitos secundários desse medicamento foram extremamente debilitantes, mas também lhe provocaram o chamado “efeito paradoxal”, efeito cuja existência ignorava por completo.

Este efeito caracteriza-se pelo facto de uma determinada medicação poder fazer exactamente o oposto do que deveria. E foi o que aconteceu!



No espaço de 15 dias a minha mãe, que apesar dos esquecimentos e confusões era autónoma na sua higiene pessoal e conseguia desempenhar pequenas tarefas diárias, tornou-se totalmente dependente, perdeu a noção do tempo e do espaço, ficou quase sem mobilidade e perdeu inclusive a capacidade de mastigar alimentos.

Uma transformação tão profunda levou naturalmente a uma nova acção médica, para que pudesse ser revertida, e foi o que se tentou e parcialmente se conseguiu.

O resultado final, contudo, foi que apesar de recuperar um pouco da lucidez e a capacidade de comer sozinha, perdeu definitivamente muita da sua mobilidade, tornou-se incontinente e ficou completamente dependente para quase todos os actos da sua vida quotidiana.

Quando um filho (no meu caso único) vê um panorama destes com a sua mãe, agravado pelo facto do seu pai padecer de um linfoma há largos anos, terá necessariamente que procurar com rapidez soluções práticas de ajuda e apoio.



Na sequência dessa procura e de alguns meses de uma vida completamente baralhada, o que aqui gostaria de deixar hoje, como registo, não são as minhas atribulações pessoais, que felizmente vou resolvendo, mas sim afirmar que vivemos num mundo que não se encontra minimamente preparado para ajudar os idosos relativamente a situações naturais e que se sabe, serem para muitos, inevitáveis!

A debilidade, a doença, a impotência perante a decadência física, a perda da independência, são o que de mais dramático pode suceder a qualquer um de nós, e quando a idade transporta consigo estes problemas, cabe a alguém resolvê-los!

Às familias naturalmente! Mas se elas não existirem? Ou se elas não tiverem meios para o fazer?

Não caberia ao Estado um papel na resolução deste problema?

Como o Estado não ajuda, ou o destino, ou alguém de família terá que se encarregar de resolver as questões.

Mas face aos meios que existem e face à impreparação prática que todos temos nestas questões, dificilmente se tem a certeza de que a solução encontrada é a melhor!

O que fazer? Manter os idosos em casa, ou institucionalizá-los? E quando ambos os membros do casal de idosos ainda estão vivos, como agir face aos meios disponíveis?



Depois de ter visitado muitos lares e instituições, vi lugares terríveis e vi lugares óptimos, com todas as condições.

Claro que os preços eram bastante diferentes.

Para um casal, pode-se esperar que nos peçam entre os 2000 e os 5000 Euros! Sendo que devo confessar que, pelo que vi, nem sempre há uma relação directa entre a qualidade e o preço!

Pergunto, entretanto a mim mesmo, quantas pessoas em Portugal terão a disponibilidade, face a um problema como o meu, de avançar para encargos em lares onde haja o mínimo de qualidade e dignidade?

Como resolverão o problema, os honestos trabalhadores deste país, com salários baixíssimos, cujos pais idosos recebem reformas miseráveis?

No meu caso concreto, a opção foi ainda manter os meus pais na sua residência, levando-me a mudar-me de armas e bagagens para a sua casa e tendo um encargo adicional mensal, digamos que algo volumoso, para vários tipos de apoios domiciliários.

E embora o mais duro de tudo, seja saber que o resultado final deste esforço, não irá trazer-lhes de volta a saúde, interrogo-me diariamente sobre o que fazer caso a situação deixe de ser gerível em casa?

Graças a Deus não me posso queixar muito do que vida me deu e dos meios que possuo, mas a vida, com estes contornos, tornou-se algo assustadora e a percepção de que ser rico neste pais faz a diferença entre a tranquilidade e o sofrimento, dá-me a imagem de um triste e obsceno obstáculo, cujo direito a ultrapassar me é, como à maioria, negado .



Num dos últimos internamentos do meu pai, devido à sua doença oncológica, estava na mesma enfermaria um idoso, que a família “abandonara” no hospital!

Sinceramente não me vejo a tomar uma atitude dessas, mas será correcto que um sistema público de solidariedade social, de um país europeu no séc. XXI, repleto de auto-estradas e qualquer dia de linhas de TGV, empurre para cima de familiares pobres e sem capacidade de resolver os problemas, doentes em estado terminal, ou com dependências gravíssimas?

Desgraçadamente nenhum dos governos que tivemos teve a decência de se preocupar com estes problemas.

E pelo que se vê, nenhum dos governos possiveis para vir no futuro proximo o irá fazer também.



Há cerca de 15 anos trabalhei em serviços públicos ligados à problemática da habitação social e não me consigo esquecer dos rostos de algumas senhoras de sessenta e muitos anos, que lá iam desesperadas à procura de casa.

Eram mulheres sós, que viveram largos anos tomando conta de idosos. Mulheres sem família que após o falecimento das pessoas que tiveram a seu cargo ficavam abandonadas à sua sorte e sem um tecto!



Recordo-me do rosto delas, primeiro ansioso, depois desesperado quando percebiam que não havia qualquer solução habitacional para elas.

Recordo-me que voltavam, que insistiam e que à força do desespero e da desesperança que crescera dentro delas, os sinais de perda da lucidez começavam a aparecer.

Algumas, após esgotarem os seus modestos pés-de-meia em pensões baratas ou quartos alugados, o melhor que conseguiam eram alojamentos disponíveis para sem-abrigo. Entretanto deixavam de aparecer… O processo ficava definitivamente arquivado!

Mas havia sempre outra e mais outra e a história voltava a repetir-se.

Olhando para os problemas que defronto e recordando muito do que já vi, ironicamente vem-me muita vez à memória o título de um filme relativamente recente: