terça-feira, novembro 24, 2009

prisioneiro no próprio corpo



De acordo com notícias publicadas ontem ficámos a saber a terrível história de Ron Houben, um belga de Liege.

O que lhe aconteceu, pode vir a acontecer a qualquer um de nós e certamente vai acontecendo todos os dias por esse mundo fora.

Ron há 23 anos teve um acidente que o deixou em coma e inconsciente, de acordo com os médicos.

Sua mãe contudo, teve sempre dúvidas relativamente ao estado do seu filho e insistiu, procurou segundas, terceiras, décimas opiniões e até que o neurologista Dr Steven Laureys, estudou melhor o seu caso e verificou um erro no diagnóstico.

Ron era um jovem saudável que de acordo, com os médicos teria após o acidente, ficado em estado vegetativo, sem ver, ouvir ou sentir o que quer que fosse.

Contudo os seus pais conheciam-no melhor que ninguém. Transferido do hospital para um lar de assistência a pessoas inválidas, os pequenos sinais que transmitia a seus pais, eram sempre desvalorizados pelos médicos, como meros tiques, típicos do estado em que se encontrava.

Em 1997, quando o seu pai faleceu, a mãe que acreditou sempre que o filho mantinha as suas capacidades cognitivas e que por isso estaria em sofrimento, informou-o da morte do pai. Ele pestanejou, para a mãe isso era um sinal óbvio, para os médicos mais uma vez não foi nada.

Afinal, percebeu-se depois, ao fim de 23 anos, que Ron ouvia, via, tinha o raciocínio intacto, apenas o seu corpo não conseguia dar qualquer manifestação disso.
Estava prisineiro de si mesmo, com a consciência perfeita de tudo o que estava à sua volta.

Só a sua mãe percebia que algo estava mal no diagnóstico oficial! E como disse aos jornais: "Quando se acredita nunca se deve desistir"



Transcrevo a seguir o artigo publicado no "Publico" que resume muito bem este terrível drama humano!

"Em 1983, Rom Houben, então um jovem estudante de engenharia e amante de desportos de combate, sofreu um acidente de viação. O seu coração parou e o seu cérebro ficou privado de oxigenação durante vários minutos. A partir dessa altura o seu corpo ficou paralisado e oficialmente em coma. Mas o diagnóstico dos médicos foi demasiado precipitado. Apesar de completamente imóvel, Rom conseguia ouvir tudo o que lhe diziam. Ouvia os médicos falarem do seu estado de saúde e ouviu a mãe comunicar-lhe a morte do pai. Ouviu tudo isto sem poder chorar nem mexer a cabeça. Estava consciente e com um cérebro a funcionar, mas nunca conseguiu que o seu corpo comunicasse esse facto.

Tudo mudou há cerca de três anos. O neurologista Steven Laureys, da Universidade de Liege, que decidiu experimentar uma nova abordagem aos doentes em coma, libertou-o da sua tortura. Usando um inovador sistema de monitorização da actividade cerebral através de ressonância magnética percebeu que o caso de Rom era o de um falso coma.

O momento em que descobriram que eu não estava num estado vegetativo, disse Houben, foi como se tivesse nascido outra vez. “Nunca esquecerei o dia em que me ‘descobriram’. Foi o meu segundo nascimento”, disse Rom à revista alemã “Der Spiegel”, que trouxe o caso a público.

Nos últimos três anos Rom Houben, agora com 46, foi submetido a intensas sessões de fisioterapia e já conseguiu recuperar algum movimento. Comunica através de um ecrã táctil, acoplado à sua cadeira de rodas.



Rom explicou que, durante todos estes anos, conseguiu suportar o pesadelo de não poder comunicar o seu estado através da meditação e revivendo episódios passados. “Viajei com os meus pensamentos para o passado, ou então para uma nova existência. Eu era apenas a minha consciência, e nada mais”, disse Rom, que fala quatro línguas.

“Impotente. Extremamente impotente. Inicialmente fiquei revoltado, mas depois aprendi a viver com isso”, recorda agora Rom, citado pela AP.

O neurologista Steven Laureys - que chefia o grupo científico que estuda os estados de coma no hospital universitário de Liege - acredita que este caso é apenas um entre muitos, estimando que possa haver inúmeros falsos comas diagnosticados em todo o mundo. Laureys estima que os doentes em coma são mal diagnosticados com “assustadora regularidade”. De entre 44 doentes que se pensava estarem em coma, 18 deles responderam fisicamente a pedidos de comunicação.

De acordo com o “The Guardian”, os médicos belgas que diagnosticaram Rom como estando em coma usaram a escala Glasgow Coma Scale, internacionalmente aceite. Esta escala monitoriza os movimentos dos olhos e as respostas verbais e motoras. Porém, apesar de terem usado esta escala, falharam em determinar o correcto funcionamento do cérebro do doente.

“A partir do momento em que alguém é diagnosticado como inconsciente, é muito difícil arrancar a pessoa a esse estado”, indicou Laureys ao “Der Spiegel”.

O neurologista indicou ainda que todos os doentes classificados num estado de coma não-reversível, deverão ser “testados dez vezes” e que os comas, tal como o sono, têm diferentes fases que precisam de ser monitorizadas.

Houben espera vir a escrever um livro contando a sua experiência e o seu “renascimento”, indica o "The Guardian"."


Assusta pensar que neste mesmo momento inúmeros seres humanos poderão estar a viver drama idêntico! Drama que a qualquer um de nós, ou aos nossos entes queridos, poderá igualmente acontecer.

Face à evolução da Medicina e da Ciência em geral, creio que podemos acreditar em muita coisa, contudo ter uma fé absoluta nas "verdades" científicas é um risco que se vai comprovando ser demasiado grande e com consequências de sofrimento para além do imaginável.

Chegado a esta fase da minha vida, em que por razões pessoais e familiares me tornei frequentador assíduo de consultórios e hospitais, creio que apesar de ser sempre necessário ouvir atentamente as opiniões médicas, temos que estar alerta, usarmos a nossa própria cabeça e, eventualmente, lutar como fez esta mãe, até ao limite da dissipação total das dúvidas que nos possam surgir!

Ao fim e ao cabo nem os médicos são Deuses, nem nenhuma verdade em Medicina é mais absoluta e segura do que a verdade da Morte.

E por isso, até ela acontecer há sempre uma outra possibilidade, por ínfima que seja...

Contudo, a alternativa à morte também não deverá ser o prolongar de um sofrimento sem esperança...

A necessidade de se perceber bem a situação do doente a a luta por um dignóstico seguro e completo deverá ser uma prioridade para todos nós, enquanto indivíduos e enquanto cidadãos.

Economicismos na Área da saúde, são por isso, do mais estúpido e desumano que pode acontecer numa sociedade civilizada!

terça-feira, novembro 17, 2009

Villa-Lobos

Passam hoje 50 anos da morte de um dos maiores compositores clássicos do século XX: Heitor Villa-Lobos.

Para além de compositor, músico e maestro dedicou-se à pedagogia musical através da criação empenhada de inúmeros coros infantis, como método previligiado de levar a música aos mais jovens.

Aquando da sua morte o grande poeta Carlos Drummond de Andrade lembrou que:” Quem o viu um dia comandando o coro de 40 000 mil vozes adolescentes, no estádio do Vasco da Gama, não pode esquecê-lo nunca. Era a fúria organizando-se em ritmo, tornando-se melodia e criando a comunhão mais generosa, ardente e purificadora que seria possível conceber".

As suas influências musicais adquiriu-as tanto no estudo académico, como no autodidactismo, como ainda nas raízes folclóricas no interior norte do Brasil, embrenhando-se de tal maneira na sua actividade de recolha musical, que fica durante anos sem dar notícias à família! Quando regressa ao Rio encontra-a numa missa…. Em sua memória! Sua mãe julgara-o morto!



Avançado demais para o seu tempo, de inicio viu-se a braços com a incompreensão quer da crítica quer do público, quer ainda dos músicos seus contemporâneos. Quando convidado para dirigir a estreia da sua primeira Sinfonia os músicos da Orquestra recusam-se a tocá-la, designando-a por “uma coisa cheia de dissonâncias”.

Contudo, estes contratempos não o fazem desistir, muito pelo contrário, compõe e viaja e a sua fama espalha-se. O virtuoso Artur Rubinstein toma a iniciativa de se encontrar com ele, numa altura em que Villa-Lobos para sobreviver tocava numa orquestra de cinema.

Villa-Lobos incomodado, por ser encontrado naquela situação por Rubinstein, não aceita bem a visita do famoso pianista, mas no dia seguinte apresenta-se com um grupo de músicos no Hotel onde Rubinstein estava hospedado para lhe mostrar as suas músicas.

Rubinstein ganha uma consideração tal por Villa-Lobos que para o ajudar financeiramente chega a adquirir-lhe obras, sob o pretexto de haver terceiros interessados nelas.

Entretanto o prestigio do compositor vai aumentando, Paris torna-se um dos principais locais de actividade, em cujo conservatório chega a leccionar a par de Maurice Ravel, Manuel de Falla e Artur Rubinstein.

Os seus “Choros”, “Serestas” tornam-se famosos em todo o mundo. Tal como viriam a ser as suas Bachianas e Missa de São Sebastião. Torna-se maestro convidado em orquestras do mundo inteiro.

Contudo são as suas composições que acabam por o imortalizar. Homem simultaneamente difícil e simples era um bom vivant que alguns diziam ter sempre as mãos ocupadas: Numa um charuto, noutra um copo!

A sua morte aos 72 anos, faz hoje precisamente 50 anos, deixa todo o Brasil comovido e o mundo mais pobre, como na altura salientou o New York Times, que lhe dedicou o editorial.

No seu funeral milhares de pessoas estiveram presentes, enquanto nas escadarias do belíssimo Teatro Municipal um coro interpretava a Missa de São Sebastião.




50 anos passados, a sua obra perdura, sendo considerada de raiz profundamente brasileira é, pela sua riqueza, beleza e originalidade, de uma intemporalidade verdadeiramente universal.

Deixo aqui dois belos exemplos.

O primeiro trata-se do Choro nº 1, interpretado pelo extraordinário guitarrista Turibio Santos.



O segundo é, como não poderia deixar de ser a ária das Bachianas Brasileiras nº 5, na voz de uma das maiores cantoras líricas de todos os tempos, a também brasileira Bidu Sayão:

sexta-feira, novembro 13, 2009

Mensagem: A promoção pública do graffiti




De acordo com a noticia agora posta a circular pela edição on-line do semanário SOL, a Empresa Pública Estradas de Portugal vai decorar com graffitis os muros do IC19. Transcrevo:

"Num comunicado, a EP explica que no próximo fim-de-semana, o Colectivo Cultural GRAUU, associação especialista na arte urbana dos graffiti, vai preparar alguns dos muros para oito dias mais tarde grafitar junto ao IC19.

«A EP pretende enquadrar o ambiente rodoviário e dignificar também este tipo de expressão artística, chamando artistas da zona para comporem um mural que transmita aos automobilistas [a ideia] que estas manifestações podem constituir um elemento de valorização da estrada», disse fonte da empresa.

A EP acredita que a segurança rodoviária será salvaguardada, uma vez que a não utilização em excesso de cores muito fortes e a não representação de motivos potencialmente ofensivos, foram considerados como principais requisitos na elaboração deste projecto.

Segundo a fonte da empresa, esta é uma solução ousada que a EP encontrou para combater os graffiti desconexos que aparecem nas barreiras acústicas e nos muros edificados dos seus empreendimentos, usando a mesma arte para servir melhor os automobilistas.

A empresa adiantou à Lusa que faz depender do sucesso desta iniciativa, novos projectos de graffitis para outras estradas da concessionária.

Esta é uma iniciativa conjunta da EP e da Câmara Municipal de Sintra e tem início no sábado às 10h, estendendo-se até ao fim-de-semana seguinte."



Pelos vistos a Empresa Pública Estradas de Portugal" e a "Câmara Municipal Sintra" consideram o Graffiti como ARTE, o que só por si é, no mínimo controverso em termos de conceito!

Mas não só! O que se propõem fazer acaba por transmitir um sinal muito concreto que se traduz numa mensagem implicita de aceitação pública do graffiti, com os naturais efeitos que ela implica.


É que se trata de uma mensagem, que chegará a quem pratica esta actividade, como se fosse uma luz verde das autoridades, um sinal que liberta os poucos constrangimentos sociais e morais que os autores destes actos ainda possuiriam.

Ou seja, a Empresa Pública Estradas de Portugal e a Câmara Municipal de Sintra (ao resolverem um problema da forma mais incompetente possivel, transformando em lícito o que é ilicito, sob a pretensa designação de "arte") estão a marimbar-se completamente para os efeitos que a mensagem do seu acto traduz, a qual constitui, pura e simplesmente, a validação moral de actos de vandalismo público.

Entendo que o combate à proliferação de gatafunhos e desenhos nas paredes e muros deste País deveria ser, para quem tem por missão a salvaguarda do património, uma questão de principio em prol de uma sociedade mais decente e mais civilizada.

Aliás face ao estado actual das nossas cidades, essa deveria ser uma preocupação essencial, de quem gere o seu destino!




Ora o que está noticiado para a decoração com graffitis do IC19, pela mensagem que implicitamente transmite, promove exactamente o contrário deste principio e por isso. eu manifesto aqui o meu protesto contra a imprudência deste acto concreto, contra os efeitos indirectos que ele promove, sendo certo que, ainda por cima, se trata de uma actividade que irá paga, é claro, com os meus impostos!

Pode ser que os jovens com talento na arte de manusear latas de spray tornem os muros do IC19 até mais belos do que a Capela Sistina. Não é isso que está em causa!

O que contesto é a atitude de entidades públicas que, para além de não terem um pensamento civico responsável, assentam a sua gestão no principio de que "se te dá muito trabalho vencê-los, então junta-te a eles!"

Pensei, durante muito tempo, que quem estava investido de autoridade pública tinha a responsabilidade social de manter os espaços limpos e de promover uma cultura cívica desincentivadora de actos de vandalismo da propriedade alheia, como aqueles que vimos abundantemente nos nossos edificios e muros.

Aos legisladores caberia criminilazar estes actos, inibir e combater a sua realização de todas as formas, procurando fomentar uma cultura cívica que considerasse o acto de escrever e desenhar em espaços públicos como um acto pernicioso à sociedade.

Às Câmaras e a todas as restantes entidades que gerem espaços públicos caberiam as acções concretas de limpeza e de controle, para evitar a degradação do ambiente urbano.

Ora, não só não têm qualquer tipo de actuação neste campo como, com este tipo de atitudes vêm fomentar exactamente o oposto. Em vez de desincentivarem, tornam licito algo que, a mim como cidadão que percorre este País, me desgosta e envergonha.

No Brasil, este tipo de actos dá penas de cadeia efectiva de 3 meses a um ano e uma pesada multa! Muitos outros países civilizados seguem este mesmo exemplo!

É obvio que só com a consciência de que se está perante actos socialmente reprováveis, que inclusivé têm pesadas consequências penais, é que se pode reduzir a dimensão destes fenómenos e se ir encaminhando a consiciência cívica dos mais jovens para o rumo certo.

Um grupo juvenil que tem "enfeitado" a chamada linha de Cascais, colocou no youtube o seguinte vídeo onde mostra a sua "arte":




Acaba por ser, no fundo, este tipo de intervenções que a atitude das Estradas de Portugal e da Câmara de Sintra irão indirectamente incentivar!

Não acredito que não tenham essa percepção! O que acredito é que não se importam, porque as implicações do que estão a fazer não os incomodam.

Infelizmente, vai-se ouvindo, cada vez mais dizer mal da nossa classe dirigente. Actos destes, o que é que nos pode levar a pensar sobre essas pessoas?

Que para uns o entendimento de serviço público não é relevante. Apenas a sua carreira política ou o seu lugar de gestor conta!

Não se detêm com estratégias sérias de futuro, remetem-se exclusivamente à resolução simplista das questões que vão surgindo, ainda que com isso possam até estar a alimentar a raiz dos próprios males que querem combater!

Que para outros a ocupação dos lugares que desempenham não deriva de competência ou de preparação cívica, pelo que nem sequer terão consciência dos erros que praticam e tão pouco virão a prestar contas por este tipo de acções!

Por isso, já que esses "responsáveis" consideram que esta arte valoriza tanto os espaços públicos, espero bem que tenham a justa retribuição desta sua forma de gerir.

Ou seja, espero que os praticantes da modalidade "artistica" graffiteira, descubram rapidamente onde residem os Senhores Administradores da Empresa Pública Estradas de Portugal e do Presidente e Vereação da Câmara de Sintra para os presentear com este tipo de "arte" nas paredes exteriores das suas habitações. Afinal estamos a chegar ao Natal e pelos vistos eles gostam e merecem!

terça-feira, novembro 10, 2009

Matar saudades de dois filmes, da sua música e de uma actriz

Encontram-se finalmente à venda em Portugal os filmes de Jacques Demy " Les parapluies de Cherbourg"



e "Les Demoiselles de Rochefort", ambos com a belíssima música me Michel Legrand e com a bela Catherine Deneuve.




O primeiro bem mais interessante que o segundo!

Totalmente cantado, sendo a voz de Catherine dobrada por Danielle Licari, cantora que mais tarde faria um sucesso mundial com "Concerto para uma Voz".

Uma aposta arriscada de filme musical, tendo por fundo uma história de encontros e desencontros amorosos, que lhe valeu a Palma de Ouro em Cannes e cinco nomeações para os Óscars de Hollywood.

O segundo, tem a curiosidade de contar com a presença de Françoise Dorléac, irmã mais velha de Catherine na vida real, e que nesta película fez o papel de sua irmã gémea.



Esta presença de Françoise Dorléac, também talentosa actriz e belíssima modelo da Casa Dior, acabou por ter um imenso impacto na promoção de "Les Demoiselles de Rochefort", dado que poucas semanas após rodar o filme, quando se dirigia apressada para o aeroporto, a fim de participar na estreia oficial em Londres, sofreu um terrível acidente, tendo falecido carbonizada dentro do seu Renault 10. Tinha apenas 25 anos.

Para mim, que me recordo de ter vistos ambos os filmes no cinema, ficaram-me sobretudo na memória os rostos de Catherine e Françoise e, acima de tudo, as belissimas músicas de Michel Legrand.

Duvido que actualmente estes fimes abram o apetite do grande público!

Na verdade, acredito que apenas alguns saudosistas e coleccionadores que já passaram dos 50, lhes prestem verdadeiramente atenção.

Contudo, para todos, menos e mais jovens, vale a pena estar atento às músicas que Michel Legrand compoôs para estes filmes e que se tornaram verdadeiros clássicos.

Les Parapluies de Cherbourg



Les Demoiselles de Rochefort

domingo, novembro 08, 2009

KRISTALLNACHT

Amanhã, 9 de Novembro passará mais um aniversário da “ Noite de Cristal”.

Passados 71 anos, cada vez faz mais sentido recordar esse acontecimento trágico, que marcou o ponto de viragem entre uma política de terrível discriminação para uma política de genocídio deliberado.

No dia 7 de Novembro de 1938 o jovem judeu Herschel Grynspan, de 17 anos, desesperado devido à deportação de seus pais, assassina em Paris o responsável por essa deportação, o diplomata alemão Ernst von Rath






Esse foi o pretexto ideal para que na noite do dia 9 de Novembro de 1938, Hitler ordenasse a Goebbels um violento ataque à comunidade judaica por toda a Alemanha, Austria e sul da Checoslováquia.

Esse ataque deveria parecer um acto espontâneo de revolta do povo alemão contra os Judeus e por isso foi levado a cabo por milhares de SS e membros do partido nazi, trajando à civil.

Destruíram-se centenas Sinagogas, milhares de estabelecimentos judaicos, foram mortos centenas de judeus, feridos vários milhares e presos cerca de 30000.



Se é verdade que a História assinala aqui o início do Holocausto, o certo é que este foi apenas mais um episódio, agora de contornos extremamente violentos, de uma política sistemática contra o povo Judeu levada a cabo desde a chegada ao poder dos nazis em 1932.

A designação de Noite de Cristal (Kristallnacht) prende-se com o facto de o som mais audível naquela noite e o aspecto mais visível após os actos ter sido o dos vidros quebrados de milhares de vitrines de comerciantes judeus.





De inicio, o regime de Hitler começou por interditar determinadas profissões a judeus, médicos e advogados, por exemplo!

Expulsou-os de todos os serviços públicos, ordenando um boicote a todas as lojas propriedade de judeus onde mandou inscrever em letras garrafais a palavra JUDE (judeu).





Seguidamente surgem as Leis de Nuremberga que retiram a cidadania alemã aos judeus, tornando-os párias e sem quaisquer direitos no seu próprio país, proíbe o relacionamento sexual entre judeus e não judeus, que um não judeu trabalhasse para um judeu e ainda que judeus e não judeus trabalhassem ou estudassem juntos.

A todos os homens judeus, cujo primeiro nome não tivesse origem judaica mandou inscrever no seu registo como segundo nome, Israel, e às mulheres. Sara!

Todos os judeus passaram a ser obrigados a usar a estrela amarela de David cozida nas suas roupas.




Claro que todo o mundo sabia o que se passava, claro que todo o mundo se sentia horrorizado, claro que todo o mundo fingia não perceber a gravidade do problema e olhava para o lado!

E olharam para o lado de forma oficial mesmo, o que viria a dar luz verde, que Hitler esperava para iniciar com a Noite de Cristal o seu programa de Solução Final.
Na verdade, no inicio de 1938, para aliviar as suas consciências alguns países ocidentais organizaram uma Conferência Internacional em Evian-les-bains, na fronteira de França com a Suiça.

Nessa Conferência, que durou 9 dias, com o objectivo de abordar a questão da perseguição que milhões de seres humanos sofriam, por parte do regime nazi, saiu apenas um gesto de simpatia e apenas um dos 32 países presentes, a pequena República Dominicana se dispôs a acolher 100.000 refugiados judeus.






Os Estados Unidos que tiveram a iniciativa da conferência, enviaram como seu representante um amigo do presidente Roosevelt sem quaisquer poderes oficiais, que se limitou a lamentar os factos, sem se comprometer com a aceitação de mais judeus para além de algumas dezenas de milhar que já tinham rumado até aquele país desde 1933.

Aliás quando 2 senadores democratas propuseram posteriormente uma Lei que permitiria o acolhimento de 20.000 crianças judaicas orfãs, essa Lei foi rejeitada pelo Senado, alegando-se que 20.000 crianças se viriam a tornar a médio prazo em 20.000 adultos que retirariam empregos a americanos.

Em Inglaterra sucedeu exactamente o mesmo, o Governo sob pretexto patético de evitar imaginárias tensões dentro da própria comunidade judaica existente naquele país proibiu a entrada de mais refugiados judeus.

A este propósito Chaim Weizmann, que viria a ser o primeiro Presidente do Estado de Israel, comentou tristemente ao jornal londrino The Guardian: «O mundo parece estar dividido em duas partes: Uma onde os judeus no podem viver e outra onde não podem entrar»





Face aos resultados da Conferência, o Governo de Hitler ironizou declarando-se espantado por os países estrangeiros criticarem a Alemanha pela forma como tratavam os judeus, quando porém, nenhum deles se dispunha efectivamente a abrir suas portas quando “a oportunidade surgia”.

Sendo óbvia a indiferença internacional, poucos meses depois surgiu a Hitler a oportunidade de pôr em marcha o seu projecto e a Noite de Cristal aconteceu!

Numa altura em que há vozes que se atrevem a negar o Holocausto, em que poucos restam das gerações que testemunharam os acontecimentos, em que estes temas passaram a ser para os mais jovens apenas mais um capítulo no seu compêndio de História, é necessário relembrar que o Mal Absoluto existiu e avisar com estas memórias, com toda a insistência, que ele poderá repetir-se!

Deixo, por isso, para terminar, um interessante filme de quase 19 minutos sobre estes acontecimentos realizado o ano passado pela televisão brasileira a propósito dos 70 anos da KRISTALLNACHT. Para que a memória perdure!

quarta-feira, novembro 04, 2009

Judith Durham - uma voz que atravessou gerações

O nome de The Seekers pertenceu a um conjunto famoso nos meus tempos de infância e adolescência



Sempre me maravilhei com voz belíssima da vocalista Judith Durham, pois ela pegava em certas canções e conseguia elevá-las, no meu modesto entender, a um nível de beleza e elegância insuperáveis. Vejam por exemplo o que ela fez com Skyline Pidgeon de Elton John:




Os Seekers eram um jovem grupo australiano, que a meio da década de 60 foi tentar a sorte em Londres e foi tão bem sucedido que uma estadia prevista inicialmente para poucas semanas se transformou numa permanência de quase dois anos.

Não rivalizavam com os Beatles, embora fossem seus contemporâneos e alternassem com eles no primeiro lugar dos TOPs.

Os The Seekers tinham um estilo próprio, um público próprio de todas as idades, sem excepção!




Judith Durham, contudo, tinha os seus próprios planos de vida e de carreira e acertou pacificamente com os seus colegas uma separação amigável no Verão de 1968.

Foi feito um concerto de despedida em Londres, em 7 de Julho desse ano, com os seus maiores sucessos e quem a ele assistiu recorda-se de os acordes de “I’ll never find another you” e “The Carnival is Over”, serem acompanhados por um imenso coro de suspiros e do choro de um público inconsolável!

O conjunto desfez-se, um dos elementos Keith Potger formou os New Seekers, que alcançaram igualmente enorme sucesso nos anos 70 no Reino Unido e Judith partiu para a Austrália, onde cumpriu um dos seus maiores sonhos, casar-se com o músico e compositor Ron Edgeworth.



Judith iniciou então uma carreira calma e discreta, voltando à sua paixão de juventude pelo Jazz e por alguns clássicos de sempre, como este “Climb Every Mountain” que no inicio dos anos 70 o meu pai me deu a ouvir e que eu nunca mais esqueci.



Mas como a vida raramente consegue ser uma eterna bonança, em 1990 Judith e o marido sofreram um terrivel acidente de automóvel que os atirou para uma cama de hospital durante largos meses.

Esse acidente fê-la naturalmente repensar toda a sua vida e levou-a a convidar os antigos membros do seu grupo para que se reunissem de novo.

A antiga amizade e o desejo de voltarem a reviver os antigos tempos levaram-nos de bom grado a reiniciar as suas aparições públicas pela Austrália, quando inesperadamente Judith teve a notícia que o seu marido possuía uma doença degenerativa motora, que em Portugal conhecemos por ELA.

E assim o regresso dos Seekers não pôde ser exactamente o que todos haviam sonhado, pois Judith optou por ficar à cabeceira do marido, que acabaria por sucumbir no espaço de dois anos!

Este facto levou-a a tornar-se na principal doadora e impulsionadora de uma Associação de Apoio e Investigação de Doenças Neurológicas Motoras, ocupando com ela boa parte do seu tempo.

Voltaria mais tarde aos palcos com os seus amigos de sempre e durante mais alguns anos mantiveram-se juntos encantando plateias australianas, britânicas e americanas.



Judith ainda mantém uma belíssima voz e do concerto comemorativo dos seus 60 anos, realizado no imenso Royal Festival Hall em Londres em 2004, foi feito um DVD magnifico, que infelizmente só através da Amazon consegui adquirir!

Deixo no entanto, para encerrar este meu testemunho sobre Judith Durham, imagens de um concerto em Sidney, em que aos 65 anos de idade apresentou uma das suas canções mais populares de sempre: “The Carnival is Over”, canção que curiosamente só a sua teimosia fez com que fosse gravada no já longínquo ano de 1965.

Trata-se de uma melodia do folclore russo, que os restantes elementos dos Seekers se recusavam a gravar por não a considerarem interessante. Ainda bem que ela os convenceu, até porque esta canção se tornou simbólica para o povo australiano e é usada para encerramento dos principais eventos sociais, desportivos e musicais.

Em 2000 estava prevista a sua apresentação no encerramento dos Jogos Olímpicos de Sidney e tal só não aconteceu porque Judith partiu um tornozelo poucos dias antes.

Nessa altura a organização do jogos recorreu a um grupo coral e o assunto resolveu-se. Contudo meses mais tarde para o encerramento dos Jogos Paralimpicos, também em Sidney foi mesmo Judith numa cadeira de rodas que a interpretou.

Termino pois com as imagens mais recentes de Judith, de Março deste ano, como homenagem e recordatória de uma voz magnifica que felizmente, através dos seus discos, me acompanha há décadas: