quarta-feira, agosto 25, 2010

Recordando "Dores de Cotovelo" Transatlânticas

Estou sem computador e simultaneamente de partida para férias. Contudo não queria partir sem deixar algo neste meu pequeno espaço… Hoje trago apenas umas breves e simples lembranças dos meus tempos de infância.

O pretexto foi-me dado por um dos canais da Fox que utilizou recentemente um pequeno separador musical onde se ouvia apenas a seguinte frase:“ Que eu quero passar com a minha dor”!

Ora isso trouxe-me à memória muita coisa sobre os primórdios das minhas recordações sobre música.

Essa frase é o segundo verso de uma canção chamada a “Flor e o Espinho” escrita em 1957 por Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito e que viria a ser um imenso sucesso no Brasil, 8 anos mais tarde, pela voz da “divina” Elizeth Cardoso.



“Tire o seu sorriso do caminho, Que eu quero passar com a minha dor” . São os versos, muito bem conseguidos, do começo desta canção que passou completamente despercebida em Portugal, apesar de ter vindo a ser cantada por dezenas e dezenas de cantores brasileiros, podendo-se considerar um verdadeiro standard musical do País Irmão.

A voz que se ouvia na Fox era a de Paulinho Moska:



Contudo, a primeira vez que eu ouvi esta canção foi através de Nora Ney, igualmente uma ilustre desconhecida em Portugal.

As razões deste desconhecimento são muito simples:

Apesar de ter um imenso sucesso no Brasil e de, no inicio dos anos 50, ter criado uma canção que chegou a ser ouvida até à exaustão nas rádios portuguesas: “Ninguém me Ama”; Nora era militante do Partido Comunista Brasileiro, o que portanto não era aceitável para a censura nacional.

Assim, a canção só foi escutada aqui, um pouco mais tarde, pela versão, também magnifica, de Dolores Duran e o sucesso foi extraordinário!

Para além de comunista, Nora Ney era uma mulher bonita, elegante e extremamente sofisticada o que a tornava ainda mais perigosa para os nossos censores.



Fazendo-lhe agora a devida justiça, vejamo-la cantando a canção que criou e que teve mais tarde uma verdadeira projecção global, através de inúmeras versões, desde a da italiana Mina à mundialmente famosa de Nat King Cole.



Esta canção escrita pelo “grande” António Maria, em 1952 foi um dos primeiros sucessos de Nora Ney e integrava-se num estilo muito em moda na época: o da chamada canção de “dor de cotovelo”!

Este estilo prestava-se quer a obras de muita qualidade, quer a produtos verdadeiramente Kitch, mas que nem por isso deixavam de ter sucesso.

Algumas vezes para ajudar a obter um efeito mais seguro, utilizava-se o estilo do bolero ou o do tango, o que tornava a “dor de cotovelo” ainda mais pungente… e vendável!

E eu recordo-me muito bem que, nessa linha, vinda também do Brasil, invadiu as nossas rádios uma canção sem grandes pretensões de qualidade, que durante meses foi ouvida de manhã à noite e que depois em Portugal, como sempre acontece, se viria a perder na poeira do tempo:

Refiro-me ao bolero “Faz-me Rir”, canção interpretada por Edith Veiga, que depois a foi repetindo em quase todos os discos que veio a gravar, como se de um talismã se tratasse.



Esta cantora, depois de uma curta carreira, casou e afastou-se da vida artística (temporáriamente, no seu caso), tal como aconteceu com outra cantora que, do lado de cá do Atlântico, interpretava também canções de amores dramáticos, culpas doentias e valentes dores cotovelares e que curiosamente também ficaria associada essencial, mas injustamente, a uma única canção: “Vocês Sabem Lá”.

Falo naturalmente de Maria de Fátima Bravo, que infelizmente quando se retirou,muito jovem, fê-lo de forma definitiva.

Ora na mesma altura em que Edith Veiga perdia as estribeiras com o bolero “Faz-me Rir”, a Maria de Fátima Bravo carregada de culpas, perdia a vergonha e confessava as suas galderices com o tango “Eu sou Pecadora”:



Mas, voltemos a Nora Ney, cujo verdadeiro nome não ajudava muito a quem, na época, se quisesse afirmar no meio artístico.

Iracema era o seu nome de baptismo e começou por fazer carreira cantando apenas em inglês standards do jazz, já que a sua voz, muito grave, de contralto estava completamente fora dos cânones da época!

Disse-se sempre aliás que mais do que uma cantora Nora Ney era uma “diseuse”, contudo talvez essa carácterística fosse uma das chaves do seu sucesso, que foi enorme, tendo sido pioneira em muitas coisas no panorama musical brasileiro:

Foi a primeira brasileira a cantar Rock, foi a que primeiro gravou composições de António Carlos Jobim e foi também a primeira a pisar os palcos da Europa de Leste, incluindo os da antiga União Soviética….

O facto de ser comunista e de a partir de 1964, com a ditadura militar, se ter exilado durante oito anos, terá tido nisso, decerto, alguma importância, contudo lá que foi a primeira a conseguir esse feito, ninguém o pode negar….

Entretanto, no Brasil, Nora Ney será sempre recordada por ter dado voz às mais interessantes composições de António Maria e Fernando Lobo, dentro do estilo da tal “dor de cotovelo”, como esta que a seguir poderemos ouvir:



Dor de cotovelo que em Portugal teve também imensos seguidores, mas dos quais hoje não irei falar, pois julgo ser mais interessante recordar a par de Nora Ney, a voz magnifica e inesquecível de Maria de Fátima Bravo, que cantava, com a sua voz esplêndida, essa dor ao jeito português.

Se uma encontrava razões de preconceito para os seus desencontros amorosos, a outra, depois de ter confessado anteriormente as suas “cabeçadas”, já não se importava mais com o que a sociedade preconceituosa pudesse falar dela:




Enfim, apesar da ironia, com que falo deste género musical, devo dizer que, conforme os anos vão passando, melhor vou reconhecendo que ele era um excelente espelho dos constrangimentos sociais da época, sobretudo para a mulher, quase sempre a maior vítima de discriminações de classe e de preconceitos religiosos.

E, do mesmo modo, confesso que cada vez mais agradáveis ao meu ouvido se vão tornando estas canções, que estão indiscutivelmente ligadas às memórias da minha infância.

Por ser demasiado conhecida, não quis colocar aqui directamente a interpretação original, pela Fátima Bravo, do “Vocês sabem Lá” da dupla Nóbrega e Sousa e Jerónimo Bragança, os quais, aliás, tive o prazer de conhecer pessoalmente.

Mas, clicando neste espaço, poderão escutar este belo símbolo de da dor de cotovelo nacional, na sua versão original de 1958. Uma das melhores, senão talvez a melhor das canções desse género, feitas no nosso País, cantada por uma voz que era sem dúvida excepcional!

Nóbrega e Sousa, a propósito desta canção chegou a confessar-me, meio a brincar, meio a sério, que o seu sucesso foi tão grande e que havia tanta gente a cantá-la tão mal que já nem sequer a conseguia ouvir…

Não se referia decerto ao caso da versão que aqui trago para terminar, como simples curiosidade.

Em meados dos anos 60, Mirene Cardinalli gravou-a, tendo sido na altura editada em vinil, nunca o tendo sido depois em CD.

Como se sabe Mirene perderia a vida em 1969, aos 27 anos de idade e para mim, depois da versão original, esta é, apesar dos fracos arranjos orquestrais, a mais conseguida de todas as versões feitas após Maria de Fátima Bravo.

Por isso mesmo, desejo deixá-la aqui, para que não se perca no esquecimento.



Espero não ter sido demasiado chato com estas memórias antigas e parto, sem dor… e sem computador, para férias!!!!