quarta-feira, julho 21, 2010

Fez anos em Março e eu esqueci-me!

Ontem, ao ler os comentários ao último post do blog Tertúlias, apareceram referências muito interessantes a uma das minhas cantoras favoritas, fazendo-me perceber que estava obviamente em falta com ela, pois deixara passar em claro uma efeméride muito especial da sua vida.

Assim, decidi falar já hoje dessa magnifica voz, que é considerada a última das grandes cantoras do verismo e decerto a que maior longevidade teve na sua carreira.

Falo-vos de Magda Olivero, que completou em 25 de Março passado o seu centésimo aniversário e cujo nome vi pela primeira vez nos jornais, aquando da sua estreia no Metropolitan de Nova Iorque em 1975.





Na verdade o interesse jornalístico de então centrava-se no facto desta cantora se apresentar naquela sala, com a Tosca, numa idade em que a maior parte das cantoras já estão retiradas, ou quando muito no ocaso da carreira. Magda tinha então 65 anos.

Fiquei naturalmente curioso!

A sua aparição no exigente MET parece que não foi fácil, apesar de Magda ser um nome mundialmente conhecido, foi precisa uma insistência enorme da então jovem vedeta da Ópera Joan Sutherland, para que a administração daquela sala aceitasse apresentar uma Flora Tosca de 65 anos.
Os círculos musicais de Nova Iorque mobilizaram-se então para ver o que poderia ser uma de duas coisas, ou fenómeno artístico ou um embaraçoso desastre! E, portanto, fosse como fosse, algo assim na principal sala da cidade seria imperdível.

Os jornais de então relataram que o público nova-iorquino acabou por ficar verdadeiramente estupefacto e rendido ao canto de Magda.

Existe actualmente no youtube um excerto do som dessa sua actuação no MET que comprova a qualidade da sua actuação e a consequente reacção do público!


Relatou na altura o crítico Harold C. Schonberg do New York Times:
“O público gritou e aplaudiu freneticamente, fazendo com que o Maestro Jan Behr mandasse parar a orquestra. Ela teve que se aproximar do centro do palco e durante 20 minutos as palmas e os “Brava” não cessaram. Foi uma das maiores ovações a que o Metropolitan assistiu em toda a sua história!

Cantoras como Olivero têm a capacidade de, apenas com uma expressão do seu rosto ou com um único olhar, fazer com que o espectador sentado no ponto mais longínquo da sala se aperceba de toda a densidade que a obra pretende transmitir.

Fez-se história naquela noite, em que apesar da idade Olivero deu-nos uma Tosca surpreendentemente doce, sensual e feminina. Vocalmente, foi ainda mais excepcional do que seria imaginável. Contida quando era preciso, dramática quando era necessário, a sua voz representa bem mais do que a sua capacidade como cantora, representa a suprema arte do canto. “

Lembro-me de ter lido na imprensa portuguesa um relato deste tipo sobre esta récita, não me recordando sinceramente qual a fonte donde provinha. Contudo, foi dos tais casos que me fez, a partir desse momento, querer acompanhar e saber mais sobre esta cantora.

Ao longo do tempo fui sabendo mais algumas coisas sobre o passado glorioso de Magda Olivero, comprando alguns discos e, sempre que possível, apanhar mais notícias sobre a sua manutenção em actividade! Actividade que dura praticamente até aos dias de hoje.

Embora retirada dos palcos profissionalmente aos 71 anos, continuou a ser solicitada para cantar em Igrejas perto da sua residência e em pequenos saraus particulares.

Dez anos depois de se retirar, aos 81 anos, era assim a sua Avé Maria de Gounoud:


Mais dez anos passados, aos 91 anos de idade, podemos voltar a vê-la aqui cantando como solista numa igreja de Milão, durante a missa que assinalou a passagem do 25º aniversário da morte de Maria Callas.




A carreira desta cantora excepcional iniciou-se em 1933, tendo sido considerada pelo compositor Francesco Cilea a melhor de todas as protagonistas da sua Adriana Lecouvreur, já que segundo todos os que a tiveram oportunidade de a ver ao vivo, tratava-se de uma cantora que para além de transmitir todas as notas da partitura e todos os sentimentos inscritos no libreto, conseguia conjugá-los de tal forma que a ficção posta no palco se transformava num vendaval de sensações para o espectador.

Ela é hoje, com os seus magníficos 100 anos, plenos de vigor e lucidez (o ano passado ainda deu uma pequena conferência e cantou uma pequena ária em público) o único elo vivo que liga aos compositores do inicio do século XX, já que trabalhou directamente com Mascagni, Franco Alfano e Riccardo Zandonai, para além de Cilea, é claro.

Interrompeu a carreira de 1940 a 1950, devido ao seu casamento, mas retomou-a de novo a pedido de Cilea, que já bastante doente desejava voltar a ver a sua Ópera com a sua cantora de eleição.

Cilea morreria infelizmente antes da estreia do espectáculo, mas de novo Olivero voltou a aos palcos, recomeçando a sua actividade com esse papel, em 1951.

Tendo tido uma carreira recheada de sucessos, viveu o seu auge numa época em que todas as atenções mediáticas se voltavam para Maria Callas e, esporadicamente, para a sua rivalidade daquela com Renata Tebaldi.

Foi, apesar disso, no mundo da Ópera, considerada uma verdadeira Diva, que tal como Callas era excelente quer como cantora, quer como actriz.

Devido à sua longa carreira, teve como nenhuma outra, a oportunidade de cantar com várias gerações de grandes cantores, de Gigli a Gobbi, de Del Monaco a Corelli, passando por Plácido Domingo, por exemplo…..

Do mesmo modo foi intérprete, nos palcos de todo o mundo, de muitas das mais disputadas obras do repertório operático: La bohème, La fanciulla del West, La traviata, La Wally, Madame Butterfly, Manon Lescaut, Mefistofele, e Turandot, foram algumas delas.

Afirmava ter um principio básico, que era o de não imitar ninguém e se errasse, corrigiria o erro por si, com o seu próprio estilo… com uma excepção... ao fazer a Traviata inspirava-se sempre em Greta Garbo e se o tenor que lhe calhava para o papel de Alfredo não correspondia exactamente ao perfil que desejava, bastava-lhe fantasiar com o actor Robert Taylor e a “química” ficava garantida.

Termino esta homenagem simples a esta grande cantora com um pequeno vídeo que preparei com uma ária famosa da Ópera Gianni Schicchi, que foi exactamente a primeira Ópera em que participou.

Espero que gostem tanto quanto eu!

sábado, julho 10, 2010

De três a dez euros

Nunca fui um admirador da chamada stand up comedy, confesso contudo que ainda antes que ela aparecesse com esse nome, eu divertia-me imenso ao ver, no início dos anos 60, os programas de televisão de Victor Borge.





Borge, natural de Copenhaga, onde nasceu em 1909, começou a aprender piano aos 3 anos de idade, aos 9 dava o seu primeiro concerto a solo e aos 10 actuava já como solista com a Orquestra Filarmónica de Copenhaga.

Foi um menino prodígio e depois um músico prodigiosamente inovador ao trazer para a música clássica o humor, bastando-lhe para isso guiar-se em experiências vividas.

Músicos que a meio da actuação caíam do seu assento, vira-pautas que se enganavam ou deixavam cair as folhas, abas do piano que se fechavam sobre as mãos do pianista, pautas colocadas ao contrário….


Do universo da música, chamada séria, Borge trouxe-nos todo um mundo de episódios reais que enchiam de humor os seus espectáculos.





As gerações seguintes viram-no decerto nos Marretas e na Rua Sézamo.





Victor Borge foi um virtuoso do piano, que tinha a autoridade moral e artística para olhar para a música a partir dos seus aspectos mais hilariantes dizendo, com alguma razão, que se tivéssemos a televisão sintonizada num concerto de música clássica e lhe retirássemos o som, os músicos iriam parecer absolutamente ridículos.


Tendo começado a fazer humor com a música, ainda antes dos Irmãos Marx, era um seu fervoroso admirador, levando pedaços exemplares dos seus filmes para os seus espectáculos:





Borge, dinamarquês de ascendência judaica, estava na Suécia em 1940 quando os Nazis invadiram a Dinamarca e não hesitou, em partir de imediato em direcção aos Estados Unidos, via Finlândia, tomando o último navio neutral autorizado a zarpar daquele país báltico!


Não sabendo uma única palavra de inglês e apenas com 20 dólares no bolso, o seu enorme talento fez com que rapidamente ganhasse notoriedade, vindo a tornar-se em muito pouco tempo uma das figuras mais queridas do espectáculo americano e de todo o mundo!





Anos mais tarde, ao referir-se à sua fuga, costumava dizer que naquele tempo apenas duas pessoas perceberam exactamente o que se estava a passar no Continente Europeu. Churchill que salvara a Europa e ele que se salvara a si mesmo!


Borge que viria a morrer com aos 91 anos nos Estados Unidos, manteve sempre uma relação muito afectuosa com a sua Dinamarca.

Aquando do seu octogésimo aniversário foi homenageado em Copenhaga com um concerto que ficou memorável pela sua espectularidade e por em diversos momentos fazer a orquestra desmanchar-se a rir!

Mais ainda, por ter feito com que a consagrada flautista Michala Petri que o acompanhou nas Czardas de Monti, perdesse o fôlego necessário para tocar, por ser incapaz igualmente de conter o riso.





Bom, mas o que terá tudo isto que ver com o título que dei a este post?


Tem que ver com o facto de Borge ter neste momento seguidores à sua altura, e refiro-me naturalmente à dupla Igudesman & Joo composta por dois músicos igualmente virtuosos:

Quanto ao violinista, o russo Aleksey Igudesman é, para além de um executante extraordinário, um reconhecido compositor, com obras que já constam dos repertórios de algumas das mais prestigiadas orquestras, quer de câmara, quer sinfónicas.

Quanto ao pianista, Richard Hyung-ki Joo, britânico de origem coreana, foi vencedor de uma das edições do prestigiado Concurso de Piano Stravinsky, tendo sido solista nas principais salas mundiais, tocando com os mais conhecidos e consagrados maestros.

Ora esta dupla actua hoje e amanhã em Portugal, mais propriamente no Festival Internacional de Música de Espinho, que de ano para ano, se vem tornando cada vez mais interessante.


E os bilhetes respectivos custam entre os 3 e os 10 euros!


Não sei se já estão todos vendidos, mas quem puder assistir ao espectáculo deste duo, decerto que testemunhará um momento musical verdadeiramente notável.


Vejam, por exemplo, este excerto da sua actuação com Gidon Kremer e a sua famosíssima Kremerata Báltica, num momento musical absolutamente incomum.





O espectáculo que hoje e amanhã será apresentado em Espinho reproduz o concerto gravado já em DVD com o título “A Little Nightmare Music”.


Dessa produção que vem sendo apresentada ao vivo por todo o mundo, junto algo que muito provavelmente se verá em Espinho, onde eu tenho imensa pena de não poder estar! Trata-se de Mozart, apresentado aqui em Roterdão, da mesma forma que o duo o executou durante os célebres concertos Promenade de 2008.





De três a a dez euros….