quarta-feira, maio 27, 2009

Recordando Nouvelle Cuisine

Em 1987, na cidade de São Paulo, um grupo de amigos, todos com sólida formação musical, costumava reunir-se, nas tardes de sábado, para fazer o que mais gostavam: tocar Jazz.

Numa altura em que a moda era o rock eles não tinham qualquer pretensão em profissionalizar-se tocando standards de jazz.

Contudo, resolveram testar a sua aceitação pelo público e conseguiram marcar uma apresentação numa segunda-feira de Inverno, num pequeno bar de São Paulo, chamado “Espaço OFF”.

Só nessa altura resolveram baptizar o grupo, dando-lhe o nome de Nouvelle Cuisine.




A repercussão desta sua primeira apresentação foi tal que, na segunda-feira seguinte, o pequeno bar estava repleto de críticos e de produtores musicais.

Poucos dias depois estavam a assinar um contrato com a Warner e a editar o primeiro disco, com a ajuda de um maestro vindo de Los Angeles de propósito para trabalhar com eles.

O disco chamado apenas “Nouvelle Cuisine” foi recebido entusiasticamente pela crítica e foi, no escasso mercado de jazz, um verdadeiro sucesso de vendas.




O reconhecimento da sua excepcional qualidade permitiu que a editora aceitasse para o segundo disco, que se veio a chamar “Slow Food”, a introdução de canções em português, novas sonoridades e mesmo o acompanhamento de uma orquestra sinfónica.

Permitiu-lhes igualmente ter a colaboração de Gal Costa (numa canção chamada Notas) e de Caetano Veloso que compôs para eles a canção Luzes.



Ao assistir a uma das suas apresentações, o grande trompetista Wynton Marsalis considerou-os o melhor grupo de jazz fora dos Estados Unidos e juntou-se a eles para uma jam session, que considerou inesquicivel.

O prestigio e sucesso dos Nouvelle Cuisine foram-se mantendo, essencialmente no círculo restrito do jazz e da critica, Contudo, a sua notoriedade no público em geral viria a acontecer de forma algo imprevista em 1988.

Numa noite, no auditório do MASP (o principal museu de São Paulo,) os Nouvelle Cuisine, para surpresa do público, levaram uma jovem desconhecida para cantar em dueto com o vocalista Carlos Fernando Nogueira. A canção era “Bess you is my woman now” da Ópera Porgy and Bess.

A moça era linda, tinha uma voz belíssima e pouco depois viria a gravar o seu primeiro disco em 1989, onde esta colaboração com os Nouvelle Cuisine não ficou esquecida. Chama-se a moça Marisa Monte

Deixo aqui o vídeo desse trabalho conjunto sobre o tema de Gershwin esperando que gostem tanto dele, quanto eu!



Actualmente, após a saída de dois dos seus elementos fundadadores, entre os quais Carlos Fernando Nogueira, o Nouvelle Cuisine transformou-se em Nouvelle.

Carlos Fernando iniciou uma carreira a solo, tendo editado um CD (1994) em parceria com o músico Toninho Horta sobre canções de Chico Buarque




Hoje os Nouvelle têm como vocalista a cantora Estela Cassilati e continuam a ser uma referência de qualidade, embora tal como antes para um público minoritário.




Vale a pena conhecer os antigos Nouvelle Cuisine, que em 1992 foram considerados o melhor grupo de MPB, e os actuais Nouvelle, que infelizmente estão pouco presentes nas nossas lojas e, pior ainda, completamente ausentes das nossas rádios.

quarta-feira, maio 13, 2009

Uma canção célebre numa voz pouco escutada

Hoje trago aqui uma canção com quase 100 anos, na voz de uma cantora portuguesa que merecia ser mais e melhor conhecida pelo público português.

A canção é de origem francesa tendo sido escrita e criada em 1916 por Jeanne Bougeois, conhecida no mundo artístico com o nome de Mistinguett, e que se celebrizou tanto pelas suas actuações, como pelas suas pernas (postas no seguro em 1919 por 500.000 francos).




O seu nome original é Mon Homme , que ao atravessar o Atlântico para a voz de Fanny Brice tomou o nome de My Man, tendo-se tornado num clássico, recriado pelas vozes de Piaf, Billie Holliday, Streisand e Diana Ross, entre muitas outras.

Entre essas tantas vozes há a de uma portuguesa, que a gravou em Espanha, no início da década de 70, falo de Paula Ribas.





Paula Ribas iniciou a sua carreira no início dos anos 60, tendo-se popularizado quer como cantora yé-yé, quer como cantora romântica.

No entanto, quer devido a um afastamento temporário a seguir ao casamento, quer pela opção em fazer carreira no exterior do país, era de algum modo olhada como uma "estrangeirada".

Gravou nessa década mais de 40 discos, dos quais 10 LPs, em 5 linguas diferentes.

Actuou nos palcos de todo o mundo, assinalando-se os seus maiores êxitos em Israel onde ficou 4 meses, na Escandinávia onde ficou 10 meses, Espanha onde gravou a maior parte dos seus discos (para a etiqueta Belter) e depois no Brasil onde viveu vários anos e onde também fez vários trabalhos discográficos muito elogiados pela crítica (nomeadamente um sobre a obra de José Afonso e outro de "Fados Brasileiros").





Conhecida por ser muito directa e crítica quanto à qualidade da música que era levada aos portugueses residentes no exterior, fez a sua carreira no estrangeiro fora dos circuitos tradicionais da emigração!

Talvez seja por isso que apesar de ter feito tantas gravações, a maior parte delas continuem desconhecidas do público português, o que me parece um enorme desperdício e uma imensa injustiça.



Aliás, devo até referir que a única colectânea de Paula Ribas até hoje editada em CD contém apenas registos do inicio da sua carreira yé-yé, muito fraquinhos, esquecendo dezenas e dezenas de canções que gravou com enorme qualidade.

O porquê desta opção não consigo entender!

Termino pois, com a célebre MY MAN, na voz de Paula Ribas, alertando para o facto de o som, que resulta de uma digitalização feita a partir do vinil, não ter toda a qualidade que merecia.

segunda-feira, maio 04, 2009

DRESDEN

Foi posto à venda no final da passada semana o DVD com a mini-série alemã DRESDEN.



Trata-se de uma série bastante interessante pois dá-nos a visão da Guerra a partir do ponto de vista de quem a perdeu.

Interessante ainda porque, para além de uma complexa história amorosa, foca um dos casos mais controversos da II Guerra Mundial, o bombardeamento de Dresden.

Dresden, que é a capital do Estado da Saxónia, era conhecida como a Florença do Elba


Dresden - gravura do Palácio e Jardins Zwinger:



Os seus monumentos e tesouros artísticos faziam desta cidade uma das mais belas da Europa.


Dresden no início do séc XX:



Entre 13 e 15 de Fevereiro de 1945, já com a Alemanha perfeitamente derrotada (apesar de ainda não rendida), os aliados ingleses e americanos lançaram milhares de toneladas de bombas, que destruíram mais de 90% de toda a cidade, matando centenas de milhares de pessoas.

Deixo aqui algumas imagens da série sobre o momento dos bombardeamentos sobre a cidade de Dresden:



Vagas sucessivas de centenas de bombardeiros despejaram sobre Dresden, já sem capacidade de defesa anti aérea, um verdadeiro inferno de fogo, fazendo nesta cidade aquilo que os alemães já tinham feito em Varsóvia e que por pouco não aconteceu a Paris, que foi salva devido à desobediência do General Dietrich von Choltitz, o qual se recusou a cumprir as ordens directas de Hitler para que destruísse totalmente a capital francesa.

Foto de Dietrich von Choltitz:



Estando já a Guerra decidida e feita a partilha da Europa pelas potências vencedoras, Dresden ficaria sob domínio soviético e há hoje o convencimento de que, para Churchill e Roosevelt parecia mais interessante que os russos ficassem a braços com uma montanha de destroços, do que lhes entregar de mão beijada uma cidade que era um autêntico tesouro artístico.


Dresden em ruínas (1945):




Dresden tornou-se pois num símbolo do que de pior a Humanidade é capaz, para depois se tornar num simbolo civilizacional de amor à História e à Arte, pois os que sobreviveram a esta hecatombe conseguiram rua a rua, monumento a monumento, reerguer Dresden das cinzas, tornando hoje esta magnifica cidade numa verdadeira jóia do património histórico da Humanidade, tal como é classificada pela UNESCO.


Aspecto de Dresden na actualidade (Zwinger):



Aspecto do centro de Dresden na actualidade:



Claro que o seu processo de reconstrução teve algumas vicissitudes.

No após-guerra, o líder comunista alemão Walter Ulbricht chegou a pensar fazer de Dresden, que se situava na República Democrática Alemã, uma cidade modelo do urbanismo socialista, com edificios inspirados no modelo habitacional e institucional soviético, em avenidas largas que permitissem a realização de grandes manifestações públicas.

No entanto as vozes dos defensores da herança cultural da Saxónia falaram mais alto, apelando à reconstrução da cidade barroca o que, em parte, foi conseguido!

E assim, três meses após o final da Guerra, começou a reconstrução de alguns dos principais monumentos.

O conjunto de edifícios do Palácio Zwinger e o Teatro Schauspielhaus foram dos primeiros. Seguiram-se o Palácio Real e a Ópera (Semperoper).!


Semperoper antes da Guerra




Semperoper destruída




Semperoper (exterior reconstruído)




Semperoper (interior reconstruído)



Mais tarde (já após a queda do comunismo) foi a vez da reconstrução do monumento mais célebre e querido da cidade a Frauenkirche, reerguida com dinheiros públicos, mas também com contribuições privadas, criando-se movimentos públicos para angariar os cerca de 130 milhões de euros que custou a sua reconstrução.

Por ironia da História, à frente de uma das principais organizações de recolha de fundos estavam os membros da família real inglesa, o que revela por um lado algum peso na consciência britânica face à destruição de Dresden e, por outro, o apelo do sangue Saxe- Coburgo da Casa Real Britânica, cujos laços afectivos não terminaram só pelo simples facto de terem mudado de nome de Wettin para Windsor, pela mão de Jorge V, avô de Isabel II, aquando da Primeira Guerra Mundial.

Frauenkirche antes da Guerra:




Frauenkirche destruída:




Frauenkirche reconstruída (exterior):




Frauenkirche reconstruída (interior):




Com esta reconstrução, que deveria fazer corar de vergonha os políticos e autarcas portugueses, que por acção e omissão vão destruindo as marcas históricas das nossas cidades (nomeadamente Lisboa), os principais prédios do centro antigo de Dresden, que compunham a famosa silhueta da cidade estão novamente de pé.



Apesar de muitas peças de arte se terem perdido para sempre, muitas foram salvas e valem a pena ser visitadas, nos belos e reconstruídos museus.

Como curiosidade final refiro que igualmente valerá a pena uma visita a um dos poucos edifícios que conseguiram sobreviver aos bombardeamentos, onde se situa a que é considerada a mais bela leitaria do mundo




No entanto, apesar de milagrosamente não ter sido afectada pelos bombardeamentos, a leitaria Dresdener Molkerei Gebrüder Pfund , por pouco não se livrou de ter sofrido uma "redecoração socializante" ao estilo standard das leitarias comunais, após a sua nacionalização no inicio dos anos 70.

Nessé projecto de decoração previa-se a utilização de alumínios e plásticos em substituição dos belos painéis de azulejos que a forram de alto a baixo…. Felizmente tal ideia absurda não foi para a frente…




Gostaria de terminar dizendo o seguinte:

QUANDO NO NOSSO PAÍS SE DIZ QUE UM BELO EDIFICIO OU MONUMENTO, POR MÁ CONSERVAÇÃO OU INCÊNDIO, SE PERDEU PARA SEMPRE, ESTÁ-SE A DIZER UMA MENTIRA!

O PATRIMÓNIO EDIFICADO SÓ SE PERDERÁ PARA SEMPRE SE NÓS E OS NOSSOS REPERESENTANTES ELEITOS NAS CÂMARAS MUNICIPAIS, QUISERMOS QUE ASSIM SEJA.

POR ISSO DEIXO, NESTE ANO DE AUTÁRQUICAS UM VÍDEO SOBRE DRESDEN, QUE ACONSELHO A CERTOS GRUPOS DE PESSOAS.

ACONSELHO-O A TODOS OS QUE SE PROPÕEM DIRIGIR AUTARQUIAS SEM AS CONHECER, SEM AS AMAR, SEM RESPEITAR A SUA HISTÓRIA E O SIGNIFICADO DAS SUAS PEDRAS.

ACONSELHO-O A TODOS OS QUE SE PROPÕEM GERIR CIDADES APENAS PENSANDO EM CONCURSOS PARA NOVAS URBANIZAÇÕES, APENAS PENSANDO AS URBES COMO LOCAIS DE PERNOITA E CIRCULAÇÃO, DANDO MAIS IMPORTÂNCIA AOS CARROS DO QUE ÀS PESSOAS.

ACONSELHO-O A TODOS OS QUE, TENDO PODER NAS AUTARQUIAS, VÃO SUBSTITUINDO OS "TEATROS MONUMENTAIS" POR "CENTROS COMERCIAIS", IGNORANDO QUALQUER PREOCUPAÇÃO ESTÉTICA E FAZENDO COM QUE DIA APÓS DIA, AS MEMÓRIAS DO LEGADO HISTÓRICO QUE É PATRIMÓNIO DE TODOS NÓS, VÃO DESAPARECENDO!

ACONSELHO-O A TODOS OS QUE SE PROPÕEM DECIDIR SOBRE O DESTINO DOS MUNICÍPIOS, SOBREPONDO A GESTÃO FINANCEIRA À QUALIDADE DE VIDA, COMO SE AS CÂMARAS FOSSEM EMPRESAS E AS CIDADES MEROS CENTROS DE NEGÓCIO!

ACONSELHO-O FINALMENTE A TODOS OS PODEROSOS DE OCASIÃO QUE DESPREZAM A HISTÓRIA, A ARTE E A MEMÓRIA E QUE INFELIZMENTE CONTAM COM A IGNORÂNCIA E COM A PERMANENTE COMPLACÊNCIA DE ELEITORES POUCO EXIGENTES E POUCO INTERESSADOS NO SEU PAÍS.

ACONSELHO-O POIS A TODA ESTA GENTE, ESPERANDO QUE SE ALGUM DESSAS PESSOAS O VIR, REFLICTA SOBRE O QUE PODE E DEVE FAZER COM O PODER QUE LHE FOI OUTORGADO PELO POVO E QUE, PORTANTO, APRENDA ALGUMA COISA ...SE FOR CAPAZ!