sexta-feira, outubro 01, 2010

FRANGO

Vou partir dentro de poucas horas para uma breve estadia na cidade de Valência, a terceira cidade de Espanha.

E estando aqui tão perto é para mim estranho que não seja mais conhecida no nosso País aquela que é considerada a “voz de Valência”. Falo de Francisco, de seu nome completo Francisco González Sarriá. Uma voz verdadeiramente excepcional.



As versões mais populares e conseguidas dos Hinos da Comunidade de Valência e das festas da cidade as “Fallas” estão na sua voz.

Não será apenas Francisco que é pouco conhecido em Portugal, o mesmo acontece com a maioria dos intérpretes espanhóis que infelizmente desde os anos 70 deixaram de passar nas nossas rádios e televisões.

Bom, mas a verdade é que mesmo em Espanha Francisco, apesar de ser muito conhecido e prestigiado, não é propriamente um artista comercializável.

Vindo de uma família muito pobre e tendo uma voz poderosíssima o seu caminho artístico iniciou-se na música ligeira, quando seria óbvio que estava talhado para uma carreira no canto lírico.

Acabou assim por lhe acontecer o inevitável, no mundo da música popular:

Foi quase sempre um peixe fora de água, com poucos autores capazes de escrever para a sua voz. Uma voz que, infelizmente, para editoras, autores e boa parte do público parece ter surgido já fora tempo!

Vejamo-lo aqui no inicio da sua carreira, com pouco mais de 20 anos e uma voz excepcionalmente madura para a sua idade, numa altura em que já usava o seu nome próprio “Francisco” como nome artístico, isto após ter iniciado a sua carreira sob o nome de FRANGO, nome retirado das iniciais do seu nome próprio e do seu apelido paterno.



Apesar de não conseguir ser popular junto do público da sua própria idade e de vender poucos discos, em regra acabava por vencer todos os concursos para cantores, sendo igualmente o único artista a ganhar por duas vezes o Festival da OTI…. O que, diga-se de passagem, não é propriamente uma credencial de peso.

Remeteu-se pois a cantar versões de canções de outros artistas, normalmente bem escolhidas, mas tendo com isso sucessos limitados, em segunda mão, digamos assim.

Quando, após anos de estudo com Monserrat Caballé, tornou-se num dos seus alunos preferidos, acedendo então ao canto lírico, ao lado da própria Caballé em vários recitais por toda a Espanha.

Contudo,o preconceito do meio operático e do respectivo público, nunca deu as oportunidades necessárias a este cantor que vinha da música ligeira, fechando os olhos às suas qualidades.

Este acolhimento frio retirou-lhe a vontade de prosseguir por esse caminho, aonde apenas ocasionalmente faz incursões.

É um daqueles casos de artista que levará toda a vida a ser considerado como uma promessa para um futuro que nunca mais chega. Um artista com muito prestígio, que é aplaudido de pé sempre que actua, mas que não vende, nem é considerado como estando na música ligeira ou no campo clássico…

Acontece... Já aconteceu com outros cantores, desde Claudio Villa em Itália a Luis Piçarra em Portugal e é um desperdício!

Deixo estes dois vídeos, onde as suas qualidades como cantor são por demais óbvias e merecedoras de serem divulgadas no nosso País:





E até à segunda quinzena de Outubro!

terça-feira, setembro 21, 2010

Um dia

Há algo que têm em comum um vasto conjunto de personalidades públicas:

O actor Charlton Heston, protagonista de, entre outros de "Os 10 Mandamentos":




A anterior Monarca holandesa, a Rainha Juliana, cuja actuação pública e social foi sempre considerada exemplar:



O compositor Maurice Ravel, o autor do celebérrimo "Bolero" mas também, entre outras obras, da "Rapsódia Espanhola" e de "Daphne e Chloé" :




A fadista Lucília do Carmo, a inesquecível criadora de "Maria Madalena" e de tantos outros êxitos que imortalizam este género musical português:




O actor Charles Bronson, um dos principais actores de "Era uma vez no Oeste" e de muitos outros filmes de acção:




A escritora Enid Blyton, extraordinária autora de literatura infanto-juvenil, nomeadamente dos célebres livros dos "Cinco" e dos "Sete"




O ex-Presidente do Governo Espanhol Adolfo Suarez que ajudou o Rei Juan Carlos a fazer a transição pacífica do seu país para a Democracia.



O que possuem em comum todos eles, para além de se terem notabilizado pelas suas qualidades, é serem, ou terem sido, vítimas da Doença de Alzheimer, cujo o Dia Internacional se comemora hoje a 21 de Setembro.

A estes nomes poderíamos ainda acrescentar os de antigos primeiros-ministros britânicos como Wiston Churchill, Harold Wilson e Margaret Tatcher, o do Presidente americano Ronald Reagan, o dos realizadores Otto Preminger e Vicent Minnelli, o dos cantores António Prieto (que fez furor nos anos 60 com "La Novia" e "Quando calienta el Sol") e Perry Como, a voz inesquecível de "Try to Remember", "It's Impossible".



São milhões em todo o mundo e em Portugal estimam-se em cerca de 90 mil pessoas, as afectadas por esta doença, que apenas no ínicio do Seculo XX seria devidamente estudada pelo médico que lhe deu o nome. Foi, no entanto, uma doença que sempre existiu e relatos biográficos de pessoas que viveram antes dessa época, revelam já a existência de sintomas tal como hoje os conhecemos nesta doença!

Uma doença que não escolhe nacionalidades, classes sociais ou raças, mas de que só se ouve falar quando é tornado público que alguém muito conhecido foi atingido, como aconteceu com Rita Hayworth, o compositor Aaron Copland, ou o estilista Louis Féraud.



É terrivel, mas a verdade é que nenhum de nós está livre de vir a padecer desta tenebrosa doença, cujas causas se desconhecem e que se instala silenciosa e gradualmente, roubando a pouco e pouco o que distingue um ser humano de um irracional, alterando a personalidade por completo e impedindo até o próprio reconhecimento perante um espelho!

Uma doença degenerativa, irreversível e fatal que acaba por retirar do cérebro os comandos do andar e do falar, que faz esquecer o modo de engolir um alimento, que torna a pessoa completamente incontinente, colocando-a totalmente dependente, mesmo para os mais pequenos gestos do quotidiano, sugando toda dignidade que a vida humana tem de possuir e que, por isso mesmo se torna num inferno arrasador para o dia-a-dia de quem os ama.

Não havendo, no caso de Portugal, qualquer resposta institucional válida para apoiar doentes e famíliares, considero profundamente simplistas e lamentáveis, as afirmações de hoje do Presidente do Instituto de Segurança Social de Portugal, quando afirmou hoje genericamente que as famílias dos idosos que são abandonados nos Hospitais deveriam ser penalizadas criminalmente.

As coisas contudo são bem mais complexas do que este "responsável" afirma!

Eu próprio tenho em casa, a minha Mãe com uma situação de Alzheimer bastante avançada, pois como qualquer outro filho, pretendo adiar até ao limite o seu eventual internamento!

Ora, havendo um subsídio de dependência, para este efeito, foi atribuido pela Segurança Social esse apoio no montante de 94,77 euros, estranhamente o escalão mais baixo desse subsídio, como se a minha mãe não precisasse de apoio para todos os actos do seu quotidiano!

Contudo, só as despesas com medicação ascendem mensalmente a mais de 300 euros e dispendemos mais de um milhar de euros em apoio domiciliário especializado! Todas as consultas médicas têm que ser realizadas em casa, pagando em média 100 euros por consulta!

E não se pense que estas despesas libertam a família de trabalhos. Uma doença de Alzheimer tratada em casa é, pelo contrário, uma missão a tempo inteiro, complexa e desgastante quer física, quer psicológicamente! E, no meu caso, sinto que está longe de ser uma solução perfeita para a própria doente! É, no entanto, o mal menor que podemos ter!

Mas eu, apesar de tudo, até serei um previligiado!

Será que quem tem reformas e salários mínimos pode dar acompanhamento idêntico a uma doença tão exigente como é a Alzheimer? Obviamente que não!

Quando as coisas se tornam impossíveis de gerir em casa pela família, que alternativas tem quem não possui meios para suportar os apoios exteriores que são indispensáveis?

Na verdade, e na prática, é a Segurança Social Portuguesa que abandona os seus cidadãos e é ela em primeira linha que merece ser criticada.

Correndo o risco de ser políticamente incorrecto e até mesmo de parecer insensível, face à situação que eu próprio vivo, não me atrevo a julgar as eventuais atitudes de outros, que com menos meios, vivem problemas idênticos aos meus.

O Senhor Presidente do Instituto da Segurança Social deveria dedicar mais tempo a reflectir sobre estas matérias, avaliar bem as suas prioridades e não fazer juízos morais genéricos sobre pessoas que não conhece e que poderão ter tomado atitudes de desespero, exactamente porque não conseguem ultrapassar o inultrapassável.

Nem todos os casos de abandono de idosos nos hospitais se devem a comportamentos indignos e de crueldade, devem-se muitas vezes à impotência e ao desespero de quem já não consegue lidar com uma situação impossível e procura com isso o seu próprio "mal menor"!

No Dia Internacional do Doente com Alzheimer, a tomada de posição do "responsável" pela Segurança Social foi, no meu modesto entender, profundamente infeliz, transmitindo com ela a ideia de que a Segurança Social Portuguesa nada mais tem para oferecer do que a criminalização do único acto que, em desespero de causa, pode garantir ao doente uma situação de conforto digno e tratamento adequado, à revelia do completo desinteresse da Segurança Social por este problema.

Por muito cruel e desumano que possa ser considerado deixar um idoso, com algum tipo de demência, ou com problemas de saúde graves, num Hospital Público, isso acontece, na maioria dos casos, porque os serviços estatais não têm qualquer alternativa para oferecer em termos de apoios sociais domiciliários ou de cuidados paliativos!

O que sinceramente me parece é que o que custa a "engolir" a esse e outros "responsáveis" é que a atitude de algumas famílias, obriga o Serviço Nacional de Saúde, contra a sua própria vontade, a assumir o papel que de facto lhe competeria se fosse bem pensado e bem gerido.

Também a mim já me pareceu estranho e pouco normal que alguém deixe um idoso num hospital. Depois de passar pelo que estou a passar hoje em dia a minha visão é algo diferente.

Um dia este problema pode bater-nos à porta... poderemos ser nós....

Esperemos entretanto que as prioridades e as mentalidades dos responsáveis pela Saúde e pela Segurança Social no nosso País se alterem profundamente! Esperemos que um dia isso aconteça.... Um dia....

quarta-feira, agosto 25, 2010

Recordando "Dores de Cotovelo" Transatlânticas

Estou sem computador e simultaneamente de partida para férias. Contudo não queria partir sem deixar algo neste meu pequeno espaço… Hoje trago apenas umas breves e simples lembranças dos meus tempos de infância.

O pretexto foi-me dado por um dos canais da Fox que utilizou recentemente um pequeno separador musical onde se ouvia apenas a seguinte frase:“ Que eu quero passar com a minha dor”!

Ora isso trouxe-me à memória muita coisa sobre os primórdios das minhas recordações sobre música.

Essa frase é o segundo verso de uma canção chamada a “Flor e o Espinho” escrita em 1957 por Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito e que viria a ser um imenso sucesso no Brasil, 8 anos mais tarde, pela voz da “divina” Elizeth Cardoso.



“Tire o seu sorriso do caminho, Que eu quero passar com a minha dor” . São os versos, muito bem conseguidos, do começo desta canção que passou completamente despercebida em Portugal, apesar de ter vindo a ser cantada por dezenas e dezenas de cantores brasileiros, podendo-se considerar um verdadeiro standard musical do País Irmão.

A voz que se ouvia na Fox era a de Paulinho Moska:



Contudo, a primeira vez que eu ouvi esta canção foi através de Nora Ney, igualmente uma ilustre desconhecida em Portugal.

As razões deste desconhecimento são muito simples:

Apesar de ter um imenso sucesso no Brasil e de, no inicio dos anos 50, ter criado uma canção que chegou a ser ouvida até à exaustão nas rádios portuguesas: “Ninguém me Ama”; Nora era militante do Partido Comunista Brasileiro, o que portanto não era aceitável para a censura nacional.

Assim, a canção só foi escutada aqui, um pouco mais tarde, pela versão, também magnifica, de Dolores Duran e o sucesso foi extraordinário!

Para além de comunista, Nora Ney era uma mulher bonita, elegante e extremamente sofisticada o que a tornava ainda mais perigosa para os nossos censores.



Fazendo-lhe agora a devida justiça, vejamo-la cantando a canção que criou e que teve mais tarde uma verdadeira projecção global, através de inúmeras versões, desde a da italiana Mina à mundialmente famosa de Nat King Cole.



Esta canção escrita pelo “grande” António Maria, em 1952 foi um dos primeiros sucessos de Nora Ney e integrava-se num estilo muito em moda na época: o da chamada canção de “dor de cotovelo”!

Este estilo prestava-se quer a obras de muita qualidade, quer a produtos verdadeiramente Kitch, mas que nem por isso deixavam de ter sucesso.

Algumas vezes para ajudar a obter um efeito mais seguro, utilizava-se o estilo do bolero ou o do tango, o que tornava a “dor de cotovelo” ainda mais pungente… e vendável!

E eu recordo-me muito bem que, nessa linha, vinda também do Brasil, invadiu as nossas rádios uma canção sem grandes pretensões de qualidade, que durante meses foi ouvida de manhã à noite e que depois em Portugal, como sempre acontece, se viria a perder na poeira do tempo:

Refiro-me ao bolero “Faz-me Rir”, canção interpretada por Edith Veiga, que depois a foi repetindo em quase todos os discos que veio a gravar, como se de um talismã se tratasse.



Esta cantora, depois de uma curta carreira, casou e afastou-se da vida artística (temporáriamente, no seu caso), tal como aconteceu com outra cantora que, do lado de cá do Atlântico, interpretava também canções de amores dramáticos, culpas doentias e valentes dores cotovelares e que curiosamente também ficaria associada essencial, mas injustamente, a uma única canção: “Vocês Sabem Lá”.

Falo naturalmente de Maria de Fátima Bravo, que infelizmente quando se retirou,muito jovem, fê-lo de forma definitiva.

Ora na mesma altura em que Edith Veiga perdia as estribeiras com o bolero “Faz-me Rir”, a Maria de Fátima Bravo carregada de culpas, perdia a vergonha e confessava as suas galderices com o tango “Eu sou Pecadora”:



Mas, voltemos a Nora Ney, cujo verdadeiro nome não ajudava muito a quem, na época, se quisesse afirmar no meio artístico.

Iracema era o seu nome de baptismo e começou por fazer carreira cantando apenas em inglês standards do jazz, já que a sua voz, muito grave, de contralto estava completamente fora dos cânones da época!

Disse-se sempre aliás que mais do que uma cantora Nora Ney era uma “diseuse”, contudo talvez essa carácterística fosse uma das chaves do seu sucesso, que foi enorme, tendo sido pioneira em muitas coisas no panorama musical brasileiro:

Foi a primeira brasileira a cantar Rock, foi a que primeiro gravou composições de António Carlos Jobim e foi também a primeira a pisar os palcos da Europa de Leste, incluindo os da antiga União Soviética….

O facto de ser comunista e de a partir de 1964, com a ditadura militar, se ter exilado durante oito anos, terá tido nisso, decerto, alguma importância, contudo lá que foi a primeira a conseguir esse feito, ninguém o pode negar….

Entretanto, no Brasil, Nora Ney será sempre recordada por ter dado voz às mais interessantes composições de António Maria e Fernando Lobo, dentro do estilo da tal “dor de cotovelo”, como esta que a seguir poderemos ouvir:



Dor de cotovelo que em Portugal teve também imensos seguidores, mas dos quais hoje não irei falar, pois julgo ser mais interessante recordar a par de Nora Ney, a voz magnifica e inesquecível de Maria de Fátima Bravo, que cantava, com a sua voz esplêndida, essa dor ao jeito português.

Se uma encontrava razões de preconceito para os seus desencontros amorosos, a outra, depois de ter confessado anteriormente as suas “cabeçadas”, já não se importava mais com o que a sociedade preconceituosa pudesse falar dela:




Enfim, apesar da ironia, com que falo deste género musical, devo dizer que, conforme os anos vão passando, melhor vou reconhecendo que ele era um excelente espelho dos constrangimentos sociais da época, sobretudo para a mulher, quase sempre a maior vítima de discriminações de classe e de preconceitos religiosos.

E, do mesmo modo, confesso que cada vez mais agradáveis ao meu ouvido se vão tornando estas canções, que estão indiscutivelmente ligadas às memórias da minha infância.

Por ser demasiado conhecida, não quis colocar aqui directamente a interpretação original, pela Fátima Bravo, do “Vocês sabem Lá” da dupla Nóbrega e Sousa e Jerónimo Bragança, os quais, aliás, tive o prazer de conhecer pessoalmente.

Mas, clicando neste espaço, poderão escutar este belo símbolo de da dor de cotovelo nacional, na sua versão original de 1958. Uma das melhores, senão talvez a melhor das canções desse género, feitas no nosso País, cantada por uma voz que era sem dúvida excepcional!

Nóbrega e Sousa, a propósito desta canção chegou a confessar-me, meio a brincar, meio a sério, que o seu sucesso foi tão grande e que havia tanta gente a cantá-la tão mal que já nem sequer a conseguia ouvir…

Não se referia decerto ao caso da versão que aqui trago para terminar, como simples curiosidade.

Em meados dos anos 60, Mirene Cardinalli gravou-a, tendo sido na altura editada em vinil, nunca o tendo sido depois em CD.

Como se sabe Mirene perderia a vida em 1969, aos 27 anos de idade e para mim, depois da versão original, esta é, apesar dos fracos arranjos orquestrais, a mais conseguida de todas as versões feitas após Maria de Fátima Bravo.

Por isso mesmo, desejo deixá-la aqui, para que não se perca no esquecimento.



Espero não ter sido demasiado chato com estas memórias antigas e parto, sem dor… e sem computador, para férias!!!!

quarta-feira, julho 21, 2010

Fez anos em Março e eu esqueci-me!

Ontem, ao ler os comentários ao último post do blog Tertúlias, apareceram referências muito interessantes a uma das minhas cantoras favoritas, fazendo-me perceber que estava obviamente em falta com ela, pois deixara passar em claro uma efeméride muito especial da sua vida.

Assim, decidi falar já hoje dessa magnifica voz, que é considerada a última das grandes cantoras do verismo e decerto a que maior longevidade teve na sua carreira.

Falo-vos de Magda Olivero, que completou em 25 de Março passado o seu centésimo aniversário e cujo nome vi pela primeira vez nos jornais, aquando da sua estreia no Metropolitan de Nova Iorque em 1975.





Na verdade o interesse jornalístico de então centrava-se no facto desta cantora se apresentar naquela sala, com a Tosca, numa idade em que a maior parte das cantoras já estão retiradas, ou quando muito no ocaso da carreira. Magda tinha então 65 anos.

Fiquei naturalmente curioso!

A sua aparição no exigente MET parece que não foi fácil, apesar de Magda ser um nome mundialmente conhecido, foi precisa uma insistência enorme da então jovem vedeta da Ópera Joan Sutherland, para que a administração daquela sala aceitasse apresentar uma Flora Tosca de 65 anos.
Os círculos musicais de Nova Iorque mobilizaram-se então para ver o que poderia ser uma de duas coisas, ou fenómeno artístico ou um embaraçoso desastre! E, portanto, fosse como fosse, algo assim na principal sala da cidade seria imperdível.

Os jornais de então relataram que o público nova-iorquino acabou por ficar verdadeiramente estupefacto e rendido ao canto de Magda.

Existe actualmente no youtube um excerto do som dessa sua actuação no MET que comprova a qualidade da sua actuação e a consequente reacção do público!


Relatou na altura o crítico Harold C. Schonberg do New York Times:
“O público gritou e aplaudiu freneticamente, fazendo com que o Maestro Jan Behr mandasse parar a orquestra. Ela teve que se aproximar do centro do palco e durante 20 minutos as palmas e os “Brava” não cessaram. Foi uma das maiores ovações a que o Metropolitan assistiu em toda a sua história!

Cantoras como Olivero têm a capacidade de, apenas com uma expressão do seu rosto ou com um único olhar, fazer com que o espectador sentado no ponto mais longínquo da sala se aperceba de toda a densidade que a obra pretende transmitir.

Fez-se história naquela noite, em que apesar da idade Olivero deu-nos uma Tosca surpreendentemente doce, sensual e feminina. Vocalmente, foi ainda mais excepcional do que seria imaginável. Contida quando era preciso, dramática quando era necessário, a sua voz representa bem mais do que a sua capacidade como cantora, representa a suprema arte do canto. “

Lembro-me de ter lido na imprensa portuguesa um relato deste tipo sobre esta récita, não me recordando sinceramente qual a fonte donde provinha. Contudo, foi dos tais casos que me fez, a partir desse momento, querer acompanhar e saber mais sobre esta cantora.

Ao longo do tempo fui sabendo mais algumas coisas sobre o passado glorioso de Magda Olivero, comprando alguns discos e, sempre que possível, apanhar mais notícias sobre a sua manutenção em actividade! Actividade que dura praticamente até aos dias de hoje.

Embora retirada dos palcos profissionalmente aos 71 anos, continuou a ser solicitada para cantar em Igrejas perto da sua residência e em pequenos saraus particulares.

Dez anos depois de se retirar, aos 81 anos, era assim a sua Avé Maria de Gounoud:


Mais dez anos passados, aos 91 anos de idade, podemos voltar a vê-la aqui cantando como solista numa igreja de Milão, durante a missa que assinalou a passagem do 25º aniversário da morte de Maria Callas.




A carreira desta cantora excepcional iniciou-se em 1933, tendo sido considerada pelo compositor Francesco Cilea a melhor de todas as protagonistas da sua Adriana Lecouvreur, já que segundo todos os que a tiveram oportunidade de a ver ao vivo, tratava-se de uma cantora que para além de transmitir todas as notas da partitura e todos os sentimentos inscritos no libreto, conseguia conjugá-los de tal forma que a ficção posta no palco se transformava num vendaval de sensações para o espectador.

Ela é hoje, com os seus magníficos 100 anos, plenos de vigor e lucidez (o ano passado ainda deu uma pequena conferência e cantou uma pequena ária em público) o único elo vivo que liga aos compositores do inicio do século XX, já que trabalhou directamente com Mascagni, Franco Alfano e Riccardo Zandonai, para além de Cilea, é claro.

Interrompeu a carreira de 1940 a 1950, devido ao seu casamento, mas retomou-a de novo a pedido de Cilea, que já bastante doente desejava voltar a ver a sua Ópera com a sua cantora de eleição.

Cilea morreria infelizmente antes da estreia do espectáculo, mas de novo Olivero voltou a aos palcos, recomeçando a sua actividade com esse papel, em 1951.

Tendo tido uma carreira recheada de sucessos, viveu o seu auge numa época em que todas as atenções mediáticas se voltavam para Maria Callas e, esporadicamente, para a sua rivalidade daquela com Renata Tebaldi.

Foi, apesar disso, no mundo da Ópera, considerada uma verdadeira Diva, que tal como Callas era excelente quer como cantora, quer como actriz.

Devido à sua longa carreira, teve como nenhuma outra, a oportunidade de cantar com várias gerações de grandes cantores, de Gigli a Gobbi, de Del Monaco a Corelli, passando por Plácido Domingo, por exemplo…..

Do mesmo modo foi intérprete, nos palcos de todo o mundo, de muitas das mais disputadas obras do repertório operático: La bohème, La fanciulla del West, La traviata, La Wally, Madame Butterfly, Manon Lescaut, Mefistofele, e Turandot, foram algumas delas.

Afirmava ter um principio básico, que era o de não imitar ninguém e se errasse, corrigiria o erro por si, com o seu próprio estilo… com uma excepção... ao fazer a Traviata inspirava-se sempre em Greta Garbo e se o tenor que lhe calhava para o papel de Alfredo não correspondia exactamente ao perfil que desejava, bastava-lhe fantasiar com o actor Robert Taylor e a “química” ficava garantida.

Termino esta homenagem simples a esta grande cantora com um pequeno vídeo que preparei com uma ária famosa da Ópera Gianni Schicchi, que foi exactamente a primeira Ópera em que participou.

Espero que gostem tanto quanto eu!

sábado, julho 10, 2010

De três a dez euros

Nunca fui um admirador da chamada stand up comedy, confesso contudo que ainda antes que ela aparecesse com esse nome, eu divertia-me imenso ao ver, no início dos anos 60, os programas de televisão de Victor Borge.





Borge, natural de Copenhaga, onde nasceu em 1909, começou a aprender piano aos 3 anos de idade, aos 9 dava o seu primeiro concerto a solo e aos 10 actuava já como solista com a Orquestra Filarmónica de Copenhaga.

Foi um menino prodígio e depois um músico prodigiosamente inovador ao trazer para a música clássica o humor, bastando-lhe para isso guiar-se em experiências vividas.

Músicos que a meio da actuação caíam do seu assento, vira-pautas que se enganavam ou deixavam cair as folhas, abas do piano que se fechavam sobre as mãos do pianista, pautas colocadas ao contrário….


Do universo da música, chamada séria, Borge trouxe-nos todo um mundo de episódios reais que enchiam de humor os seus espectáculos.





As gerações seguintes viram-no decerto nos Marretas e na Rua Sézamo.





Victor Borge foi um virtuoso do piano, que tinha a autoridade moral e artística para olhar para a música a partir dos seus aspectos mais hilariantes dizendo, com alguma razão, que se tivéssemos a televisão sintonizada num concerto de música clássica e lhe retirássemos o som, os músicos iriam parecer absolutamente ridículos.


Tendo começado a fazer humor com a música, ainda antes dos Irmãos Marx, era um seu fervoroso admirador, levando pedaços exemplares dos seus filmes para os seus espectáculos:





Borge, dinamarquês de ascendência judaica, estava na Suécia em 1940 quando os Nazis invadiram a Dinamarca e não hesitou, em partir de imediato em direcção aos Estados Unidos, via Finlândia, tomando o último navio neutral autorizado a zarpar daquele país báltico!


Não sabendo uma única palavra de inglês e apenas com 20 dólares no bolso, o seu enorme talento fez com que rapidamente ganhasse notoriedade, vindo a tornar-se em muito pouco tempo uma das figuras mais queridas do espectáculo americano e de todo o mundo!





Anos mais tarde, ao referir-se à sua fuga, costumava dizer que naquele tempo apenas duas pessoas perceberam exactamente o que se estava a passar no Continente Europeu. Churchill que salvara a Europa e ele que se salvara a si mesmo!


Borge que viria a morrer com aos 91 anos nos Estados Unidos, manteve sempre uma relação muito afectuosa com a sua Dinamarca.

Aquando do seu octogésimo aniversário foi homenageado em Copenhaga com um concerto que ficou memorável pela sua espectularidade e por em diversos momentos fazer a orquestra desmanchar-se a rir!

Mais ainda, por ter feito com que a consagrada flautista Michala Petri que o acompanhou nas Czardas de Monti, perdesse o fôlego necessário para tocar, por ser incapaz igualmente de conter o riso.





Bom, mas o que terá tudo isto que ver com o título que dei a este post?


Tem que ver com o facto de Borge ter neste momento seguidores à sua altura, e refiro-me naturalmente à dupla Igudesman & Joo composta por dois músicos igualmente virtuosos:

Quanto ao violinista, o russo Aleksey Igudesman é, para além de um executante extraordinário, um reconhecido compositor, com obras que já constam dos repertórios de algumas das mais prestigiadas orquestras, quer de câmara, quer sinfónicas.

Quanto ao pianista, Richard Hyung-ki Joo, britânico de origem coreana, foi vencedor de uma das edições do prestigiado Concurso de Piano Stravinsky, tendo sido solista nas principais salas mundiais, tocando com os mais conhecidos e consagrados maestros.

Ora esta dupla actua hoje e amanhã em Portugal, mais propriamente no Festival Internacional de Música de Espinho, que de ano para ano, se vem tornando cada vez mais interessante.


E os bilhetes respectivos custam entre os 3 e os 10 euros!


Não sei se já estão todos vendidos, mas quem puder assistir ao espectáculo deste duo, decerto que testemunhará um momento musical verdadeiramente notável.


Vejam, por exemplo, este excerto da sua actuação com Gidon Kremer e a sua famosíssima Kremerata Báltica, num momento musical absolutamente incomum.





O espectáculo que hoje e amanhã será apresentado em Espinho reproduz o concerto gravado já em DVD com o título “A Little Nightmare Music”.


Dessa produção que vem sendo apresentada ao vivo por todo o mundo, junto algo que muito provavelmente se verá em Espinho, onde eu tenho imensa pena de não poder estar! Trata-se de Mozart, apresentado aqui em Roterdão, da mesma forma que o duo o executou durante os célebres concertos Promenade de 2008.





De três a a dez euros….

terça-feira, junho 22, 2010

Perfil

A foto que mostro a seguir é do passado mês de Abril.




E mostra o Presidente dos Estados Unidos no funeral da quase centenária activista dos direitos humanos Dorothy Height!

A seguinte também é do mês de Abril deste ano.



E mostra os Reis de Espanha assistindo ao serviço funebre do antigo presidente do Comité Olimpico Internacional Juan Antonio Samaranch.

A seguinte é um pouco mais antiga, é de 2008.



E mostra o Presidente francês Sarkozy à saída do funeral, do também nonagenário, cantor Henri Salvador!

Entretanto, transcrevo do site da TVI algo que vi ser transmitido por aquela estação de televisão:

«O que um Chefe de Estado deve fazer é diferente daquilo que deve ser feito pelos amigos ou deve ser feito pelos conhecidos. Devo dizer que nunca tive o privilégio na minha vida, se me recordo, de alguma vez conhecer ou encontrar José Saramago», declarou o Presidente da República.

Cavaco Silva referiu que na sua qualidade de chefe de Estado emitiu uma «uma nota oficial prestando homenagem à obra literária de José Saramago e ao seu contributo para a projecção da cultura portuguesa no Mundo», enviou uma coroa de flores e promulgou o decreto de declaração de dois dias de luto nacional.

«Hoje de manhã o meu chefe da Casa Civil e o meu chefe da Casa Militar apresentaram sentidas condolências aos familiares de José Saramago», acrescentou.

Interrogado sobre se os restos mortais do Nobel Português devem ir para o Panteão Nacional, disse tratar-se de uma matéria da competência da Assembleia da República.
Recordou ter sido o Parlamento que decidiu a recente trasladação para o Panteão dos restos mortais de Aquilino Ribeiro, o que aconteceu décadas depois da sua morte.

O Presidente da República justificou ainda a sua permanência de férias em S. Miguel, apesar da morte de Saramago, com a importância que para ele tem a palavra dada.
«Todos os portugueses sabem que desde quinta-feira à noite estou nos Açores, em S. Miguel, cumprindo uma promessa que fiz há muito tempo a toda a minha família, filhos e netos, de lhes mostrar as belezas desta região», declarou.





Sinceramente não estou admirado com a ausência física de Cavaco Silva das cerimónias fúnebres de José Saramago. Acho que é uma atitude que está verdadeiramente de acordo com o que já nos habituou!

Dá-se contudo o facto de Saramago ser um escritor laureado com o Prémio Nobel, prestigiado em todo o mundo e Cavaco Silva ser actualmente Presidente da República!

Ora, Cavaco Silva transmitiu-nos com o seu argumentário, uma noção de serviços mínimos protocolares a que se sente obrigado nestas circunstâncias e uma ideia de quais são as suas opções prioritárias.

Cavaco, de facto, não possui uma noção do que é ser Chefe de Estado idêntica à de Obama, Juan Carlos ou Sarkozy.

O Presidente Cavaco mantém-se igual ao que foi o Primeiro-Ministro Cavaco, infelizmente!

Apetece-me perguntar a Sua Excelência, qual será o nível de relevância que terá de possuir um cidadão português, para que o actual Chefe de Estado, perante um momento tão sagrado e definitivo como é o da morte, se digne comparecer pessoalmente para manifestar os seus respeitos?

Fica-me ainda a dúvida, face às palavras do Presidente, sobre se, eventualmente neste caso, o falecido fosse seu amigo, o seu comportamento teria sido o mesmo?

Tudo isto confirma, no entanto, o que já era conhecido sobre o perfil do Presidente Cavaco Silva!

E, por isso, não me parece que discutir esta questão, a poucos meses das eleições presidenciais, seja irrelevante.

A forma infeliz como tratou o caso das supostas “escutas” em Belém, a incoerência que revelou aquando da aprovação da Lei relativa ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, são apenas reflexos da sua fragilidade no cargo, denotando que se mantém um homem de horizontes muito limitados, confundindo uma postura de altivez e arrogância com uma postura de estadista.



Não consigo deixar de recordar alguns factos que ocorreram quando foi primeiro-ministro e que são reveladores das suas falhas básicas de percepção sobre a transversalidade da cultura na sociedade e na vida:

- Foi o seu Governo que entendeu o livro de Saramago "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" como um delito de opinião, tendo agido relativamente a ele, com a inconsciência despudorada de quem não tem a noção de que, em democracia, tal delito não existe. Foi precisamente esta atitude absurda e discriminatória que levou a que Saramago resolvesse fixar-se em Lanzarote!

- Foi nesse mesmo seu Governo, que impune e alegremente, o seu Secretário de Estado da Cultura, Pedro Santana Lopes, ao mesmo tempo que, por razões economicistas, extinguia a orquestra da RDP, afirmava gostar muito do concerto de violino de Chopin, obra que simplesmente não existe!

- Que o próprio Cavaco Silva, à época, para além dos frequentes erros de dicção que evidenciava, revelou não saber quantos Cantos têm os Lusíadas, a principal obra de referência da nossa Literatura e da gesta do povo português no feito mais glorioso da sua História!

Na verdade, só uma flagrante estreiteza cultural, aliada a uma presunção sem limites, permite a alguém dizer de si mesmo, sem corar: “Eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas!”.

Num país civilizado, um político dissesse esta frase ou não seria considerado sério, ou não poderia ser levado a sério! Que amplitude de visão do mundo e da vida se pode esperar de alguém com limitações de pensamento tão graves como estas?

Lamento sinceramente que, em cinco anos de mandato, este Presidente não se tenha sabido colocar acima de diferenças políticas e ideológicas e dado ao trabalho de promover uma aproximação apaziguadora com um homem, que apesar de ser seu adversário político, se tornou, através do seu talento, no principal embaixador da cultura e da lingua portuguesa no Mundo.

Lamento mais ainda, que perante a morte e o que ela representa, os sentimentos mais primários de desprezo por um adversário político se tenham sobreposto ao que deveria ser a grandeza de alma que se espera de um Chefe de Estado.

Se queria estar ausente dos actos fúnebres de Saramago, ao menos que mantivesse um silêncio inteligente sobre este assunto!

Quando da esquerda e da direita se vai ouvindo o epíteto de mesquinho ou de inábil, relativamente a Cavaco Silva, eu acho que, mais do que isso, ele é simplesmente incapaz de perceber e de exercer com a nobreza e a elevação necessárias o cargo que ocupa!

Como ficou óbvio, eu não sou um apoiante de Cavaco Silva que, ao contrário do que a sua propaganda tem feito crer, desde sempre, não é nenhum "mago das Finanças", ele é tão só um dos muitos professores de Finanças Públicas que existem neste país e apenas mais um dos muitos medíocres Ministros das Finanças que tivemos em Portugal!

Cavaco teve a sorte de, em 1985, conseguir o poder na sequência da morte de Mota Pinto, já quando a crise financeira provocada por um Governo do seu Partido, fora resolvida pelo Governo do Bloco Central, e numa altura em que choveram milhões da CEE, que só viriam a servir para construir autoestradas, subsidiar o abandono da agricultura e o abate da frota pesqueira!

Em consequência de muitos milhões desperdiçados, geridos de forma descontrolada e incapaz, quando 10 anos depois, Cavaco Silva abandona o Governo, deixa a economia de rastos, centenas de empresas falidas, muitos de milhares de trabalhadores com salários em atraso e um défice de 5,8% do PIB!

No meu entendimento, nem as suas características pessoais, nem a sua folha de serviço como primeiro-ministro, nem as suas posições mais recentes, demonstram as qualidades e o perfil necessários para ser o Presidente de Todos os Portugueses.

Não aprecio o seu trabalho passado, nem me consigo ver representado por alguém com uma estatura tão mediocre, que mesmo no Palácio de Belém não consegue passar do nível da marquise da Rua do Possolo!

Não votei, nem votarei nunca nesta pessoa, apesar de, aparentemente, ter aligeirado o seu ar carrancudo e mudado o slogan do "Deixem-nos trabalhar" para o "Deixem-nos estar de Férias"!

Como nota final não posso deixar de lembrar que nos seus discursos mais inflamados e aplaudidos, o actual lider do PSD, a que pertence Cavaco Silva, insiste sempre em que os políticos deverão ser os primeiros a dar o exemplo!

Ora se assim é, agora que propõe alterações às Leis do Trabalho, decerto que não se irá esquecer de propor que, desde que esteja de férias, o trabalhador nunca as terá que alterar, a não ser por razões que tenham que ver com a sua família ou com os seus amigos....

quinta-feira, junho 17, 2010

Tertúlias

Ontem ao jantar, um dos temas de conversa foi o profissionalismo na vida artística!

Ora hoje, após regressar às minhas vivências blogosféricas, deparo com um magnifico trabalho, onde se fala precisamente do expoente máximo desse profissionalismo!

Desejo, assim, sugerir a todos os que habitualmente passam por este espaço que não deixem de visitar um dos meus blogs favoritos o TERTÚLIAS, pois encontrarão nele, como é habitual, um texto fantástico, neste caso, sobre uma verdadeira lenda do canto lírico (e do profissionalismo levado aos limites do impossível) que é Kathleen Ferrier



Há cerca de seis anos atrás a BBC, realizou um documentário homenagear essa verdadeira lenda do canto lírico e da vida britânica.

Um documentário interessante, recheado de depoimentos excelentes e baseado nas muitas cartas que a cantora foi escrevendo ao longo da sua vida!

Tinha contudo a infelicidade ter como voz que lia essas a cartas a da divertida e extraordinária comediante (Patricia Routledge), quando afinal a homenageada teve uma vida que foi tudo menos uma comédia!

Confesso-vos que esse facto fez com que eu me desconcentrasse completamente do documentário por não me conseguir distanciar do humor espantoso de “Keeping Up Appearances” que Routledge soube tão bem encarnar.



Vejo agora, no TERTÚLIAS, uma homenagem belíssima, comovente e condigna a Kathleen Ferrier.

E por isso, esqueça-se que existe esse documentário, pois neste trabalho encontra-se tudo, sobre esta extraordinária cantora, que viveu momentos de verdadeira excepção e que por isso mesmo é considerada como um verdadeiro símbolo do que de melhor existe no carácter britânico.

Como bem explicará o nosso anfitrião do TERTÚLIAS, Kathleen Ferrier foi um contralto extraordinário.




A sua voz, situada nesse registo normalmente pouco ductil, tinha contudo uma maleabilidade e um timbre que eram um verdadeiro vendaval de emoções.

As qualidades artísticas extraordinárias que pareciam elevar-se ainda mais, nos momentos mais difíceis da sua vida, tornaram-na uma referência incontornável, quer no mundo da Ópera, quer para o cidadão comum.

Os seus registos de canções tradicionais ficaram tão famosos, que um deles Blow the wind southerly se tornou “sagrado”, a ponto de ser ”intocável” para a maioria dos cantores britânicos.

Mas, como vos digo vão até ao TERTÚLIAS e irão ver um trabalho memorável.

Finalmente, deixo-vos como aperitivo, uma das árias que eu mais gosto pela Kathleen Ferrier . De Orfeu e Euridice de Gluck “ Che faro senza Euridice”, ”, que foi exactamente a sua última apresentação em público.



Levada directamente daquela récita para o Hospital, viveria apenas mais três semanas.

Poucos dias antes de falecer, uma da enfermeiras disse-lhe, meio a brincar, que ficaria muito feliz se ela cantasse esta ária e, para espanto de todos, ela cantou um pequeno trecho com a mesma força e sensibilidade que tinha normalmente em palco.

Era como se a sua voz esplendorosa estivesse separada do seu corpo, numa celebração à vida que a memória da sua arte eternamente representa.

terça-feira, maio 18, 2010

Heranças

Em Setembro de 2008 coloquei aqui um post sobre Piaf, tendo dito então que haveria ainda mais para dizer, quer sobre dela, quer também por causa dela.

Nessa altura, num dos comentários que me fizeram, o da sempre simpática Verdinha do “je vois la vie en vert”, fui alertado para um dueto, gravado no programa de televisão francês “DUETOS IMPOSSÍVEIS” onde se conjugavam as vozes de Piaf, com a da jovem, mas já consagrada Isabelle Boulay, em “Non Je Ne Regrette Rien”



Esta observação veio exactamente de encontro ao ângulo de abordagem, que desde essa altura tinha pensado para a minha segunda incursão sobre o tema Edith Piaf.

É que na verdade Edith Piaf elevou-se a um estatuto tal que, aquando do seu desaparecimento, ficou um vazio que todos lamentaram e que muitos tentaram (em vão) preencher.

Quem pegaria então na herança artística de Edith Piaf?

Bom, mas ao falarmos da "herança" de Piaf, é inevitável falar de um dos aspectos mais polémicos do final da sua vida, o do eventual apetite pela sua outra herança, a material.

Piaf, na juventude, tivera uma filha, Marcelle, que faleceu com meningite aos dois anos de idade. Isto significaria portanto que o seu segundo marido, aparecido numa altura em que já era óbvia a doença fatal de Piaf, se tornaria o herdeiro legítimo de todos seus bens.

Falo de Theo Sarapo, cujo verdadeiro nome era Theophanis Lamboukas





Theophanis Lamboukas



Um ano antes da sua morte Edith conhecera e casara com Theo, um jovem de origem grega, com menos 20 anos que ela. E o mínimo que se disse na altura é que se tratava de um casal “inesperado”.




Para a maioria do público, este casamento era visto sobretudo como um “golpe do baú” dado por um jovem a uma senhora famosa, com idade para ser sua mãe. Uma mulher doente e carente a quem a vida e a saúde tinham envelhecido acentuadamente.

Para os amigos da cantora a coisa ainda parecia mais séria, pois estavam perfeitamente convencidos que aquele casamento não tinha qualquer sentido.

E isto porque Theophanis Lamboukas, que era um talentoso cabeleireiro parisiense, era não só muito mais jovem que ela, mas também por ser conhecida a sua homossexualidade.

É que, apesar de ser um homem discreto quanto à sua vida intima, Lamboukas tivera, durante algum tempo, um envolvimento intimo com o secretário da própria Edith Piaf, Claude Figus, que era claramente um homossexual assumido. E isso era sabido pela própria Piaf e por todo o seu círculo de amigos!





Piaf entre Theo e Claude Figus

Este casamento surpreendente, realizado de acordo com o rito ortodoxo grego, atraiu todas as atenções e todas as dúvidas, até mesmo as da própria Edith que, segundo confidenciou mais tarde a sua amiga e colaboradora Danielle Bonel, na própria manhã do casamento se questionava sobre se deveria levar o casamento adiante, já que temia que todos se fossem rir dela, achá-la uma velha patética, ao casar com um rapaz, tão jovem e tão inesperadamente diferente!


Piaf com Danielle Bonel, sua governanta e amiga por mais de 20 anos


Bonel ter-lhe-á dito que deveria seguir o seu coração e para não se importar com o que os outros pensassem dela. Isso bastou-lhe!

O casamento realizou-se no meio de uma imensa curiosidade pública e, pouco depois, todos os que a rodeavam viriam a perceber que aquele casamento foi o melhor que poderia ter acontecido a Piaf naquela fase da sua vida.

Face às criticas que ouvia sobre o seu estranho casamento, Piaf ía dizendo com humor: “Estão-me sempre a criticar por eu aparecer tantas vezes despenteada, pois bem, caso-me agora com um cabeleireiro e não quero saber de mais nada”

Theophanis Lamboukas, a quem ela passou a chamar de Theo Sarapo (Sarapo em termos fonéticos corresponde à expressão grega “Eu amo-te”), não terá sido o amor romântico da sua vida, mas foi para ela um grande amigo, que a amou verdadeiramente e nele ela sentiu o pai, o irmão e o filho, que gostaria de ter tido!

Theo, foi de facto, tudo o que ela precisava em termos de afecto, carinho e conforto no penoso último ano da sua vida.

Claro que à semelhança do que fez com Ives Montand e Moustaky com quem viveu e com Aznavour que foi seu motorista, ela quis transformar Theo num artista!

Ela reconheceu nele vocação quer para cantor, quer para actor, até porque ele próprio na adolescência tentara iniciar uma carreira de cantor concorrendo a vários concursos musicais da época!

Assim, Piaf fez com que o jovem tivesse aulas de canto e de representação, o que lhe valeu alguns pequenos papéis no cinema.

Para além disso, daí em diante levou-o consigo para cantar em dueto, em quase todos os seus espectáculos em que actuou.

Um dos seus compositores e amigos Michel Emer fez de propósito para esse efeito uma canção que se tornou um enorme sucesso: “A quoi ça sert l’amour.”



Foi um casamento curto, Piaf faleceria em Outubro de 1963, precisamente no dia em que completava um ano de matrimónio com Theo, devido a complicações sérias do seu cancro de fígado!

A herança material que Theo Sarapo recebeu acabou por ser 7 milhões de francos de dívidas!

Dívidas devidas essencialmente a quebras de contrato, que por razões de saúde Edith não pôde cumprir, e derivadas da manutenção de cuidados que nunca deixaram de lhe ser prestados, por uma equipa de colaboradores que nunca quis dispensar.

Sarapo tentou manter a questão da herança de dívidas em segredo, propondo-se pagá-las até ao último cêntimo. Contudo o segredo não se manteve por muito tempo, já que apenas dois meses após a morte de Piaf, mais precisamente na véspera de Natal de 1963, o tribunal mandou despejar Theo Sarapo da casa de ambos.

É apenas nessa altura que a opinião pública começa a olhar para Sarapo de forma diferente, percebendo, através do luto sentido e prolongado que ele manteve e do modo digno como ele lidava com as dificuldades e até com a crueldade que lhe era imposta pela situação, que aquele rapaz não era afinal o oportunista que a imprensa e o público tinham imaginado.

Veio-se a saber depois, que ele próprio tinha uma fortuna pessoal considerável, dado a sua família possuir uma cadeia de salões de beleza, bastante lucrativa e que portanto nunca precisou do dinheiro de Piaf para nada!

Passado algum tempo Theo volta a gravar, com uma voz mais perfeita do que a que apresentara ao lado de Piaf, não tendo contudo conseguido ir mais longe na sua carreira já que, em Agosto de 1970, morre num aparatoso acidente de automóvel, em que é projectado para a berma de uma estrada à saída da pequena cidade de Panazol, onde agoniza, até ser levado ao hospital, sendo aí dado como falecido. Tinha 34 anos!

Theo está sepultado no Pére Lachaise partilhando o mesmo túmulo com Piaf e a sua pequena filha Marcelle!




Obviamente, que se em vida a questão da herança de Piaf foi alvo de muita controvérsia devido ao seu casamento com Theo, depois da sua morte, tornou-se incontornável falar-se da sua herança artística, ou seja, sobre quem poderia dar continuidade à chamada “chanson realiste”!

Com o desaparecimento de Piaf, muitos sentiram a necessidade de preencher esse vazio.

Os meios intelectuais desejavam que surgisse alguém com o mesmo carisma, a mesma expressividade dramática de Piaf.

Surgia então um nome de uma jovem muito talentosa, que tal como Piaf fora amiga de Jean Cocteau (o escritor morreu no mesmo dia em que Piaf faleceu, exactamente ao ter conhecimento da morte da artista).

No entanto, essa jovem conhecida artisticamente por Gribouille (o seu nome verdadeiro era Marie-France Gaîté) , pela sua própria personalidade detestava ser comparada com quem quer fosse e muito menos viver à sombra de um mito da canção francesa. Infelizmente, também não viveu muito! Em 1968, com apenas 26 anos partiu vítima de uma mistura fatal de medicamentos e álcool!



Havia também a opinião dos compositores que haviam escrito para Piaf.

Margueritte Monot havia falecido pouco tempo antes de Piaf e Charles Dumont, que inicialmente não gostava de Piaf, tivera em tempos uma canção guardada na gaveta que, a dada altura, decidiu entregar a uma jovem chamada Rosalie Dubois.

Essa canção chamava-se “Non Je Ne Regrette Rien”. Contudo, Rosalie teve um grave acidente de automóvel, pouco antes de poder gravar a canção, e os amigos de Dumont e Piaf acabaram por convencê-los a encontrar-se e a canção acabou por ser entregue a Piaf, tornando-se Dumont um dos seus autores de referência.

Retirada provisoriamente dos palcos Rosalie haveria de regressar, ter alguns sucessos, mas o certo é que ninguém acabou por ver nela a desejada sucessora de Piaf, nem mesmo o próprio Charles Dumont, que entretanto acabou por fazer outras escolhas.



Mas o que pensava o público, que era afinal quem mais sentia a falta de Piaf!

Estava-se numa época em que os concursos para jovens talentos já eram moda e neles inevitavelmente apareciam sempre candidatas a novas Piaf.

Houve duas que sobressaíram, quer num concurso promovido pela editora Barclay (estranhamente inspirado nas apostas das corridas de cavalos), quer sobretudo num famoso concurso televisivo de 1965, o Tele Dimanche!

Uma, vinda do sul de França, que conhecia o reportório de Piaf de trás para a frente. Tinha uma voz espantosa, mas ficou em segundo lugar no concurso. Chamava-se e chama-se Mireille Mathieu e o agente artístico Johnny Stark , que assistiu a esse concurso, percebeu que ela poderia ser mais do que um remake de Piaf, podia ser ela mesma e ter um grande sucesso!

Fê-la gravar um disco e apesar dos críticos a considerarem uma cantora provinciana, ela conseguiu logo nesse seu primeiro trabalho, vender mais de um milhão de cópias e tornar-se mesmo um sucesso internacional.

A canção principal desse disco chamava-se Mon Credo:



Entretanto, se Mireille ficou em segundo lugar, em primeiro ficou uma outra jovem, também especialista, desde criança, em cantar as canções de Piaf e que nas tardes de domingo deixava impressionados com a sua bela voz os membros da Associação de Amigos de Edith Piaf, entretanto criada para homenagear a sua memória.

Georgette Lemaire, cujo timbre parecia uma reencarnação de Piaf era o nome dessa jovem, para quem Charles Dumont veio depois a compor.

Georgette não viria a ter projecção internacional, mas tinha uma rivalidade imensa com Mireille Mathieu e um enorme sucesso em França que lhe valeria, mais tarde, ser objecto de homenagens e reconhecimentos especiais por parte do Estado Francês, pelas mãos de Jack Lang e de François Miterrand.



Entretanto, no final dos anos 60 aparece uma outra jovem chamada Betty Mars, cujas semelhanças vocais com Piaf eram ainda mais impressionantes.

Em 1972 ela e Georgette apresentaram-se no concurso nacional francês para a escolha da canção para a Eurovisão. Dessa vez foi Georgette que foi preterida em favor de Betty. A canção chamava-se Come Comedie (clicar AQUI para ver o vídeo).

Devido à semelhança extraordinária da sua voz com a de Edith Piaf, Betty Mars é escolhida como a voz da jovem Piaf, para interpretar as canções nunca gravadas pela “Môme” no filme “Piaf” de Guy Cazaril (1974), dobrando a voz da actriz Brigitte Ariel.

Betty Mars tinha aspirações legitimas, já que tinha uma voz excelente e era uma mulher lindíssima! Acabou por nunca ser aceite como ela própria, aparecendo aos olhos do público e da crítica como uma Piaf fora de tempo.

Enquanto foi novidade encheu salas em França e mesmo em Las Vegas, depois acabou por lhe restar cantar em pequenos bares. O facto de ter uma voz idêntica à de Piaf, acabou por ser a origem do seu sucesso e do seu declínio. Tendo entrado em depressão, acabou, com pouco mais de 40 anos por saltar do janela do seu apartamento para a morte.

Para além de todas as gravações que editou, que infelizmente não foram muitas, encontra-se no youtube, o som inédito de uma actuação ao vivo desta cantora, que me parece ser ilustrativa das suas qualidades e das suas parecenças com Piaf.



Mas, para além das possíveis sucessoras, afinal nunca encontradas, a vida e a carreira de Piaf deram origem a profissionais que se dedicam quase exclusivamente a explorar o seu repertório. Como é o caso da francesa Raquel Bitton e da canadiana Claudette Dion (a irmã mais velha de Céline), ambas fazendo sucesso no outro lado do Atlântico, apesar de possuirem um talento pouco mais do que mediano.

Em toda a parte do mundo há sempre alguém que canta o repertório de Piaf. Desde as mais prestigiadas artistas a perfeitas desconhecidas.

Piaf deu origem também a vários filmes e a espectáculos magníficos, sendo para mim o melhor de todos o criado pela extraordinária Bibi Ferreira, que não procura em nenhum momento ser uma imitadora ou uma herdeira de Piaf.

Bibi, aliás, é tão magnifica como Piaf… Basta conhecê-la… E, se após este post imenso, ainda restar alguém com vontade de passar por aqui, um dia destes Bibi será a figura a tratar por este espaço! É inevitável!

Entretanto, em Portugal também há e houve lugar para se tentar ser Piaf.

Perdoe-me a excelente Wanda Stuart que agora vai desempenhando esse papel, mas eu não gostaria de deixar de referir que a RTP ganhou um prémio internacional em 1993/1994 no Festival de Montreux, com um concerto de uma cantora portuguesa chamada Ariane, totalmente dedicado a Piaf.

Trata-se de uma cantora com mais de 30 anos de carreira e a quem não foram dadas todas as oportunidades que merecia.

Recentemente gravou um CD intitulado Libertad, onde apresenta dois temas de Piaf. Apesar de em vários momentos o sotaque a trair um pouco, tem uma voz que merece atenção:



FINALMENTE, julgo que faz sentido perguntar o pensaria Edith Piaf de tudo isto?

Ela também tinha as suas preferências musicais e talvez seja nessas preferências que se encontra a resposta óbvia para saber quem lhe sucedeu como simbolo da música francesa!

Sucedeu, não no lugar que Piaf deixou vazio para sempre, mas no prestigio e na qualidade que asseguraram a continuidade do interesse da canção francesa através do mundo!

Conta a sua amiga Danielle Bonel, que a acompanhou nas últimas semanas de vida, no seu retiro da Riviera, que Piaf já bastante doente, ouvia repetidamente os mesmos discos, todos eles do mesmo artista! Tinha-os todos, aliás! Emocionava-se a ouvi-lo e simultaneamente sentia-se mais confortada!

É com uma canção desse artista, que penso ter elevado a canção francesa ao mesmo patamar em que Piaf a deixou, que hoje termino! Chamava-se ele Jacques Romain Georges Brel!

sexta-feira, abril 30, 2010

Recordações




A foto acima mostra uma senhora de 70 anos que reside num modesto apartamento nos subúrbios de Londres, agarradinha ao seu peluche de estimação e certamente a muitas das suas recordações.

Vive de uma magra pensão e do auxílio de alguns dos poucos amigos que a vida lhe deixou.

A situação nada teria de especial, se não fosse dar-se o caso desta senhora ter sido nos anos 60 uma das cantoras mais famosas do Reino Unido, a mais bem paga de todas elas, sendo, para além do mais, considerada ainda uma das mulheres mais belas daquela década.

Lembro-me dela e da impressão que a sua beleza me causou quando a vi pela primeira vez na televisão em 1965!



Descoberta na sua pequena cidade natal de Ilford, aos 16 de idade pelo maestro americano radicado em Londres, Bert Ambrose, que 20 anos antes já havia descoberto Vera Lynn, a jovem Kathy teve em Ambrose, desde essa altura, um mentor e um tutor. E foi ele, 40 anos mais velho que ela que, a partir desse momento, dirigiu a sua carreira e até mesmo a sua vida!

Kathy Kirby tinha de facto uma voz e uma presença notáveis, sendo reconhecida por todas as suas colegas da altura, Sandie Shaw, Lulu, Cila Black e Dusty Springfield, como a melhor de todas.



Bert Ambrose não só lhe escolhia o repertório, como o penteado e as roupas. Embora Kathy fosse extraordinariamente talentosa, é de reconhecer que foi Ambrose que construiu de forma muito inteligente o seu sucesso!

Nalguns aspectos foi mesmo extraordinariamente bem sucedido. Por exemplo ao moldar a figura da jovem cantora à figura de mulher que mais admirava: Marylin Monroe!

E de facto não era difícil fazê-lo, as parecenças eram notáveis, excepto no facto de Kathy ter uma capacidade vocal que Marylin não possuia!




No entanto, se a voz de Kathy era excepcional o já sexagenário, Ambrose tinha alguma dificuldade em reconhecer a valia das novas tendências musicais que despontavam, encaminhando por isso o repertório de Kathy para um tipo de música, que ele próprio tocava com a sua orquestra e que era em grande parte constituída pelos standards americanos de Rodgers, Hammerstein, Berlin, Gershwin e Arlen entre outros! Mesmo assim Kathy haveria de ficar conhecida pela “Golden Girl” da POP!




Começando por relacionar-se com ela como um pai trata uma filha, protegendo-a e encaminhando-a, Ambrose depressa se tornou num apaixonado ciumento que lhe limitava as saídas de casa, não a deixando sequer ficar na posse de qualquer quantia em dinheiro.

Com cachets semanais de mais de 40.000 libras, Kathy Kirby e Bert Ambrose estavam instalados num luxuoso apartamento de Mayfair, a zona mais exclusiva de Londres, decorado com o maior requinte, ficando Kathy rodeada de empregados que lhe satisfaziam todos os pedidos, pelo que ela não precisava de se preocupar com dinheiro.



E ela, de facto, não se preocupava, tinha obtido tudo o que desejava, fazia o que mais gostava na vida, que era cantar, e confiava cegamente em Ambrose o que viria depois a revelar-se como a sua maior desgraça!



Ambrose era infelizmente viciado em jogo, tendo nesse vício desbaratado os milhões e milhões de libras que Kathy ganhou, esgotando não só toda a sua fortuna, mas também contraíndo dívidas enormes, como seu procurador.

Ambrose, ao morrer repentinamente em 1971, deixou Kathy desorientada profissionalmente e perante uma realidade terrível e desconhecida, ao dar-se conta pela primeira vez de que estava na miséria.

Este caso, tornou-se de imediato, num foco de atenção para os “média” britânicos, já nessa altura ávidos de escândalos!

As televisões chegaram ao ponto de entrar no seu apartamento, enquanto os funcionários do tribunal retiravam os móveis de casa de Kathy e filmá-la sentada no chão da sua casa vazia, chorando voltada para a parede!

Sem ter dinheiro, nem para onde ir, submersa em sentimentos de desgosto e vergonha profundos, tentou instalar-se anonimamente num pequeno hotel. Contudo, a gerência, ao fim de dois dias, dado que era pública a situação financeira de Kathy, pediu-lhe uma caução monetária para assegurar a sua permanência. Desprovida de meios, Kathy foi levada pela polícia e presente a um juiz, que perante o seu evidente estado de descontrolo emocional a mandou internar num hospital psiquiátrico!



A jovem cantora que pouco tempo antes tinha sido a principal convidada da Rainha na Royal Variety Performance , não soube mais do que se isolar de tudo e de todos com pânico pela humilhação pública que a situação lhe provocava, de tal forma que acabou mesmo por ser mais uma sem-abrigo nas ruas de Londres, sendo vista várias noites a dormir encolhida sob o abrigo da porta de uma loja dos arredores da cidade!

Nos meses que se seguiram, Kathy já com o apoio de dois ou três amigos, conseguiu descansar fora das luzes dos holofotes mediáticos, por forma a poder recompor-se e seguir a sua vida!

No entanto, quando novas propostas lhe foram feitas para prosseguir a sua carreira, verificou-se então que não estava em condições de continuar.

A utilização de medicamentos para a depressão e o seu uso pouco controlado não lhe davam a lucidez e a capacidade necessárias para seguir a disciplina dos ensaios, tanto para gravações, como para a apresentação em espectáculos.

Anos mais tarde, a meio da década de 70, ainda não totalmente recomposta, voltaria a actuar, embora esporadicamente em pequenos bares e num obscuro programa televisivo, onde demonstrou manter a sua excelente voz, havendo registo de actuações notáveis com canções que nunca viria a gravar, como My way, Maybe this time ou New York, New York.

Contudo, os tempos eram outros, ela já não era mais a jovem Marylin britânica e o que lhe era pedido era sobretudo a aparição gratuita em galas de beneficência.

Retirou-se definitivamente em 1983 e refugiou-se no seu pequeno apartamento em Kensington de onde raramente sai.

Entretanto, a sua presença na música e a sua vida dramática não foram esquecidos por muitos que a admiraram nos anos 60. Em 2006 foi editado um livro sobre a sua vida e foi recentemente publicado um DVD onde ela dá uma pequena entrevista e são apresentados depoimentos de vários colegas como Marc Almond e Sandie Shaw!

Igualmente encontra-se em preparação um Musical sobre a sua história, que se prevê estrear brevemente no West End, com o nome de “Secret Love”, exactamente o nome da canção que foi o seu primeiro grande sucesso!



Questionada sobre se contava com o apoio da sua família, ligada actualmente a poderosos proprietários da comunicação social e a figuras importantes do Partido Conservador, Kathy confidenciou que de vez em quando recebia um telefonema e presentes simpáticos e que, pela época do Natal, lhe enviavam postais que, contudo, nunca traziam o endereço do remetente!

Lamenta o afastamento da família, que nunca mais a quis ver e, sobretudo, o facto de nem sequer lhe terem comunicado o falecimento da sua mãe… não fosse ela querer aparecer no funeral!

Escrevo hoje sobre Kathy Kirby porque foi uma cantora que nunca esqueci e cuja sorte me causou uma impressão muito profunda!

Tinha de facto uma presença em palco excepcional, e recordo que no Festival da Eurovisão de 1965 era dada como favorita, como vencedora antecipada…. No entanto acabou por ficar em segundo lugar, para grande pena minha, que nunca achei grande graça à canção vencedora Poupée de Cire Poupée de Son da France Gall!

Nesse ano Kathy fora escolhida pela BBC para ser a interprete única de um concurso de canções chamado “A Song for Europe”. Canções que foram submetidas a votação popular para a escolha da canção que o Reino Unido levaria ao Festival Eurovisivo .

O disco que saíu nessa altura rodou centenas de vezes no meu velho gira-discos!



Kathy que, curiosamente para mim, não foi muito divulgada em Portugal era indubitavelmente uma referência importante na época para a música ligeira e, talvez por isso mesmo, as duas cantoras portuguesas que nos anos 60 rivalizavam na atenção do público português, Madalena e Simone, não quiseram deixar de gravar versões das suas canções. Curiosamente ambas do concurso “A Song For Europe”.

Veremos assim a versão original de I Belong, canção que Kathy levou à Eurovisão seguida da respectiva versão portuguesa por Madalena Iglésias.





Nos dois vídeos seguintes teremos depois a versão original da canção My only love apresentada igualmente no concurso britânico, seguida da respectiva versão portuguesa por Simone de Oliveira.






Na entrevista que consta do DVD que agora saíu Kathy parece conformada com a vida e confortada sobretudo com as boas memórias que possui. As más já há muito que a deixaram de a atormentar... Ainda bem!