terça-feira, dezembro 23, 2008

FELIZ NATAL


Adoração do Menino de Josefa de Obidos


Se eu alguma vez tivesse tido dúvidas, teria ficado, nesta minha incursão pela blogosfera, com a certeza de que vivemos num mundo onde se encontram ainda muitas pessoas generosas, amigas e com muita qualidade.

A todos os que com os seus blogs me têm tornado mais rico e mais conhecedor da vida e do mundo, a minha gratidão!

A todas as amigas e amigos que por aqui têm passado ao longo deste ano e têm tido a paciência de espreitar para os meus pequenos textos os meus sinceros agradecimentos.

A todos os que, não só me visitam, mas também têm tido a amabilidade de deixar os seus comentários e, mais importante que tudo, palavras amigas, eu deixo o meu mais sentido reconhecimento.

A todos sem excepção, os meus sinceros votos de Boas Festas.

Com os meus desejos de que passem com os vossos entes mais queridos um Santo e Feliz Natal, deixo-vos com uma canção tradicional desta época cuja autoria é atribuída ao nosso Rei músico D. João IV.

Essa canção é aqui interpretada pelos Pequenos Cantores de Bratislava, tendo como convidado o tenor Miroslav Dvorsky.



segunda-feira, novembro 24, 2008

Uma pausa necessária com uma canção inevitável


O tempo voa. Passaram dois meses desde o meu último post. 60 dias em que a vida e mundo nos reservaram muitas surpresas.

Enquanto em meados de Setembro, fazia umas magnificas férias em Budapeste, aqui em Lisboa, um familiar muito chegado via o seu estado de saúde deteriorar-se de forma quase galopante e praticamente irreversível!

De então para cá a minha vida alterou-se profundamente e a falta de momentos disponíveis e o meu próprio estado de espírito não me têm permitido vir até este espaço.

Confesso, no entanto, que tenho sentido saudades da blogosfera!

Saudades de escrever e também de visitar os blogs magníficos onde bebia diariamente textos e imagens que tanto me enriqueciam.

Pela amizade e generosidade, com que os meus pequenos textos foram sempre olhados pelos companheiros do mundo bloguistico, venho hoje deixar aqui um abraço a todos os que têm passado por este espaço e uma simples e curta mensagem:

A de que não desisti deste espaço e de que tenciono regressar a este meio, logo que a paz de espírito regresse e que volte o tempo disponível.

Mas porque os velhos hábitos não se esquecem facilmente, aproveito também para falar brevemente de uma música e de alguns dos seus intérpretes.

Uma música especial, que nesta altura da minha vida tenho recordado com bastante frequência e nostalgia, pois transporta-me a memórias muito queridas, tendo ainda por cima, por ela própria, um sentido muito particular!



Em 1945, Rodgers e Hammerstein estrearam o musical Caroussel, e como a vida pode ser surpreendente, uma simples canção desta peça, viria a tornar-se inesperadamente um hino popular, cantado tanto fervorosamente em Igrejas, como respeitosamente em cerimónias cívicas, como ainda entusiástica e freneticamente pelas multidões em estádios de futebol.

Na verdade You’ll never walk alone, que é como se chama esta canção, é um verdadeiro hino de solidariedade, para todos os que passam por momentos difíceis e precisam vencê-los.

You’ll never walk alone, tornou-se parte integrante das liturgias de muitas das igrejas cristãs, mas também no hino do Liverpool, do Celtic, do Borussia de Dortmund e de muitos outros clubes da Europa, dos Estados Unidos e até da Coreia e do Japão.









Esta canção acabou por se tornar, à escala mundial, num hino de incentivo e de esperança, que eu recordo como arrepiante em duas ocasiões diversas, quando o escutei pela televisão, uma primeira vez num coro de milhares de vozes que receberam João Paulo II na Escócia em 1982, e depois na cerimónia de homenagem póstuma às vitimas do 11 de Setembro, pela voz de Barbra Streisand, poucos dias depois do atentado de 2001!


O seu texto é simples, muito claro e muito belo:

When you walk through a storm hold your head up high,
And don't be afraid of the dark.
At the end of a storm is a golden sky
And the sweet silver song of a lark.

Walk on through the wind,
Walk on through the rain,
Tho' your dreams be tossed and blown.

Walk on, walk on with hope in your heart
And you'll never walk alone,
You'll never, ever walk alone


Por isso, mais do que escolher uma música, como é habitual neste espaço, a verdade é que esta canção se me impôs, pensando necessariamente em alguém que me está próximo e que está tão precisada de esperança, como de apoio.

Cantada por imensos cantores, desde 1945 até aos dias de hoje, de Plácido Domingo a René Fleming, de Sinatra a Alicia Keys, ouvi-a dezenas de vezes na voz de Mário Lanza, um dos cantores preferidos da minha mãe, num disco bem velhinho, que penso ter sido comprado pelos meus pais no final da década de 50, aquando do desaparecimento deste jovem cantor.






Contudo a primeira versão que conheci desta canção foi a da cantora Jane Froman que o meu pai me deu a conhecer, também numa gravação bem antiga.

Jane Froman, uma popular cantora da Broadway, tivera uma ligação muito especial a Portugal, ao ter sido uma das poucas sobreviventes de um trágico acidente de aviação ocorrido no Tejo no ano de 1943.

Um dos tripulantes do hidroavião apesar de muito ferido, conseguiu salvar a cantora, que se encontrava inconsciente, de morrer afogada, permitindo que apesar dos graves traumatismos que sofreu, ela sobrevivesse.



Para rematar este acto heróico, os dois vieram a apaixonar-se no hospital onde ficaram internados vindo pouco tempo depois a casar-se, retomando Froman a sua actividade de entertainer dos soldados americanos, mesmo de muletas e cadeira de rodas, o que a obrigou posteriormente a mais de 38 operações às pernas até conseguir recuperar.

Estes factos romanescos em plena 2ª Guerra Mundial tocaram na altura profundamente os corações dos portugueses e tornaram-se numa das primeiras histórias sobre o mundo artístico, que os meus pais e os meus avós me contaram na minha infância.

Deu também esta história origem a um filme de Hollywood que fez um enorme sucesso na época: With a song in my heart e que valeu a Susan Hayward uma nomeação para os Óscars desse ano!

Por todas as razões, que se prendem com afectos e gostos ligados aos melhores momentos da minha infância e juventude, esta é uma canção muito especial para mim!


Contudo hoje, não escolhi nem Lanza nem Froman para trazer aqui esta canção.


Trago uma voz que sempre me fascinou e que incompreensivelmente passou despercebida em Portugal, apesar de noutros países europeus ter alcançado grande popularidade, à semelhança do que acontecia nos Estados Unidos.


Falo da cantora norte-americana Timi Yuro, e a explicação mais plausível que encontro para pouco ter sido ouvida no nosso país, é talvez a de que ela apenas possuía qualidade vocal, sem ter propriamente os atributos de escândalo ou de sensualidade que lhe dariam decerto maior notoriedade entre nós.


Timi Yuro,foi uma cantora fantástica que infelizmente perdeu a voz prematura e dramaticamente em 1984, com pouco mais de 40 anos, devido a um cancro na garganta.

Timi que viria a padecer para o resto da vida das sequelas desta doença, veio a falecer em 2004 aos 63 anos e é considerada por muitos críticos como uma das melhores vozes brancas de sempre de R&B, tendo sido referida como a cantora preferida de muitos dos seus colegas!

Elvis e Morrissey, explicitamente assim a consideraram e até mesmo Sinatra, durante muitos anos não prescindia da sua presença, como primeira parte dos seus espectáculos.

É com o hino de esperança que é You’ll never walk alone, que tantas memórias me traz nestes dias difíceis, e com a preciosa voz de Timi Yuro que vos deixo por hoje, acrescentando apenas, com amizade, um simples “até breve”!


domingo, setembro 21, 2008

Porque Feltin rima com Dahan

Quem se lembrará de Maurice Feltin, hoje em dia?

Alguns decerto! Maurice Feltin foi, nas décadas de 50 e 60, Bispo de várias dioceses francesas, Arcebispo de Bordéus e de Paris e Presidente da Conferência Episcopal Francesa


Arcebispo de Paris Maurice Feltin

Este prelado começou por ter notoriedade pública ao ter organizado na década de 50 uma revisitação dos Autos de Fé à porta da Catedral de Dijon.

Fê-lo para proceder à queima de um Pai Natal gigante de quase 4 metros de altura, como meio de chamar a atenção para a crescente paganização do Natal.

O que conseguiu principalmente foram sorrisos, foi ver o seu nome nos jornais ao fazer recordar o passado inquisitorial da Igreja Católica e foi, de imediato, obrigar os bombeiros a apagar uma enorme fogueira.

Embora quisesse ser original na forma de colocar as suas razões, não teve nem uma ideia feliz, nem dela resultou algo de positivo!

Mas o acto que o tornou mais falado, foi a decisão de proibir, na qualidade de Arcebispo de Paris, e portanto em nome da Igreja Católica, a realização de uma missa fúnebre aquando do falecimento de Edith Piaf, alegando que o estilo de vida da cantora não era compatível com a celebração desse acto religioso.

Maurice Feltin chegou a Cardeal!


Claro que a decisão da Hierarquia da Igreja francesa, tomada logo após a morte de Piaf, a 10 de Outubro de 1963, não conseguiu influenciar os admiradores da cantora, nem mesmo os mais católicos, que passaram aos milhares, durante 3 dias, frente ao nº 67 do Boulevard Lannes, onde Edith residia, em Paris, cobrindo com flores os passeios da Avenida.

A comoção popular foi tal, que fez com que o seu funeral, a 14 de Outubro de 1963, se tornasse na maior manifestação pública a que Paris assistiu, só comparável à ocorrida aquando do final da 2ª Guerra Mundial.

Segundo recorda Charles Aznavour, o trânsito, em toda a cidade de Paris parou, literalmente, nesse dia 14 de Outubro de 1963!

Os comerciantes colocaram cartazes com faixas negras nas suas montras e centenas de milhares de pessoas encheram as ruas ao longo de todo o percurso do féretro.

Impedidas de lhe prestar a sua última homenagem num Templo, como estavam à espera, uma multidão de cerca de 40 mil pessoas forçou a entrada e invadiu o cemitério Pére Lachaise para passar junto à campa e tocar no caixão de Edith.

Foi um momento de enorme emoção colectiva, mas também de completa anarquia, que as autoridades foram incapazes de controlar.




Na verdade, ficaram a subsistir dúvidas quanto às razões do Arcebispo de Paris. Possivelmente elas tiveram que ver apenas com a sua visão muito pessoal do papel da Igreja na sociedade!

Um pouco mais de um ano antes, em 25 de Setembro de 1962, um acontecimento cinematográfico ocorrido na capital francesa, tivera honras diplomáticas sem precedentes.

O filme “O Dia Mais Longo”, um dos mais interessantes trabalhos cinematográficos sobre o final da Segunda Guerra Mundial, teve a sua estreia mundial em Paris.

Nessa altura a França de De Gaulle, aproveitou a ocasião para fazer esquecer o desastre ocorrido na Argélia, cuja independência era proclamada exactamente nesse mesmo dia pela Assembleia Nacional argelina.

Para isso, preparou um cerimonial especial, que teve honras de Chefes de Estado e de Governo de quase todos os países aliados.

Deu-se assim, a propósito da estreia daquele filme, uma verdadeira cimeira internacional, repleta de todo o tipo de celebridades, que teve o seu ponto mais alto, precisamente no cimo da Torre Eiffel, onde foi colocado um palco e onde, perante um grupo das mais conhecidas figuras mundiais, Edith Piaf, terá tido, talvez, a apresentação mais extraordinária da sua vida!

Piaf cantou o tema do filme (que nunca viria a gravar, sendo depois Dalida a registá-lo em disco), cantou ainda algumas das canções mais emblemáticas da sua carreira e por fim o Hino Nacional Francês, a Marselhesa!




A França consagrava assim definitivamente Edith Piaf, aos olhos de todo o mundo, como símbolo de uma Nação e de uma Era!

Contudo, essa pequena mulher, de pouco mais de um metro e quarenta, sentida como património nacional pelo povo e pelo Estado Francês, não se eximiu, dias depois da sua consagração na Torre Eiffel, a 9 de Outubro, de casar com o jovem grego Theophanis Lamboukas, 20 anos mais novo que ela, segundo o rito ortodoxo grego, religião do noivo…

As opções da cantora, anteriormente divorciada, não terão sido, obviamente, do agrado da Igreja Católica!

E o facto é que a explicação oficial do Arcebispo Maurice Feltin, para a proibição da missa, não refere a existência de qualquer questão religiosa, que o casamento poderia ter originado, mencionando apenas o estilo vida de Piaf como inapropriado.

Esta posição eclesiástica, mesmo face aos padrões da época, foi considerada incompreensível, para além de que, perante a circunstância da morte, constituiu um ataque desnecessário e grosseiro à memória de uma figura muito querida do público.

E mais uma vez, apesar da notoriedade que conseguiu com isto nos jornais, Feltin obteve apenas os resultados opostos aos que eventualmente desejaria!

Entretanto, a explicação não oficial que circulava nas ruas, tinha que ver com o romance público que Piaf mantivera muitos anos antes, com o pugilista Marcel Cerdan, que era casado e pai de três filhos e que morrera num acidente aéreo nos Açores, quando ía a caminho de Nova York, exactamente para se encontrar com Piaf.


Edith Piaf e Marcel Cerdan


Curiosamente, até a própria família de Cerdan, cujo casamento já estava abalado mesmo antes de Piaf aparecer, acabou por compreender a situação, ao aceitar o apoio financeiro que Piaf lhes disponibilizou na altura do acidente!

Finalmente, Edith acabou por ter no Pére Lachaise acompanhamento religioso, feito por um sacerdote da Igreja Ortodoxa Grega!




Edith Piaf é pois a figura que eu gostaria de abordar neste post.

E sinceramente, não tinha pensado falar no episódio Feltin, não fora algo que inesperadamente me fez recordar esse momento de humilhação póstuma da cantora.

Tendo já alinhavado mentalmente o que pretendia escrever aqui sobre Piaf, resolvi que seria oportuno ver finalmente o filme realizado por Olivier Dahan “ La Vie en Rose”, que valeu este ano à actriz Marion Cottilard o Óscar para melhor actriz.


Pretendia, vendo o filme “La Môme- La vie en rose”, limar do meu post tudo o que se parecesse com um mero eco do conteúdo da fita.

Sendo um filme recente e tão visto, seria absurdo pôr-me repetir o que lá se encontrava!

No entanto, ao ver as imagens desta película, ao mesmo tempo que ia ficando preso àquela voz magnífica, ia ficando também constrangido com a imagem que estava a ser passada da cantora.

Percebe-se claramente que Olivier Dahan leu e pesquisou muito sobre toda a vida da Môme e fez as suas opções, sobre o que colocar no filme.

Opções que para mim só são explicáveis à luz do interesse comercial, de forma a tornar o filme um produto facilmente apetecido pelas grandes massas, um filme que desse portanto o devido retorno aos investidores.

Contudo essas opções de Dahan, no meu entender, desfocam a imagem de Edith e não constituem, como aliás o realizador reconhece, uma verdadeira biografia da artista!




Mulher com origens no bas-fond parisiense, habituada desde sempre a beber e a ter uma vida livre, amando quem queria e quando queria, Edith foi um ser humano muito para além da imagem que o filme acaba por transmitir!

Quem se lembra de Edith ainda viva, quem conhece os testemunhos dos que com ela privaram, quem viu os filmes caseiros da sua intimidade, nomeadamente os feitos pelo casal Bonel, não pode deixar de se entristecer com ideia de que, para as gerações mais jovens, a imagem que fica de Edith através deste filme, corresponde à de uma mulher com um talento extraordinário, mas cuja vida foi apenas um mar de desgraças, minada pelo álcool e pelas drogas, que a envelheceram precocemente e que a tornaram amarga, caprichosa e rude.

Uma imagem de Piaf, que este filme nos dá, talvez tivesse agradado a Maurice Feltin, mas é tristemente incompleta!

Há um outro lado do ser humano Edith, que teria sido bom que fosse também colocado no filme, e decerto com esse equilíbrio o resultado seria mais justo para com a sua memória!




O responsável pela distribuição do filme nos Estados Unidos, afirmou que não precisou sequer de 5 minutos, para perceber que o filme tinha todos os condimentos necessários a ser um sucesso.
Alguém que vence, começando na lama, sendo a sua vida um coctail de droga, álcool e sexo, amores proibidos e doenças fatais!

Marion Cottilard que interpretou o papel de Piaf, disse que o que lhe fora pedido, não fora uma imitação de Edith, mas sim a acentuação de alguns traços do seu carácter.

Cottilard crê que ficou nos limites da caricatura.

Eu, sinceramente, não negando o seu imenso talento, creio que em muitos momentos ultrapassou esses limites.

Fosse como fosse, o produto final foi um sucesso estrondoso e eu acabo ficar num pequeno grupo daqueles que consideram, que mais uma vez, a memória de Edith Piaf não foi respeitada, e que o lado mais triste da sua existência serve agora para encher os cofres de algumas produtoras e distribuidoras.


Olivier Dahan e Marion Cottilard


Um amigo, que havia visto o filme, referiu-me que a ideia com que ficou foi a de que Edith tinha um fantástico dom natural, mas que se limitou a usá-lo, no meio de uma vida dramática, desregrada e de algum modo auto-destrutiva.

Resumindo, para além da sua voz, pouco mais teria oferecido ao Mundo!

Não sei se muitos que viram o filme, principalmente os mais jovens também partilharão da opinião desse meu amigo! Temo bem que sim!

Por isso, sem querer ser pretensioso, quero dizer hoje algo mais sobre Piaf, que Olivier Dahan também poderia ter dito, para que uma imagem mais equilibrada desta extraordinária cantora fosse transmitida.

Piaf e Jean Cocteau


Dahan omitiu completamente importantes partes da vida de Edith, nomeadamente a sua faceta de autora de mais de 100 canções, entres as quais a célebre La Vie En Rose, a sua faceta de actriz de teatro sempre bem sucedida e as suas interpretações no cinema.

Omitindo isso, omitiu também a sua grande amizade com Jean Cocteau, que escreveu para ela a peça Le Bel Indefferent, e sua relação próxima com os círculos mais criativos da intelectualidade parisiense dos anos 50.



Cocteau também bastante doente, com um edema pulmonar, acabou por morrer com uma sincope poucas horas depois de Edith, logo depois saber da morte da amiga, dizendo: “Ah, se ela partiu, então também já posso ir também!”



Dahan omitiu igualmente o papel de Piaf no apoio a um elevado número de judeus, durante a ocupação alemã! Michel Emer, seu músico e compositor de muitas canções entre as quais L’Accordeoniste, foi um dos que Piaf conseguiu levar para a zona de França não ocupada e manter lá até ao final da Guerra



Omitindo isso, omitiu o controverso bom relacionamento que Edith tinha com as chefias militares alemãs, o que depois se veio a verificar que lhe dava a cobertura necessária para poder ter na sua orquestra os músicos que quisesse, ainda que fossem judeus. A dada altura a orquestra ficou apenas composta por judeus que, sem a sua protecção, teriam sido deportados para os campos de concentração.

Omitiu ainda, a sua colaboração com a Resistência, que facilitou a fuga de vários prisioneiros de guerra dos campos alemães.

O papel de Edith era bastante simples: Ela, tal como outros cantores ía actuar a esses campos, por imposição dos ocupantes nazis. Guardas e prisioneiros assistiam!
Claro que os prisioneiros franceses eram os que sentiam mais a presença da cantora, então ela pedia para ser fotografada ao lado de alguns dos cativos, mas um a um, conforme o previamente combinado com a Resistência.

Uma cópia da foto era depois enviada para o detido, como recordação do momento e outra era cortada e usada a parte do rosto do prisioneiro para forjar documentos de identificação falsos, a ser usados após a fuga.

Piaf com Charles Dumont

No filme La Vie en Rose, Dahan descreve, carregando no dramatismo da situação física de Piaf, o seu encontro com Charles Dumont. Na verdade, Piaf estava adoentada, recebeu-o em roupão e com muito pouca vontade.

Dahan omitiu no entanto, as razões da pouca vontade de Edith!
Charles Dumont vinha afirmando há anos e publicamente que não gostava de Edith e que nunca lhe entregaria uma canção.

Contudo, todos os amigos de Dumont diziam que a melhor voz para as canções que ele compunha era a de Edith, e quando ele escreveu Non, Je ne regrette rien, todos perceberam que só Edith lhe poderia dar a interpretação necessária.
Talvez por isso, Dumont manteve esta canção na gaveta cerca de 3 anos!

A custo, amigos comuns convenceram os dois a marcar um encontro de trabalho, e apesar das circunstâncias da reunião na qual nenhum deles tinha à partida especial interesse, Edith ouviu a canção e ficou absolutamente extasiada, pelo seu lado Dumont percebeu finalmente que Edith era a "sua" voz!

"Non Je ne regrette rien" tornou-se assim a canção de abertura do seu próximo espectáculo no Olympia!



Também aqui Dahan omite as razões pelas quais esse espectáculo se realizou, mostrando apenas que, em alguns momentos, ela pensou em desistir do compromisso que tinha com Coquatrix!

Com efeito, estando Edith já a sentir os efeitos do seu problema oncológico, em 1960 Bruno Coquatrix, empresário da prestigiada sala Olympia, lançou um apelo a Piaf: o Olympia estava falido, as dívidas eram enormes e não havia dinheiro para pagar ao pessoal.

A única hipótese que havia de salvar aquela sala e proteger os seus trabalhadores, seria uma série de espectáculos que fossem garantidamente dinheiro em caixa. E para isso Coquatrix só tinha uma solução segura: recorrer a Piaf!

Piaf, amiga de Coquatrix, e sentimentalmente ligada à sala e a todos os que lá trabalhavam, aceitou o desafio, contra todos os conselhos médicos!
Piaf e Coquatrix

Em alguns momentos a sua saúde fê-la hesitar, mas levou o compromisso até ao fim e deu cem espectáculos em 12 semanas, nalguns dos dias mais do que um espectáculo!

Os cofres do Olympia encheram-se de novo e a sala foi salva do encerramento! Para Edith no entanto, o excesso de trabalho ía-a aproximando do fim!

A verdade, no entanto é que o êxito foi extraordinário. Aquando da primeira apresentação de "Non Je Regrette Rien" no seu primeiro espectáculo, o público aplaudiu-a de pé durante 6 minutos. A notícia de uma nova canção de Piaf espalhou-se e, em cada sessão, a reacção do público repetia-se!

Para Charles Dumont, que já escrevera dezenas de canções para outros artistas, veio finalmente a consagração e a amizade e a colaboração entre os dois não cessaria até à morte da artista.

Num pequeno aparte, refiro que Edith Piaf dedicou a gravação de "Non Je ne Regrette Rien" à Legião Estrangeira, então envolvida nos combates da Guerra da Argélia.

Quando um batalhão desta força expedicionária, se viu encurralado e teve que se render, os militares à medida que saiam do aquartelamento íam cantando em uníssono esta canção, num coro impressionante e emotivo que ficou para história desse conflito!

"Non Je Ne Regrette Rien" tornou-se uma canção de honra da própria Legião, passando a ser cantada a partir de então em todas as paradas militares deste Corpo Militar.


Semana das Barricadas em Argel
Para surpresa de todos, Edith mesmo bastante doente e fraca parecia, no palco, ganhar nova vida, e para além dos espectáculos do Olympia iniciou uma maratona de concertos que ficaria conhecida pela Tournée suicida!

Mas quais eram as doenças de Edith?

Piaf, excepto nos últimos cinco anos de vida em que não tocou em álcool, sempre bebera e às vezes bastante! Aproveitando esse facto real, a película de Dahan não dá ao espectador muitas mais pistas, para além dos excessos de bebida e de drogas, para explicar a decadência física da artista.
A realidade, contudo, era bem mais complexa!

Antes de completar 30 anos, Edith já padecia de problemas de origem reumática. Foram-lhe diagnosticados poliartrite e um reumatismo deformante que lhe atacava braços e mãos, pernas e pés e também o rosto!

Para o seu tratamento, que se iniciou na década de 40, foi-lhe ministrado um novo medicamento, a cortisona, cujos efeitos secundários, não tinham sido até ao momento suficientemente avaliados, principalmente para quem os tomava em doses excessivas, como foi o seu caso.

Problemas gástricos, perda de massa muscular, deterioração do sistema imunitário, osteoporose, inchaços do rosto e do abdómen, entre outros foram os resultados da medicação, enquanto, apesar de tudo, a doença não deixava de progredir.

Aliado a este quadro, três violentos acidentes de automóvel, o primeiro com Charles Aznavour que foi seu motorista e secretário, e o último com George Moustaky com quem viveu algum tempo, provocaram-lhe fracturas diversas, cuja convalescença nunca conseguia completar, devido aos seus compromissos profissionais.

As dores permanentes que sentia levaram-na ao uso continuado da droga que era usada nos hospitais para combater o sofrimento: a morfina!

Dahan aborda de passagem estas questões, mas elas aparecem descontextualizadas!

Vê-se que Piaf recorre às injecções de morfina com muita frequência, mas sem a explicação da origem fica, quanto a mim, criado um equívoco, relativamente à verdadeira natureza da sua dependência face àquela droga!

Dahan, tem no filme um objectivo claro: dramatizar ao máximo o espectáculo da degradação fisica da cantora, para suscitar a emoção do público e, quanto a mim, claramente exagera.

Na cena em que Edith aparece nos bastidores, antes do início do primeiro espectáculo do Olympia de 1960, Dahan dá-nos uma Piaf de tal forma frágil, que só amparada por duas pessoas consegue manter-se de pé.

Sabe-se que Edith estava já doente, contudo nas imagens reais do espectáculo que se encontram a seguir, com a canção La Foule pode-se avaliar, o quanto de rigoroso ou de caricatural, é a encenação de Dahan.



Penso que por hoje já me alonguei em demasia, para um só post, mas a culpa é de Dahan, cuja visão de Piaf, por muito desnorteada, desregrada e desgraçada que fosse a sua vida, me levou a não reconhecê-la no seu filme e, por isso mesmo me obrigou a escrever muito mais do que pretendia inicialmente.

Se houve alguém com a resistência suficiente para chegar até aqui, direi ainda que penso, no próximo post falar, sobre mais alguns aspectos da vida e da carreira de PIAF, tema que muito me agrada e que é quase inesgotável!

Só não sei se o conseguirei fazer ainda esta semana!
Se não o conseguir despeço-me até meio de Outubro!
A partir do final desta semana, Budapeste espera-me e, não querendo abusar da boa vontade dos meus amigos, se alguém tiver algumas dicas sobre restaurantes ou algo de interessante fora dos habituais roteiros turísticos agradeço imenso.


Até lá deixo em paz Piaf, cujo maior vício, para além de cantar, era fazer tricot, deixando aqui uma das suas canções de que mais gosto, criada em 1962, já no final da sua carreira´

Chama-se "Emporte-moi" e vêmo-la, no vídeo abaixo, numa interpretação ao vivo na televisão francesa a menos de um ano antes do seu falecimento.

segunda-feira, setembro 01, 2008

O destino de duas mulheres

Completam-se hoje precisamente 39 anos que o chamado “affaire Gabrielle Russier” teve um desfecho trágico!

Gabrielle Russier, uma jovem professora divorciada de 32 anos apaixonara-se por um seu aluno, Christian, de apenas 16 anos.

Os pais do adolescente, dando-se conta do envolvimento amoroso dos dois, participaram o caso à Polícia e Gabrielle foi detida em Abril de 1969.

Julgada em Julho desse mesmo ano e condenada a doze meses de cadeia, apontada a dedo pela sociedade, e liminarmente afastada do lugar de assistente a que se candidatara na Universidade de Aix-en- Provence, Gabrielle, humilhada, mergulhada no desgosto e vergada pela vergonha perante a sociedade e especialmente perante os seus dois pequenos filhos, suicida-se em 1 de Setembro de 1969.


Gabrielle Russier


Apesar do caso ter escandalizado e dividido a França e ter constituído motivo de acesos debates, o suicídio de Gabrielle foi praticamente silenciado na comunicação social, como se de algo irrelevante se tratasse.
No entanto, dois anos depois, o realizador de cinema André Cayatte inspira-se neste caso e, adaptando a história, faz um filme, em que a personagem da infeliz professora seria representada por Annie Girardot.




Annie Girardot


O filme a que Cayatte deu o nome de “MOURIR D’AIMER” foi um sucesso extraordinário em toda a parte. Tal como a canção de Aznavour sobre o mesmo tema e com o mesmo título!

A aura de escândalo deste dramático caso da vida real, deu-lhe também em Portugal um enorme sucesso e, recordo-me bem, de ouvir soluços e choros contidos na sala onde assisti à sua projecção!

Annie Girardot, uma das mais prestigiadas e premiadas actrizes francesas de sempre, esteve notável e conseguiu tocar profundamente os espectadores de todo o mundo.



A carreira de sucesso de Annie continuou mas, tal como tem acontecido com muitas actrizes, devido ao avançar da idade, passou a ter papeis cada vez menos interessantes (recordo-me apesar de tudo de a ver ainda magnifica 3 anos depois em Chove em Santiago de Helvio Soto).
A sua paixão de sempre, o Teatro, foi por isso uma opção compreensível e inevitável.

Mulher de causas e sem medos, no principio dos anos 80, não quis deixar que a velhinha, mas prestigiada sala do Casino de Paris, fosse transformada num silo de automóveis e, associando-se à cantora Catherine Lara, embarcou na aventura de produzir uma comédia musical chamada “Revue et Corrigée”.

Foi um fracasso total!
Após cinco apresentações, tiveram que fechar as portas e, enquanto Lara se refugiava em casa durante quase um ano, abatida numa depressão profunda, Annie, que perdeu com esta aventura o que tinha e o que não tinha, embrenhou-se cada vez mais no trabalho:
Pequenos papéis no cinema e o Teatro… sempre e sobretudo o Teatro!

Pegando numa extraordinária peça brasileira chamada “Apareceu Margarida” de Roberto Athayde, que em 1973 catapultara Marília Pêra para a galeria das melhores actrizes do Brasil, Annie transformou este texto na sua peça talismã, dando-lhe um sucesso tal que de Praga a Montevideu era chamada para representar a sua “Madame Margueritte”.


Esta peça é um monólogo brilhante, que mostra uma professora louca e tirânica que, perante os seus discípulos, serve-se da sedução à chantagem e da demagogia à pura repressão, maltratando os alunos e envolvendo-os no seu mundo demencial! Uma peça para grandes actrizes!

Ora, foi precisamente numa das digressões de Madame Margueritte, em Montevideu no ano de 2001, que algo correu mal a Annie Girardot. Cansaço e falhas de memória levaram à interrupção da peça e ao cancelamento das suas apresentações!

Os jornais sul-americanos disseram então que Annie Girardot estava com problemas de saúde devido a esgotamento provocado por constantes e longas viagens.

A imprensa francesa, contudo, foi mais agressiva e afirmou, com todas as letras, que o problema de Girardot se devia ao consumo excessivo de álcool e drogas e que portanto as suas crescentes dificuldades em palco nada teriam que ver com simples cansaços de viagens.

Nos anos que se seguiram essas acusações foram-se repetindo e tomando proporções tais que levaram a que, em Setembro de 2006, o seu advogado Emmanuel Asmar fizesse uma declaração pública que espantou toda a gente:

Há vários anos que Annie Girardot se encontrava a lutar contra a doença de Alzheimer!


No dia seguinte a edição da revista Paris-Match trazia uma entrevista com a neta e com a filha de Annie, em que se percebeu como vivia e como conseguia trabalhar essa mulher afectada por tão terrível doença.

Os primeiros sintomas foram detectados pela filha Giulia Salvatori, durante umas férias na Sardenha, em que Annie a confundiu com a avó já falecida.

A partir daí, a mente confusa e a perda de memória tornaram-se mais evidentes e o mal foi diagnosticado.

Annie entrou então num estado de intermitência entre a apatia e a lucidez, percebendo-se desde logo que a sua melhor terapia seria a continuação do trabalho.

Os seus grandes olhos expressivos que entretanto começaram a ficar mortiços e fixados no vazio, ganhavam vida e um brilho novo, sempre que ouvia o comando de ACÇÃO dos realizadores.

Nesses breves momentos parecia que a doença de Annie deixava de existir e ela representava, como sempre o fizera, brilhantemente!

Os pequenos papéis que foi fazendo, sempre sentada e com o menor número de movimentos possível, implicavam horas e horas de leitura conjunta com a sua filha, apesar de as suas falas se limitarem a frases curtas e simples.

Frases que precisavam ser revistas e relidas centenas e centenas de vezes, tendo Annie que trazer sempre consigo um auricular através do qual a sua filha lhe ia transmitindo o texto!

Filha e neta contam como Annie Girardot vive agora num mundo imaginário, no qual seu marido Renato Salvatori e sua mãe, ambos já falecidos se encontram para ela vivos e sempre presentes.

O facto de ela trabalhar, mesmo nestas impossíveis condições, deve-se ao facto de que a família saber que é isso que ainda lhe alimenta e prolonga a vida.

O apoio de amigos, como o do realizador alemão Michael Haneke, que fora muito criticado por apresentar uma Annie Girardot excessivamente devastada, no seu filme “A Pianista” com Isabelle Huppert, tem sido decisivo para isso.

Annie Girardot com Isabelle Huppert em A PIANISTA
Na verdade, mais do que crueldade ou desrespeito, por não se inibir de apresentar o aspecto envelhecido de uma grande actriz, Haneke teve com ela uma paciência infinita para que as cenas se pudessem realizar.

Desbaratado o seu património com fracassos teatrais imprevistos e com a necessidade de apoio à sua doença Annie Girardot vive agora dos direitos autorais dos seus livros e de uma pensão de 900 Euros mensais.

Os dois empregados que apoiavam a Annie foram já substituídos por familiares que se revezam nesta difícil tarefa, já que qualquer instituição capaz de receber pessoas nestas condições custa, em França, no mínimo, 3000 Euros mensais.

A sua filha entretanto, no final de 2007 publicou um livro com as memórias de sua mãe.
Em MEMOIRES DE MA MÉRE, mais do que pormenores infelizes destes últimos anos de Annie, esta biografia fala de uma existência, rica, cheia de coisas interessantes e de peripécias que fazem já parte da História.
Ficou, por exemplo, finalmente, desvendada a identidade do amante de Annie, que para não ser apanhado com ela na cama por um inoportuno visitante, se viu obrigado a fugir em cuecas pelas traseiras da casa.
Esse seu amante, soube-se agora, dava pelo nome de.... François Mitterrrand!

Depois de uma carreira espantosa, a família não quis que a imagem prevalecente da belissima Annie Girardot, que deslumbrou o mundo em Rocco e Seus Irmãos de Visconti, ficasse afinal a ser marcada pela da pobre velhinha doente.
Annie Girardot em ROCCO E SEUS IRMÂOS de Visconti
Infelizmente, pelo que se sabe da evolução da sua doença, Annie, que já mal se movimentava, hoje em dia, quase a completar 77 anos, também já praticamente não fala.


Recordo, quase a terminar, a frase que André Cayatte utilizou, quando questionado sobre as razões da escolha de Annie Girardot para a protagonista de Mourir d’Aimer: “souffrir avec énergie lui va bien”.

segunda-feira, agosto 25, 2008

A discreta Roslyn

Venho hoje falar um pouco de Roslyn Kind.

E faço-o não só a propósito do seu “novo” disco, recentemente posto à venda nos Estados Unidos e Reino Unido, mas também porque ela concretizou recentemente o seu maior sonho de sempre: Fazer um espectáculo na famosa sala do Carnegie Hall!




Aos 57 anos, possui uma carreira artística já com cerca de 40 anos, feita como cantora e como actriz, quer na televisão quer no cinema.

Roslyn tem uma carreira que apesar de discreta, é bastante respeitada!

Mas… como muitas vezes acontece, há um MAS:

E esse MAS tem que ver com o que referiu muito maliciosamente um crítico de Los Angeles sobre a artista:

Se conseguíssemos olhar apenas para Roslyn, para o seu talento e para as suas capacidades, tal como para outro artista qualquer, diríamos que estávamos na presença de uma artista muito razoável… Contudo, sempre que a vemos, parece estarmos perante uma cópia de série B da sua irmã… E disso, ela nunca se conseguirá livrar!

E na verdade, o que acontece é que Roslyn Kind tem uma irmã com imenso sucesso no mesmo meio artístico onde se move!

Roslyn é a irmã mais nova de Barbra Streisand!



Roslyn ao centro, entre a mãe Diane e a irmã Barbra


Penso que independente do talento ou da falta dele, muitas vezes um artista não consegue chegar ao topo, porque não apareceu “aquela” canção especial ou “aquele” filme ou “aquela” série.

No início da sua carreira, enquanto a sua irmã já brilhava na Broadway e no cinema, Roslyn oferecia, como ponto alto do seu repertório uma versão pouco conseguida de Mon Credo de Mireille Mathieu.





Numa altura em que Mireille andava, ela própria, a gravar versões dos êxitos do musical Funny Girl, esta opção de Roslyn não foi bem compreendida pela crítica americana, acabando em consequência por passar pouco nas rádios e por raramente chegar ao público!

Roslyn, entretanto, querendo subir pelos seus próprios meios, fez o mesmo que milhares de outros artistas que nos Estados Unidos enfrentam uma acesa competição diária, nas centenas de cadeias de televisão e rádio… foi fazendo pela vida, sem nunca desistir!

Manteve, uma presença assídua, embora modesta, na Televisão e uma regularidade persistente na apresentação pública dos seus espectáculos em Teatros, Casinos e Night-Clubs.

Se, na verdade, quanto à carreira de cantora, ela procurou um propositado distanciamento do estilo de Barbra, quanto aos seus desempenhos como actriz, as semelhanças com a irmã, na voz, nos gestos, na mímica, ficam tão evidentes, que nunca acabou por conseguir afirmar uma personalidade própria, que é, como se sabe, absolutamente necessária à obtenção de um lugar de primeiro plano.




Do mesmo modo, a falta de polémicas públicas com a irmã, não a tem trazido para os jornais com a frequência que, hoje em dia, ajuda muito qualquer desconhecido a tornar-se uma celebridade.

Uma única vez os jornais noticiaram que as duas estariam zangadas, lançando o boato de que Barbra não teria comparecido ao casamento de Roslyn, por achar que tinha coisas mais importantes a fazer!

Como o boato foi desfeito rapidamente pela noiva, por a cerimónia ter sido feita, discretamente, em casa da própria Barbra e oferecida por esta à irmã! Roslyn, que se viu pela primeira vez nos cabeçalhos da Imprensa, afastou a partir daí a boa-vontade dos colunistas de Hollywood, que perceberam que ela não sabia, ou não queria jogar o tipo de jogos a que o mundo artístico está habituado naquelas paragens!

Apesar, de desde o principio ser alvo de comparação com a irmã Barbra, da descrição e da sobriedade com que tem gerido a sua carreira, parece agora, quase aos 60 anos, estar finalmente, a ganhar uma notoriedade que até aqui não obtivera.



Contudo, o mais curioso de tudo, é que depois de andar toda uma vida a tentar demonstrar que nada tinha que a confundisse com a irmã, acaba por neste seu mais recente disco dar a impressão exactamente oposta!

É uma pequena amostra do seu estilo actual, vertido para o seu novo CD, que hoje trago aqui, através de uma belíssima canção romântica "You Can Read My Mind", esperando, para os que não a conhecem, que constitua uma agradável surpresa.

segunda-feira, agosto 18, 2008

A Dolce Anna

Houve quem já lhe tivesse chamado a “Audrey Hepburn com voz”.



Houve quem já tivesse dito que é a “nova Callas”



Talvez sejam exageros, talvez haja alguma ponta de verdade em tudo isso.

O certo, é que o começo de carreira, desta ainda jovem artista, é tão incomum, que já se tornou lendário na história do bel-canto e, talvez por isso mesmo, acabe por influenciar toda a adjectivação que lhe colocam.

Natural da cidade de Krasnodar, esta anteriormente promissora ginasta, veio a tornar-se estudante de canto no Conservatório de São Petersburgo, e precisando naturalmente de arranjar emprego para subsistir, encontrou-o! Exactamente no Teatro Marinsky (sede da Ópera de Kirov) de São Petersburgo como... empregada de limpeza, com a tarefa específica de lavar o chão.



Por isso, quando certo dia, a jovem mulher da limpeza apareceu no Mariinsky, não para esfregar os soalhos, mas em dia de audição, causou um enorme espanto ao maestro Valery Gergiev, que reconheceu de imediato aquela bonita Anna, com quem até então se tinha cruzado inúmeras vezes nos corredores, vendo-a sempre de balde e esfregona na mão!

Depois de a ouvir, passou da curiosidade à surpresa e rendeu-se completamente à sua potentissima voz de soprano e à sua espantosa aptidão para o palco. Fez então questão de acompanhar pessoalmente o seu aperfeiçoamento vocal, que previa ser extremamente auspicioso!



Pouco depois de acabado o Conservatório, com pouco mais de 20 anos, Anna estreia-se precisamente no Mariinsky, dirigida por Gergiev, como Suzana das Bodas de Figaro.

De então para cá, a carreira da belíssima Anna Netrebko tem sido vertiginosa. Actualmente, com 36 anos, é já uma das cantoras mais requisitadas do mundo, tendo actualmente como mentora e mestra, a célebre cantora Renata Scotto!

Anna é uma mulher belíssima, e apesar da sua voz magnifica e da sua expressividade notável, muita gente sugere que não fora a sua beleza e talvez não tivesse conseguido tão rapidamente o sucesso que tem alcançado! Críticos e público estão excitada e completamente divididos a esse respeito!

Deixando São Petersburgo para passar a residir em Viena, passou também de um quotidiano de bata, empunhando detergentes para ser um dos rostos mais prestigiados da marca Dolce & Gabana!



Fala-se da sua história, fala-se da sua voz, fala-se dos seus sucessos, fala-se do excesso com que é adorada por uns e criticada por outros, fala-se da sua imagem, fala-se da emotividade com que pisa o palco e enfrenta o público…. Fala-se dela!

Protagonista em todas as principais salas de Ópera e de Concerto do mundo, esta russa de nascimento, há pouco mais de um ano naturalizada austríaca foi, em 2007, a estrela da última noite dos célebres concertos Promenade e fez, mais uma vez, uma enorme sensação, neste caso, particularmente, entre o público masculino!

São imagens desse momento extraordinário de festa e sensualidade que proporcionou ao público do Royal Albert Hall com Meine Lippen sie Kussen so heiss de Franz Lehar, que hoje deixo aqui:

terça-feira, agosto 12, 2008

Uma memória musical! Qualidade ou lucro?

Volto hoje à música, como uma canção de expressão francesa de que gosto muito!

E volto por um caminho que gosto de percorrer. O das recordações da EUROVISÃO





Volto também com uma pequena reflexão mais genérica, partindo da seguinte questão:

Porque é que os meios de comunicação, nomeadamente rádios e televisões, não procuram educar o gosto dos mais jovens e, pelo contrário, transmitem sobretudo a mediocridade?

Creio que a resposta é simples:

É o interesse financeiro que conta! Na verdade por cada bom autor, há decerto muitas dezenas de medíocres, e se educássemos os mais jovens apenas a gostar do que é bom, o número de músicas vendáveis diminuiria, pois seria a qualidade a comandar as opções das pessoas.

E quando a quantidade do que é vendável diminui, os lucros das companhias discográficas reduz-se…

Seria uma desgraça para editoras, rádios e televisões que as pessoas começassem a querer apenas o que é bom! A exigir qualidade!



E esse é o problema.

O Festival da Eurovisão traduziu sempre muito bem essa luta entre qualidade e interesses comerciais, mostrando que, infelizmente, se encontram demasiadas vezes em campos opostos.

O ano de 1978, por exemplo, deu-nos, na minha modesta opinião, um interessante exemplo disto mesmo!

Nesse ano a canção vencedora deu pelo nome de A-ba-ni-bi, e era cantada pelos israelitas Izhar Cohen and Alphabeta.

Foi uma canção que passou nas rádios até à exaustão e que depois se eclipsou, como aliás seria previsível!



Contudo, nesse Festival surgiu uma canção, que sem ser excepcional, era bem mais interessante e que, após a luta de que falei acima, acabou convenientemente relegada para o 2º lugar.

Após o concurso euroviseiro, enquanto que a vencedora nos era "impingida" de segundo a segundo, a outra quase que ficou sequestrada nas gavetas das estações radiofónicas, acabando inevitavelmente por ser remetida para um quase total esquecimento.

Por não prestar? Na minha opinião, não terá sido obviamente o caso! Isso, aliás, nunca foi motivo para que uma música não passasse na rádio!






Por ser de expressão francesa? Poderá ser, uma das razões!

Por não se enquadrar na moda do momento? Pode ser outra razão!

O certo, é que o tema central de ambas as canções é o AMOR e cada uma trata-o à sua maneira. As opções editoriais preferiram a isrealita.

A tal canção de expressão francesa que referi no início deste post e que, 30 anos depois, ainda me dá muito prazer ouvir, chama-se L'Amour ça fait chanter la vie, foi a representante da Bélgica nesse já distante festival eurovisivo!

É com o maior gosto que, à simples medida de um pequeno blog, a desejo retirar do ostracismo a que foi votada e recordá-la aqui, na voz do seu excelente interprete, Jean Valleé, esperando que gostem tanto dela quanto eu!



L'amour, ça vous met dans le cœur Des crayons de couleurs pour dessiner le monde
L'amour, on devient musicien
De vrais petits Chopin, rien que pour une blonde
L'amour, c'est tellement fantastique Ça met le bonheur en musique
Ça rit de toute sa symphonie L'amour, ça fait changer la vie L'amour, ça vous met dans les yeux Un regard fabuleux qui vous change un visage
L'amour, ça vous donne des ailes Pour monter dans le ciel jusqu'au septième étage
L'amour, c'est tellement fantastique Ça met le bonheur en musique
Ça rit de toute sa symphonie L'amour, ça fait changer la vie L'amour, c'est un grand magicien Qui vous change un chagrin en moins d'une seconde
L'amour, en un mot comme en cent Ça vous donne vingt ans dans tous les coins du monde
L'amour, c'est tellement fantastique Ça met le bonheur en musique
Ça rit de toute sa symphonie L'amour, ça fait chanter la vie

quarta-feira, agosto 06, 2008

Devo estar errado!!!!





Todos os anos, há sempre na minha vizinhança, um ou outro condomínio que resolve fazer as indispensáveis obras de manutenção no seu edifício.

Todos os anos se verifica também que, poucos dias após o prédio estar pintadinho, lá aparecem uns rabiscos ininteligíveis das mais variadas cores e tamanhos, com ou sem desenhos.

Há de tudo nestas sacrificadas paredes!

Confesso também que, apesar de tudo e da raiva que esta situação me transmite, por se tratar do sítio onde vivo, há locais bem mais sacrificados. O Bairro Alto, em Lisboa, por exemplo.

Foto retirada do Blog Round Stone



Foto retirada do Blog Cavaleiro Templário


Ao ver estas fotos, de um dos locais mais emblemáticos e visitados da nossa Capital, apenas vejo como lado positivo o sinal de transparência sobre a qualidade da nossa gestão autárquica e política.

Ver a degradação, o desleixo, o mau gosto, a sujidade e a porcaria que se encontra e amontoada naquele local traduz exactamente o nível de interesse, de preocupações e de amor que os nossos políticos autárquicos têm pela sua cidade. É um espelho magnífico deles e diz-nos exactamente o que deles podemos esperar.

O graffiti é hoje em dia matéria de debate, sobre se se trata de arte ou de vandalismo.

Confesso, que sobre este tema tenho tudo menos uma mente aberta e, de acordo com a minha opinião muito pessoal, permito-me reduzir as coisas a uma forma muito simples:

Num espaço que é público ou numa propriedade que é privada ninguém deveria ter o direito de pintar fosse o que fosse, só porque lhe apetece. Ainda que se trate de Arte!

Nasci em 1956, vivi 18 anos em ditadura e percebo muito bem a necessidade de num regime sem liberdades se ter de recorrer às mensagens murais para transmitir ideias, dar conhecimento de factos, manifestar apoios ou revoltas!

Quando os nacionalistas italianos queriam mostrar aos austríacos a sua presença, escreviam nas paredes VIVA VERDI, frase de duplo sentido: Homenagem ao grande compositor e ao que viria a ser o Rei da Itália unificada: Vítor Emanuel Rei De Itália.



Ou quando os cubanos querem dizer ao regime que não há unanimidade e que desejam ser livres, entende-se a lógica das suas inscrições murais.



No entanto qual será a justificação social, política e estética para algo como isto, que se encontrou numa estação de comboios do nosso País:



Vi algures, como definição de Graffiti, tratar-se de um movimento organizado nas artes plásticas, em que o "artista" aproveita os espaços públicos, criando uma linguagem intencional para interferir na cidade.

Mas quem lhe concedeu esse direito de interferência, na cidade que é de todos nós?

Apesar do Graffiti se tratar de algo que hoje pode ser encontrado em Museus, isso só por si não é passaporte nem credencial para nada.

A intervenção visual desordenada, avulsa, descontrolada feita no espaço público é para mim, absolutamente condenável e deveria ser firmemente combatida!




Se olharmos um pouco à nossa volta acabamos por perceber que quem dá esse direito de interferência, ainda que se possa considerar de forma indirecta, acabam por ser as próprias autoridades ao promoverem com os dinheiros públicos concursos de graffiti de norte a sul do País.

Deixo a seguir alguns exemplos e anúncios e regulamentos de concursos de Graffitis de Câmaras e Juntas de Norte a Sul do País (para ver mais em detalhe, fazer click sobre cada imagem):

Concurso de Graffiti - Câmara de Trofa


Concurso de Graffiti - Câmara de Santarém


Concurso de Graffiti - Câmara de Sintra


Concurso de Graffiti - Junta de Freguesia da Pena - Lisboa


Concurso de Graffiti - Câmara Municipal de Oeiras


Concurso de Graffiti - Câmara Municipal de Faro

Se de uma forma estrita se poderá dizer que aquilo que estas autoridades fazem é apelar ao sentido artístico tentando canalizar esse movimento para momentos e zonas específicas da cidade, de um ponto de vista mais geral a mensagem que acabam por passar é a de que a feitura de graffitis não tem nada de negativo, é legitima e até socialmente aceite.

Ora isso é exactamente o contrário do que eu penso como o adequado numa sociedade normal e civilizada!

Resta-me acrescentar que, como eu sou apenas um simples cidadão, o que eu acho ou deixo de achar decerto não valerá nada para os nossos dirigentes municipais!

Mas não será por isso que eu deixarei de me pronunciar contra estas atitudes de dirigentes e políticos de todas as cores que, ainda por cima, nunca se dão ao trabalho de dizer o que pensam destas coisas concretas da vida da cidade, quando se propõem conquistar votos!

Resta saber se eles sequer pensam... e se têm a noção de todos os efeitos e consequências que as acções que promovem acabam por produzir?

Admitindo que não é por por desleixo, incúria e incompetência que a autarquia lisboeta não faz nada para preservar o Bairro Alto destes "ataques artísticos", só poderei concluir que é porque entende que esta forma de "arte" valoriza aquela zona turistica e típica da cidade.

E se assim for, será que os nossos autarcas pensarão que, com o aspecto que apresenta resultante da "arte" com que profusamente se encontra decorado, este bairro antigo de Lisboa se transformou num especialissimo Museu a céu aberto?

Bom, é que face ao panorama terrível daquela importante zona histórica de Lisboa ou estamos perante incompetência, desleixo e a falta de amor pela cidade, ou estamos perante uma visão de estética urbana de pura bandalheira em que cada um faz o que quer e onde quer!

Qualquer das hipóteses é muito má! Mas é o que temos! Até quando?

Foto "Flick" do utilizador Sopra Mais - Rua do Bairro Alto