sexta-feira, abril 30, 2010

Recordações




A foto acima mostra uma senhora de 70 anos que reside num modesto apartamento nos subúrbios de Londres, agarradinha ao seu peluche de estimação e certamente a muitas das suas recordações.

Vive de uma magra pensão e do auxílio de alguns dos poucos amigos que a vida lhe deixou.

A situação nada teria de especial, se não fosse dar-se o caso desta senhora ter sido nos anos 60 uma das cantoras mais famosas do Reino Unido, a mais bem paga de todas elas, sendo, para além do mais, considerada ainda uma das mulheres mais belas daquela década.

Lembro-me dela e da impressão que a sua beleza me causou quando a vi pela primeira vez na televisão em 1965!



Descoberta na sua pequena cidade natal de Ilford, aos 16 de idade pelo maestro americano radicado em Londres, Bert Ambrose, que 20 anos antes já havia descoberto Vera Lynn, a jovem Kathy teve em Ambrose, desde essa altura, um mentor e um tutor. E foi ele, 40 anos mais velho que ela que, a partir desse momento, dirigiu a sua carreira e até mesmo a sua vida!

Kathy Kirby tinha de facto uma voz e uma presença notáveis, sendo reconhecida por todas as suas colegas da altura, Sandie Shaw, Lulu, Cila Black e Dusty Springfield, como a melhor de todas.



Bert Ambrose não só lhe escolhia o repertório, como o penteado e as roupas. Embora Kathy fosse extraordinariamente talentosa, é de reconhecer que foi Ambrose que construiu de forma muito inteligente o seu sucesso!

Nalguns aspectos foi mesmo extraordinariamente bem sucedido. Por exemplo ao moldar a figura da jovem cantora à figura de mulher que mais admirava: Marylin Monroe!

E de facto não era difícil fazê-lo, as parecenças eram notáveis, excepto no facto de Kathy ter uma capacidade vocal que Marylin não possuia!




No entanto, se a voz de Kathy era excepcional o já sexagenário, Ambrose tinha alguma dificuldade em reconhecer a valia das novas tendências musicais que despontavam, encaminhando por isso o repertório de Kathy para um tipo de música, que ele próprio tocava com a sua orquestra e que era em grande parte constituída pelos standards americanos de Rodgers, Hammerstein, Berlin, Gershwin e Arlen entre outros! Mesmo assim Kathy haveria de ficar conhecida pela “Golden Girl” da POP!




Começando por relacionar-se com ela como um pai trata uma filha, protegendo-a e encaminhando-a, Ambrose depressa se tornou num apaixonado ciumento que lhe limitava as saídas de casa, não a deixando sequer ficar na posse de qualquer quantia em dinheiro.

Com cachets semanais de mais de 40.000 libras, Kathy Kirby e Bert Ambrose estavam instalados num luxuoso apartamento de Mayfair, a zona mais exclusiva de Londres, decorado com o maior requinte, ficando Kathy rodeada de empregados que lhe satisfaziam todos os pedidos, pelo que ela não precisava de se preocupar com dinheiro.



E ela, de facto, não se preocupava, tinha obtido tudo o que desejava, fazia o que mais gostava na vida, que era cantar, e confiava cegamente em Ambrose o que viria depois a revelar-se como a sua maior desgraça!



Ambrose era infelizmente viciado em jogo, tendo nesse vício desbaratado os milhões e milhões de libras que Kathy ganhou, esgotando não só toda a sua fortuna, mas também contraíndo dívidas enormes, como seu procurador.

Ambrose, ao morrer repentinamente em 1971, deixou Kathy desorientada profissionalmente e perante uma realidade terrível e desconhecida, ao dar-se conta pela primeira vez de que estava na miséria.

Este caso, tornou-se de imediato, num foco de atenção para os “média” britânicos, já nessa altura ávidos de escândalos!

As televisões chegaram ao ponto de entrar no seu apartamento, enquanto os funcionários do tribunal retiravam os móveis de casa de Kathy e filmá-la sentada no chão da sua casa vazia, chorando voltada para a parede!

Sem ter dinheiro, nem para onde ir, submersa em sentimentos de desgosto e vergonha profundos, tentou instalar-se anonimamente num pequeno hotel. Contudo, a gerência, ao fim de dois dias, dado que era pública a situação financeira de Kathy, pediu-lhe uma caução monetária para assegurar a sua permanência. Desprovida de meios, Kathy foi levada pela polícia e presente a um juiz, que perante o seu evidente estado de descontrolo emocional a mandou internar num hospital psiquiátrico!



A jovem cantora que pouco tempo antes tinha sido a principal convidada da Rainha na Royal Variety Performance , não soube mais do que se isolar de tudo e de todos com pânico pela humilhação pública que a situação lhe provocava, de tal forma que acabou mesmo por ser mais uma sem-abrigo nas ruas de Londres, sendo vista várias noites a dormir encolhida sob o abrigo da porta de uma loja dos arredores da cidade!

Nos meses que se seguiram, Kathy já com o apoio de dois ou três amigos, conseguiu descansar fora das luzes dos holofotes mediáticos, por forma a poder recompor-se e seguir a sua vida!

No entanto, quando novas propostas lhe foram feitas para prosseguir a sua carreira, verificou-se então que não estava em condições de continuar.

A utilização de medicamentos para a depressão e o seu uso pouco controlado não lhe davam a lucidez e a capacidade necessárias para seguir a disciplina dos ensaios, tanto para gravações, como para a apresentação em espectáculos.

Anos mais tarde, a meio da década de 70, ainda não totalmente recomposta, voltaria a actuar, embora esporadicamente em pequenos bares e num obscuro programa televisivo, onde demonstrou manter a sua excelente voz, havendo registo de actuações notáveis com canções que nunca viria a gravar, como My way, Maybe this time ou New York, New York.

Contudo, os tempos eram outros, ela já não era mais a jovem Marylin britânica e o que lhe era pedido era sobretudo a aparição gratuita em galas de beneficência.

Retirou-se definitivamente em 1983 e refugiou-se no seu pequeno apartamento em Kensington de onde raramente sai.

Entretanto, a sua presença na música e a sua vida dramática não foram esquecidos por muitos que a admiraram nos anos 60. Em 2006 foi editado um livro sobre a sua vida e foi recentemente publicado um DVD onde ela dá uma pequena entrevista e são apresentados depoimentos de vários colegas como Marc Almond e Sandie Shaw!

Igualmente encontra-se em preparação um Musical sobre a sua história, que se prevê estrear brevemente no West End, com o nome de “Secret Love”, exactamente o nome da canção que foi o seu primeiro grande sucesso!



Questionada sobre se contava com o apoio da sua família, ligada actualmente a poderosos proprietários da comunicação social e a figuras importantes do Partido Conservador, Kathy confidenciou que de vez em quando recebia um telefonema e presentes simpáticos e que, pela época do Natal, lhe enviavam postais que, contudo, nunca traziam o endereço do remetente!

Lamenta o afastamento da família, que nunca mais a quis ver e, sobretudo, o facto de nem sequer lhe terem comunicado o falecimento da sua mãe… não fosse ela querer aparecer no funeral!

Escrevo hoje sobre Kathy Kirby porque foi uma cantora que nunca esqueci e cuja sorte me causou uma impressão muito profunda!

Tinha de facto uma presença em palco excepcional, e recordo que no Festival da Eurovisão de 1965 era dada como favorita, como vencedora antecipada…. No entanto acabou por ficar em segundo lugar, para grande pena minha, que nunca achei grande graça à canção vencedora Poupée de Cire Poupée de Son da France Gall!

Nesse ano Kathy fora escolhida pela BBC para ser a interprete única de um concurso de canções chamado “A Song for Europe”. Canções que foram submetidas a votação popular para a escolha da canção que o Reino Unido levaria ao Festival Eurovisivo .

O disco que saíu nessa altura rodou centenas de vezes no meu velho gira-discos!



Kathy que, curiosamente para mim, não foi muito divulgada em Portugal era indubitavelmente uma referência importante na época para a música ligeira e, talvez por isso mesmo, as duas cantoras portuguesas que nos anos 60 rivalizavam na atenção do público português, Madalena e Simone, não quiseram deixar de gravar versões das suas canções. Curiosamente ambas do concurso “A Song For Europe”.

Veremos assim a versão original de I Belong, canção que Kathy levou à Eurovisão seguida da respectiva versão portuguesa por Madalena Iglésias.





Nos dois vídeos seguintes teremos depois a versão original da canção My only love apresentada igualmente no concurso britânico, seguida da respectiva versão portuguesa por Simone de Oliveira.






Na entrevista que consta do DVD que agora saíu Kathy parece conformada com a vida e confortada sobretudo com as boas memórias que possui. As más já há muito que a deixaram de a atormentar... Ainda bem!