terça-feira, junho 22, 2010

Perfil

A foto que mostro a seguir é do passado mês de Abril.




E mostra o Presidente dos Estados Unidos no funeral da quase centenária activista dos direitos humanos Dorothy Height!

A seguinte também é do mês de Abril deste ano.



E mostra os Reis de Espanha assistindo ao serviço funebre do antigo presidente do Comité Olimpico Internacional Juan Antonio Samaranch.

A seguinte é um pouco mais antiga, é de 2008.



E mostra o Presidente francês Sarkozy à saída do funeral, do também nonagenário, cantor Henri Salvador!

Entretanto, transcrevo do site da TVI algo que vi ser transmitido por aquela estação de televisão:

«O que um Chefe de Estado deve fazer é diferente daquilo que deve ser feito pelos amigos ou deve ser feito pelos conhecidos. Devo dizer que nunca tive o privilégio na minha vida, se me recordo, de alguma vez conhecer ou encontrar José Saramago», declarou o Presidente da República.

Cavaco Silva referiu que na sua qualidade de chefe de Estado emitiu uma «uma nota oficial prestando homenagem à obra literária de José Saramago e ao seu contributo para a projecção da cultura portuguesa no Mundo», enviou uma coroa de flores e promulgou o decreto de declaração de dois dias de luto nacional.

«Hoje de manhã o meu chefe da Casa Civil e o meu chefe da Casa Militar apresentaram sentidas condolências aos familiares de José Saramago», acrescentou.

Interrogado sobre se os restos mortais do Nobel Português devem ir para o Panteão Nacional, disse tratar-se de uma matéria da competência da Assembleia da República.
Recordou ter sido o Parlamento que decidiu a recente trasladação para o Panteão dos restos mortais de Aquilino Ribeiro, o que aconteceu décadas depois da sua morte.

O Presidente da República justificou ainda a sua permanência de férias em S. Miguel, apesar da morte de Saramago, com a importância que para ele tem a palavra dada.
«Todos os portugueses sabem que desde quinta-feira à noite estou nos Açores, em S. Miguel, cumprindo uma promessa que fiz há muito tempo a toda a minha família, filhos e netos, de lhes mostrar as belezas desta região», declarou.





Sinceramente não estou admirado com a ausência física de Cavaco Silva das cerimónias fúnebres de José Saramago. Acho que é uma atitude que está verdadeiramente de acordo com o que já nos habituou!

Dá-se contudo o facto de Saramago ser um escritor laureado com o Prémio Nobel, prestigiado em todo o mundo e Cavaco Silva ser actualmente Presidente da República!

Ora, Cavaco Silva transmitiu-nos com o seu argumentário, uma noção de serviços mínimos protocolares a que se sente obrigado nestas circunstâncias e uma ideia de quais são as suas opções prioritárias.

Cavaco, de facto, não possui uma noção do que é ser Chefe de Estado idêntica à de Obama, Juan Carlos ou Sarkozy.

O Presidente Cavaco mantém-se igual ao que foi o Primeiro-Ministro Cavaco, infelizmente!

Apetece-me perguntar a Sua Excelência, qual será o nível de relevância que terá de possuir um cidadão português, para que o actual Chefe de Estado, perante um momento tão sagrado e definitivo como é o da morte, se digne comparecer pessoalmente para manifestar os seus respeitos?

Fica-me ainda a dúvida, face às palavras do Presidente, sobre se, eventualmente neste caso, o falecido fosse seu amigo, o seu comportamento teria sido o mesmo?

Tudo isto confirma, no entanto, o que já era conhecido sobre o perfil do Presidente Cavaco Silva!

E, por isso, não me parece que discutir esta questão, a poucos meses das eleições presidenciais, seja irrelevante.

A forma infeliz como tratou o caso das supostas “escutas” em Belém, a incoerência que revelou aquando da aprovação da Lei relativa ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, são apenas reflexos da sua fragilidade no cargo, denotando que se mantém um homem de horizontes muito limitados, confundindo uma postura de altivez e arrogância com uma postura de estadista.



Não consigo deixar de recordar alguns factos que ocorreram quando foi primeiro-ministro e que são reveladores das suas falhas básicas de percepção sobre a transversalidade da cultura na sociedade e na vida:

- Foi o seu Governo que entendeu o livro de Saramago "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" como um delito de opinião, tendo agido relativamente a ele, com a inconsciência despudorada de quem não tem a noção de que, em democracia, tal delito não existe. Foi precisamente esta atitude absurda e discriminatória que levou a que Saramago resolvesse fixar-se em Lanzarote!

- Foi nesse mesmo seu Governo, que impune e alegremente, o seu Secretário de Estado da Cultura, Pedro Santana Lopes, ao mesmo tempo que, por razões economicistas, extinguia a orquestra da RDP, afirmava gostar muito do concerto de violino de Chopin, obra que simplesmente não existe!

- Que o próprio Cavaco Silva, à época, para além dos frequentes erros de dicção que evidenciava, revelou não saber quantos Cantos têm os Lusíadas, a principal obra de referência da nossa Literatura e da gesta do povo português no feito mais glorioso da sua História!

Na verdade, só uma flagrante estreiteza cultural, aliada a uma presunção sem limites, permite a alguém dizer de si mesmo, sem corar: “Eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas!”.

Num país civilizado, um político dissesse esta frase ou não seria considerado sério, ou não poderia ser levado a sério! Que amplitude de visão do mundo e da vida se pode esperar de alguém com limitações de pensamento tão graves como estas?

Lamento sinceramente que, em cinco anos de mandato, este Presidente não se tenha sabido colocar acima de diferenças políticas e ideológicas e dado ao trabalho de promover uma aproximação apaziguadora com um homem, que apesar de ser seu adversário político, se tornou, através do seu talento, no principal embaixador da cultura e da lingua portuguesa no Mundo.

Lamento mais ainda, que perante a morte e o que ela representa, os sentimentos mais primários de desprezo por um adversário político se tenham sobreposto ao que deveria ser a grandeza de alma que se espera de um Chefe de Estado.

Se queria estar ausente dos actos fúnebres de Saramago, ao menos que mantivesse um silêncio inteligente sobre este assunto!

Quando da esquerda e da direita se vai ouvindo o epíteto de mesquinho ou de inábil, relativamente a Cavaco Silva, eu acho que, mais do que isso, ele é simplesmente incapaz de perceber e de exercer com a nobreza e a elevação necessárias o cargo que ocupa!

Como ficou óbvio, eu não sou um apoiante de Cavaco Silva que, ao contrário do que a sua propaganda tem feito crer, desde sempre, não é nenhum "mago das Finanças", ele é tão só um dos muitos professores de Finanças Públicas que existem neste país e apenas mais um dos muitos medíocres Ministros das Finanças que tivemos em Portugal!

Cavaco teve a sorte de, em 1985, conseguir o poder na sequência da morte de Mota Pinto, já quando a crise financeira provocada por um Governo do seu Partido, fora resolvida pelo Governo do Bloco Central, e numa altura em que choveram milhões da CEE, que só viriam a servir para construir autoestradas, subsidiar o abandono da agricultura e o abate da frota pesqueira!

Em consequência de muitos milhões desperdiçados, geridos de forma descontrolada e incapaz, quando 10 anos depois, Cavaco Silva abandona o Governo, deixa a economia de rastos, centenas de empresas falidas, muitos de milhares de trabalhadores com salários em atraso e um défice de 5,8% do PIB!

No meu entendimento, nem as suas características pessoais, nem a sua folha de serviço como primeiro-ministro, nem as suas posições mais recentes, demonstram as qualidades e o perfil necessários para ser o Presidente de Todos os Portugueses.

Não aprecio o seu trabalho passado, nem me consigo ver representado por alguém com uma estatura tão mediocre, que mesmo no Palácio de Belém não consegue passar do nível da marquise da Rua do Possolo!

Não votei, nem votarei nunca nesta pessoa, apesar de, aparentemente, ter aligeirado o seu ar carrancudo e mudado o slogan do "Deixem-nos trabalhar" para o "Deixem-nos estar de Férias"!

Como nota final não posso deixar de lembrar que nos seus discursos mais inflamados e aplaudidos, o actual lider do PSD, a que pertence Cavaco Silva, insiste sempre em que os políticos deverão ser os primeiros a dar o exemplo!

Ora se assim é, agora que propõe alterações às Leis do Trabalho, decerto que não se irá esquecer de propor que, desde que esteja de férias, o trabalhador nunca as terá que alterar, a não ser por razões que tenham que ver com a sua família ou com os seus amigos....

quinta-feira, junho 17, 2010

Tertúlias

Ontem ao jantar, um dos temas de conversa foi o profissionalismo na vida artística!

Ora hoje, após regressar às minhas vivências blogosféricas, deparo com um magnifico trabalho, onde se fala precisamente do expoente máximo desse profissionalismo!

Desejo, assim, sugerir a todos os que habitualmente passam por este espaço que não deixem de visitar um dos meus blogs favoritos o TERTÚLIAS, pois encontrarão nele, como é habitual, um texto fantástico, neste caso, sobre uma verdadeira lenda do canto lírico (e do profissionalismo levado aos limites do impossível) que é Kathleen Ferrier



Há cerca de seis anos atrás a BBC, realizou um documentário homenagear essa verdadeira lenda do canto lírico e da vida britânica.

Um documentário interessante, recheado de depoimentos excelentes e baseado nas muitas cartas que a cantora foi escrevendo ao longo da sua vida!

Tinha contudo a infelicidade ter como voz que lia essas a cartas a da divertida e extraordinária comediante (Patricia Routledge), quando afinal a homenageada teve uma vida que foi tudo menos uma comédia!

Confesso-vos que esse facto fez com que eu me desconcentrasse completamente do documentário por não me conseguir distanciar do humor espantoso de “Keeping Up Appearances” que Routledge soube tão bem encarnar.



Vejo agora, no TERTÚLIAS, uma homenagem belíssima, comovente e condigna a Kathleen Ferrier.

E por isso, esqueça-se que existe esse documentário, pois neste trabalho encontra-se tudo, sobre esta extraordinária cantora, que viveu momentos de verdadeira excepção e que por isso mesmo é considerada como um verdadeiro símbolo do que de melhor existe no carácter britânico.

Como bem explicará o nosso anfitrião do TERTÚLIAS, Kathleen Ferrier foi um contralto extraordinário.




A sua voz, situada nesse registo normalmente pouco ductil, tinha contudo uma maleabilidade e um timbre que eram um verdadeiro vendaval de emoções.

As qualidades artísticas extraordinárias que pareciam elevar-se ainda mais, nos momentos mais difíceis da sua vida, tornaram-na uma referência incontornável, quer no mundo da Ópera, quer para o cidadão comum.

Os seus registos de canções tradicionais ficaram tão famosos, que um deles Blow the wind southerly se tornou “sagrado”, a ponto de ser ”intocável” para a maioria dos cantores britânicos.

Mas, como vos digo vão até ao TERTÚLIAS e irão ver um trabalho memorável.

Finalmente, deixo-vos como aperitivo, uma das árias que eu mais gosto pela Kathleen Ferrier . De Orfeu e Euridice de Gluck “ Che faro senza Euridice”, ”, que foi exactamente a sua última apresentação em público.



Levada directamente daquela récita para o Hospital, viveria apenas mais três semanas.

Poucos dias antes de falecer, uma da enfermeiras disse-lhe, meio a brincar, que ficaria muito feliz se ela cantasse esta ária e, para espanto de todos, ela cantou um pequeno trecho com a mesma força e sensibilidade que tinha normalmente em palco.

Era como se a sua voz esplendorosa estivesse separada do seu corpo, numa celebração à vida que a memória da sua arte eternamente representa.