terça-feira, setembro 21, 2010

Um dia

Há algo que têm em comum um vasto conjunto de personalidades públicas:

O actor Charlton Heston, protagonista de, entre outros de "Os 10 Mandamentos":




A anterior Monarca holandesa, a Rainha Juliana, cuja actuação pública e social foi sempre considerada exemplar:



O compositor Maurice Ravel, o autor do celebérrimo "Bolero" mas também, entre outras obras, da "Rapsódia Espanhola" e de "Daphne e Chloé" :




A fadista Lucília do Carmo, a inesquecível criadora de "Maria Madalena" e de tantos outros êxitos que imortalizam este género musical português:




O actor Charles Bronson, um dos principais actores de "Era uma vez no Oeste" e de muitos outros filmes de acção:




A escritora Enid Blyton, extraordinária autora de literatura infanto-juvenil, nomeadamente dos célebres livros dos "Cinco" e dos "Sete"




O ex-Presidente do Governo Espanhol Adolfo Suarez que ajudou o Rei Juan Carlos a fazer a transição pacífica do seu país para a Democracia.



O que possuem em comum todos eles, para além de se terem notabilizado pelas suas qualidades, é serem, ou terem sido, vítimas da Doença de Alzheimer, cujo o Dia Internacional se comemora hoje a 21 de Setembro.

A estes nomes poderíamos ainda acrescentar os de antigos primeiros-ministros britânicos como Wiston Churchill, Harold Wilson e Margaret Tatcher, o do Presidente americano Ronald Reagan, o dos realizadores Otto Preminger e Vicent Minnelli, o dos cantores António Prieto (que fez furor nos anos 60 com "La Novia" e "Quando calienta el Sol") e Perry Como, a voz inesquecível de "Try to Remember", "It's Impossible".



São milhões em todo o mundo e em Portugal estimam-se em cerca de 90 mil pessoas, as afectadas por esta doença, que apenas no ínicio do Seculo XX seria devidamente estudada pelo médico que lhe deu o nome. Foi, no entanto, uma doença que sempre existiu e relatos biográficos de pessoas que viveram antes dessa época, revelam já a existência de sintomas tal como hoje os conhecemos nesta doença!

Uma doença que não escolhe nacionalidades, classes sociais ou raças, mas de que só se ouve falar quando é tornado público que alguém muito conhecido foi atingido, como aconteceu com Rita Hayworth, o compositor Aaron Copland, ou o estilista Louis Féraud.



É terrivel, mas a verdade é que nenhum de nós está livre de vir a padecer desta tenebrosa doença, cujas causas se desconhecem e que se instala silenciosa e gradualmente, roubando a pouco e pouco o que distingue um ser humano de um irracional, alterando a personalidade por completo e impedindo até o próprio reconhecimento perante um espelho!

Uma doença degenerativa, irreversível e fatal que acaba por retirar do cérebro os comandos do andar e do falar, que faz esquecer o modo de engolir um alimento, que torna a pessoa completamente incontinente, colocando-a totalmente dependente, mesmo para os mais pequenos gestos do quotidiano, sugando toda dignidade que a vida humana tem de possuir e que, por isso mesmo se torna num inferno arrasador para o dia-a-dia de quem os ama.

Não havendo, no caso de Portugal, qualquer resposta institucional válida para apoiar doentes e famíliares, considero profundamente simplistas e lamentáveis, as afirmações de hoje do Presidente do Instituto de Segurança Social de Portugal, quando afirmou hoje genericamente que as famílias dos idosos que são abandonados nos Hospitais deveriam ser penalizadas criminalmente.

As coisas contudo são bem mais complexas do que este "responsável" afirma!

Eu próprio tenho em casa, a minha Mãe com uma situação de Alzheimer bastante avançada, pois como qualquer outro filho, pretendo adiar até ao limite o seu eventual internamento!

Ora, havendo um subsídio de dependência, para este efeito, foi atribuido pela Segurança Social esse apoio no montante de 94,77 euros, estranhamente o escalão mais baixo desse subsídio, como se a minha mãe não precisasse de apoio para todos os actos do seu quotidiano!

Contudo, só as despesas com medicação ascendem mensalmente a mais de 300 euros e dispendemos mais de um milhar de euros em apoio domiciliário especializado! Todas as consultas médicas têm que ser realizadas em casa, pagando em média 100 euros por consulta!

E não se pense que estas despesas libertam a família de trabalhos. Uma doença de Alzheimer tratada em casa é, pelo contrário, uma missão a tempo inteiro, complexa e desgastante quer física, quer psicológicamente! E, no meu caso, sinto que está longe de ser uma solução perfeita para a própria doente! É, no entanto, o mal menor que podemos ter!

Mas eu, apesar de tudo, até serei um previligiado!

Será que quem tem reformas e salários mínimos pode dar acompanhamento idêntico a uma doença tão exigente como é a Alzheimer? Obviamente que não!

Quando as coisas se tornam impossíveis de gerir em casa pela família, que alternativas tem quem não possui meios para suportar os apoios exteriores que são indispensáveis?

Na verdade, e na prática, é a Segurança Social Portuguesa que abandona os seus cidadãos e é ela em primeira linha que merece ser criticada.

Correndo o risco de ser políticamente incorrecto e até mesmo de parecer insensível, face à situação que eu próprio vivo, não me atrevo a julgar as eventuais atitudes de outros, que com menos meios, vivem problemas idênticos aos meus.

O Senhor Presidente do Instituto da Segurança Social deveria dedicar mais tempo a reflectir sobre estas matérias, avaliar bem as suas prioridades e não fazer juízos morais genéricos sobre pessoas que não conhece e que poderão ter tomado atitudes de desespero, exactamente porque não conseguem ultrapassar o inultrapassável.

Nem todos os casos de abandono de idosos nos hospitais se devem a comportamentos indignos e de crueldade, devem-se muitas vezes à impotência e ao desespero de quem já não consegue lidar com uma situação impossível e procura com isso o seu próprio "mal menor"!

No Dia Internacional do Doente com Alzheimer, a tomada de posição do "responsável" pela Segurança Social foi, no meu modesto entender, profundamente infeliz, transmitindo com ela a ideia de que a Segurança Social Portuguesa nada mais tem para oferecer do que a criminalização do único acto que, em desespero de causa, pode garantir ao doente uma situação de conforto digno e tratamento adequado, à revelia do completo desinteresse da Segurança Social por este problema.

Por muito cruel e desumano que possa ser considerado deixar um idoso, com algum tipo de demência, ou com problemas de saúde graves, num Hospital Público, isso acontece, na maioria dos casos, porque os serviços estatais não têm qualquer alternativa para oferecer em termos de apoios sociais domiciliários ou de cuidados paliativos!

O que sinceramente me parece é que o que custa a "engolir" a esse e outros "responsáveis" é que a atitude de algumas famílias, obriga o Serviço Nacional de Saúde, contra a sua própria vontade, a assumir o papel que de facto lhe competeria se fosse bem pensado e bem gerido.

Também a mim já me pareceu estranho e pouco normal que alguém deixe um idoso num hospital. Depois de passar pelo que estou a passar hoje em dia a minha visão é algo diferente.

Um dia este problema pode bater-nos à porta... poderemos ser nós....

Esperemos entretanto que as prioridades e as mentalidades dos responsáveis pela Saúde e pela Segurança Social no nosso País se alterem profundamente! Esperemos que um dia isso aconteça.... Um dia....