segunda-feira, abril 07, 2008

Ronda Nocturna de Lars Norén




















Em cena, no Maria Matos, é uma peça onde se vêm potencialidades várias e desajustes múltiplos também!

A morte de uma mãe, promove o reencontro de dois irmãos e suas mulheres, todos entretanto em pleno desencontro afectivo.

Discutem, fumam, bebem e agridem-se verbalmente na moderna sala de estar de um deles e perante as cinzas da progenitora.

Uma ideia, ou como diz o folheto de apresentação, o mote (criado por Edward Albee) descreve o que se passa: O inferno pode ser uma sala confortável e um casal insatisfeito!

Uma ideia interessante! Já pouco original, mas sempre interessante!
É sempre apelativo ver-se dramatizações do relacionamento humano, sobretudo quando nos mostram situações extremas e diálogos amargos entre personagens amarguradas.
Já muitas peças glosaram esta temática, umas são mais felizes que outras, umas dão origem a melhores espectáculos que outras.

O pior para esta é que, se viermos a estabelecer comparações com a que lhe serve de matriz, fica naturalmente a perder. Refiro-me a “Quem tem medo de Virgínia Woolf”, pois fica muito evidente que nela se inspira: na temática, na localização cénica, no conjunto de personagens (dois casais) e até no uso de palavrões.

O alucinante jogo da verdade que vemos na peça de Albee, aqui aparece numa versão mais modesta de confissões mútuas entre irmãos e entre cunhadas.

No entanto, apesar de exigir, tal como a outra, um esforço imenso dos respectivos interpretes, esta Ronda Nocturna nem nos oferece um texto muito conseguido, nem nos dá um grande espectáculo.

O texto desenvolve-se em círculos, longos e repetitivos. Tão longos e tão repetitivos que ao fim de algum tempo a voz dos actores passa a ter como música de fundo o ranger das cadeiras dos espectadores que entretanto não conseguem disfarçar o cansaço perante um texto infindável e cadeiras pouco confortáveis.

Não conheço o texto original e por isso mesmo não sei se os defeitos que encontrei resultam daí, de uma má tradução ou de uma deficiente adaptação. O que sei é que o espectáculo a partir de certa altura, parece apenas uma sequência de cenas que são meras versões de cenas anteriores. Na última meia-hora do espectáculo a sensação de um déjà vu cansativo é inevitável!

Sugere-se levemente a dado momento que existe algo no passado dos irmãos próximo da pedofilia, mas tal nunca se confirma.
Sugere-se vivências que são completamente inverosímeis (um pai que não desliga o telefone para que, do outro lado, a filha, que patina incessantemente pela casa, se sinta mais segura….).
Sugerem-se traições conjugais, cujos contornos e dimensão ficam por se entender.
Fala-se de camas que se vão pedir, a meio da noite, aos vizinhos…
Descobre-se que a filha, patinadora impenitente de 11 anos, é também uma obesa embaraçosamente inapresentável, com uma fixação doentia pela comida....
Um texto que se apresenta portanto, com fragilidades lógicas e debilidades na sequênciação da sua linha condutora, estranhamente óbvias e que requer por isso um esforço adicional dos actores para que se torne credível.
Um tipo de peça como esta é sem dúvida uma peça que exige muito dos actores.
Quatro actores em palco, em diálogo pernamente, que precisam de um excelente texto para que tudo valha a pena.
Se forem óptimos, talvez até nos consigam fazer esquecer algumas debilidades do argumento e dos diálogos. Infelizmente não foi o caso!
Sendo uma peça a quatro vozes, um resultado final equilibrado passaria também pelo equilíbrio das respectivas qualidades interpretativas. Também não é o caso! Apesar de todos terem mostrado uma entrega enorme ao seu trabalho!

António Capelo vai melhorando ao longo da peça, mas o seu débito do texto é quase sempre monocórdico. Se nos estivesse a recitar a lista telefónica, decerto que não precisaria fazer diferente. Tem em compensação, uma boa presença física e gestual, imprescindível para o seu papel e, sem dúvida, um cuidado enorme com a sua dicção.

Orlando Costa, mais convincente, mas em muitos momentos com uma má dicção e escusadamente excessivo na projecção de voz e nos gestos.

Custódia Galego, com o papel mais apagado, em muitos momentos quase que parecia pedir desculpa por estar ali! Melhor que nas falas (algo monocórdica também) deu óptimas contra-cenas.

Luísa Cruz, a mais completa, também com um início algo imperfeito, melhorou rapidamente e deu-nos a melhor das quatro interpretações da noite. Revelou-se sem dúvida ser um excelente animal de palco. Na colocação da voz, no desenvoltura do gesto, no registo certo, na postura física. Um nome a reter…

Muito boa a cenografia. Quinta personagem desta peça, o cenário revelou-se muito bem conseguido. Moderno, elegantemente simples, coerente com as personagens. Parabéns a José Barbieri. Mas também a Cristina Costa pelos figurinos acertados para cada uma das personagens, a José Nuno Lima pela iluminação, ora sombria, ora dramática, e a Luis Aly pela sonoplastia.

Apesar dos defeitos apontados, o espectáculo revelou-se digno e quem quiser estar a par do que se vai fazendo em Lisboa, não fará mal em ir até ao Maria Matos. Na noite em que eu estive presente, muitos dos espectadores gostaram e até aplaudiram de pé!