terça-feira, maio 27, 2008

Uma vida extraordinária

A propósito da exposição sobre a obra de Le Corbusier que está patente em Lisboa lembrei-me de… Josephine Baker!



Penso que ainda muitos se lembrarão dela!

Uns, como uma artista muito “avançada”para a sua época, outros como uma mulher extravagante e corajosa, outros ainda como uma mulher de escândalos!

Mas o que tem Le Corbusier que ver com La Baker, como os franceses lhe chamavam?

Tem o simples facto de um dia, no já longínquo ano de 1929, no navio que transportava Josephine Baker da América do Sul para a Europa, se ter verificado que em vez de uma Josephine Baker estavam lá duas!!!! Passo a explicar:

Um jovem arquitecto, nascido na Suiça e que na época já tinha o seu estúdio na Rua de Sévres em Paris, sabendo que a artista, que muito admirava, viajava no mesmo navio que ele, resolveu pintar-se de negro e, vestindo apenas de uma tanguinha de penas, quis surpreender a já famosa artista.

A surpresa de se ver representada, numa das suas “vestes” mais famosas, por um jovem e elegante admirador, o mais tarde famoso Le Corbusier, foi tanta que, não só fez com se tornassem amigos, mas também…que viessem a iniciar uma intensa relação amorosa, segundo constam as crónicas da época




Josephine Baker foi mulher de muitos e “badalados” amores e, tal como aconteceu com Le Courbusier, quase sempre ao nível da genialidade.

Alexander Calder, Pablo Picasso, Georges Simenon, E.E. Cummings foram todos eles seus admiradores e em várias fases da sua vida acabaram por se tornar seus amantes.

Este pequeno episódio da viagem transatlântica da cantora e do seu admirador, que recordei a propósito da exposição em Lisboa do grande arquitecto Le Courbusier, acaba por ser afinal um bom pretexto para falar, ainda que de forma resumida dessa figura extraordinária de mulher do Século XX.

Durante a minha infância, o nome dela era-me vagamente familiar, contudo quando no final da década de 60 os jornais noticiaram que Josephine Baker doente e já na casa dos sessenta, fora despejada da sua propriedade em França, e iria voltar aos palcos para poder manter-se a si e às 14 crianças de todas as raças que tinha adoptado, eu comecei a reparar nela e na sua história com mais atenção.




Josephine Baker nasceu em Saint Louis no Missouri (USA), pertencia a uma família de lavadeiras e o seu destino ainda criança foi também o de ser lavadeira… Até ao dia em que uma das “senhoras”, para quem trabalhava, lhe atirou com água a ferver para as mãos, como castigo por Josephine, segundo ela, gastar demasiado sabão.

Um emprego seguinte, de camareira de uma artista de teatro e a posterior substituição de uma corista que adoecera, foi quanto bastou para aos 16 anos chegar à Broadway.

Aí, as suas caretas de olhos vesgos e as suas danças de pernas arqueadas nunca fizeram grande sucesso, mas ao ser escolhida para ir até Paris participar na Revue Negre, a sua sorte mudou!



Em 1925, em Paris, uma negra, de seios nus, vestindo apenas uma tanga de bananas ou de penas, dançando freneticamente e cantando com uma voz forte e diferente das cantoras brancas da época só podia dar em escândalo. Mas foi um escândalo com muito sucesso



Tanto sucesso que passou fronteiras, e era chamada para actuar em toda a Europa e na América do Sul.

Um sucesso que chamava multidões e que, simultaneamente, arrepiava os mais conservadores. Em Viena, numa Igreja próxima do Teatro onde actuou, os sinos tocaram à hora da sua chegada, para que a população não saísse de casa, não se fosse dar o caso de ficar "contaminada" com a sua presença.

Em Paris, um tradicional pai de família americano, não sabendo ao que ía, levou a mulher e a filha a ver o espectáculo de Josephine no Casino de Paris e, ao intervalo, já saía esbaforido, arrastando as duas, conforme conta nas suas memórias a filha, de seu nome Nancy e que depois de casada viria a ter o apelido Reagan.




Para Josephine, no entanto, nada importava o que diziam dela!

Era a mulher de quem se falava sempre, fosse pelos seus espectáculos, fosse pelos seus namorados, fosse pelo seu leopardo domesticado (Chiquita) que gostava de trazer por uma trela nas ruas de Paris e que ela até gostava de levar ao teatro.

Entretanto Josephine, sempre irreverente mas muito lúcida, havia tomado uma decisão, ainda jovem: Só voltar a actuar no seu País natal quando os Teatros fossem racialmente integrados.

E, quando, após ter feito uma reclamação pública por lhe ter sido recusada a entrada no famoso Stork Club de Nova Iorque, foi acusada de comunista e colocada na lista negra, tomou também a decisão de se colocar activamente ao lado dos movimentos pelas liberdades cívicas.

Foi por isso, que se viu Josephine Baker discursando ao lado de Martin Luter King, aquando da manifestação sobre Washington e foi igualmente por essa razão que a viúva de King se deslocou à Europa, em nome do seu movimento, para pedir a Josephine Baker que assumisse a respectiva liderança.

Já doente e a enfrentar graves problemas financeiros, Josephine não pode aceitar o convite, mas a verdade é que ela já tinha feito imenso pela causa da liberdade ao ser membro activo da resistência francesa, na ajuda a fuga de muitos políticos franceses para Argel e no papel de informante dos Aliados, quer nas chancelarias de Paris, quer em vários pontos da Europa.

A sua actividade de resistente anti-nazi, viria a ser reconhecida pelo Governo Francês com as mais altas condecorações do Estado gaulês, assim como pelos restantes Governos Aliados que através dela tiveram acesso a informações preciosas que ía colhendo junto das elites dos países do Eixo, a quem facilmente tinha acesso nos países neutrais por onde passava.



Ajudada pela sua amiga Grace do Mónaco que lhe ofereceu uma Villa, Josephine teve no entanto de continuar a actuar para poder manter o apoio às crianças que tinha tomado a seu encargo, tendo no final dos anos 60 e principio dos anos 70 iniciado uma parceria com Chico Buarque de Holanda, com quem deu inúmeros espectáculos conjuntos na Europa e no Brasil.

Foi na noite anterior, ao último espectáculo de uma temporada que realizou em Paris, que a criadora de J’ai deux amours morreu de um ataque cardíaco em 1975. Tinha 69 anos!

Para Josephine, nem tudo foram rosas, sendo o seu percurso repleto de altos e baixos, mas na verdade teve uma vida extraordinária e penso que ao aproximar-se mais um aniversário do seu nascimento, o que acontecerá no próximo dia 3 de Junho, é mais do que justo deixar aqui um breve registo da sua memória.