domingo, setembro 20, 2009

Jornais e política

O caso da "vigilância" sobre a Presidência da República parece ter diariamente novos desenvolvimentos.

Após o próprio Provedor dos Leitores do "Público", Joaquim Vieira, ter criticado a actuação do seu jornal, admitindo a possiblidade de o "Público" ter uma agenda política oculta, o mesmo Provedor avança hoje, em nova intervenção, com factos que merecem ser conhecidos.

Transcrevo apenas uma parte do texto que entretanto poderá ser encontrado no Blog do Provedor do Leitor do Público:

"Na sequência da última crónica do provedor, instalou-se no PÚBLICO um clima de nervosismo.

Na segunda-feira, o director, José Manuel Fernandes, acusou o provedor de mentiroso e disse-lhe que não voltaria a responder a qualquer outra questão sua.

No mesmo dia, José Manuel Fernandes admoestou por escrito o jornalista Tolentino de Nóbrega, correspondente do PÚBLICO no Funchal, pela resposta escrita dada ao provedor sobre a matéria da crónica e considerou uma “anormalidade” ter falado com ele ao telefone.

Na sexta-feira, o provedor tomou conhecimento de que a sua correspondência electrónica, assim como a de jornalistas deste diário, fora vasculhada sem aviso prévio pelos responsáveis do PÚBLICO (certamente com a ajuda de técnicos informáticos), tendo estes procedido à detecção de envios e reenvios de e-mails entre membros da equipa do jornal (e presume-se que também de e para o exterior).

Num momento em que tanto se fala, justa ou injustamente, de asfixia democrática no país, conviria que essa asfixia não se traduzisse numa caça às bruxas no PÚBLICO, que sempre foi conhecido como um espaço de liberdade."

Estes factos, trazidos a lume por Joaquim Vieira, na sequência de tudo o que já se conhece, parecem ser elequentes face a posturas deontológicas e políticas existentes no jornal PÚBLICO.

Neste contexto, parece-me igualmente ser interessante a entrevista que José Miguel Júdice hoje concedeu à jornalista Marina Marques, do Diário de Notícias, e que aqui transcrevo na totalidade:

A revelação por parte do DN do e-mail trocado entre Luciano Alvarez e Tolentino Nóbrega, jornalistas dos Público, é uma violação de privacidade?

Não sei se o e-mail é privado ou se tem interesse público. Acho muito curioso que a imprensa portuguesa, que durante anos e anos não se preocupou com a revelação de escutas, agora que atinge os jornalistas, estes comecem a ficar preocupados.

Considera reprovável, do ponto de vista ético?

É deontologicamente censurável, mas, durante anos, os jornalistas aceitaram que isso fosse possível em muitas situações que não envolviam jornalistas. É como se estivessem a provar um pouco do seu remédio.

Os jornalistas dão muita importância a si próprios. Eticamente, é inadmissível que os jornalistas queiram ser protegidos de uma forma que não se protegem os outros cidadãos.

A relação entre jornalista e fonte descrita no e-mail é...

… de uma gravidade extrema. E se é exemplo da forma como se faz jornalismo neste País, estou como Manuela Ferreira Leite: Não quero viver neste País. A aceitação da instrumentalização por parte do jornalista, se for verdade o que está no e-mail, é lamentável.

Perguntas sugeridas por um assessor, fazer a notícia sair da Madeira...

Considera aceitável que o DN tenha divulgado o e-mail?

É importante que o Diário de Notícias tenha divulgado esta situação.

E é importante que os jornalistas ponham a mão na consciência.

Eu sou amigo do José Manuel Fernandes, mas a reacção do José Manuel Fernandes, que de manhã afirmou que o Público estava sob escuta e depois vem reconhecer que, afinal, não houve qualquer intrusão no sistema informático do jornal, é de uma gravidade absoluta. E nem pediu desculpa.

Depois das suspeições lançadas devia de haver um pedido de desculpa ao País, a todos nós. A comunicação social deve pôr a nu estes métodos de fazer jornalismo.

Se é grave o que Fernando Lima, assessor do Presidente da República, fez, também é grave a comunicação social sujeitar-se a isso.

A revelação deste caso desacredita o jornalismo?

Sobretudo levanta algumas questões: será caso único? Não haverá mais fretes entre políticos e jornalistas?

A partir deste caso, os jornalistas deveriam aproveitar para fazer uma reflexão, com muita coragem, para estigmatizar práticas profissionais inadmissíveis. Enquanto bastonário da Ordem dos Advogados fiz isso junto dos advogados. Acho que é essencial que assim seja em qualquer actividade.

O interesse público justifica a publicação do e-mail?

Está tudo a arrancar os cabelos porque é um jornal a fazer a outro jornal aquilo que é prática da comunicação social fazer a outras entidades não jornalísticas: publicar e revelar documentos, mesmo que protegidos pelo segredo de justiça, em nome do interesse público. Esta dupla ética não é aceitável.

Há uma prática muito comum nos países civilizados que é a de os vários orgãos de comunicação social manifestarem explicitamente as suas opções políticas e partidárias, e as suas declarações de interesses relativamente ao poder económico.

Em Portugal existe o mito do jornalismo independente... O que é uma completa hipocrisia!

Ninguém é neutro perante a vida e mundo! Todos temos as nossas opções e opiniões, e os jornalistas, directores e proprietários dos orgãos de comunicação social também as têm! Naturalmente!

Essas opções e opiniões até podem variar, oscilando com o tempo, como acontece com os jornais ingleses, franceses ou americanos, só para citar alguns dos países com imprensa mais conhecida entre nós .

Mas é precisamente essa capacidade de oscilação e de alteração de posição política de jornais, rádios e televisões que transmite um verdadeiro sinal de independência do jornalismo face aos vários poderes! E de transparência junto do público.

Neste País, infelizmente, ningém parece ter a coragem de dar esse passo, como se houvesse uma conveniência muito profunda em não o fazer.

A consequência previsível é a de que, mais dia, menos dia, teria que surgir o odor da podridão, que resulta da promiscuidade e conivência entre os meios informativos, os partidos e instituições...

O espectáculo que neste momento se está a assistir, ainda sob a insistente máscara da independência jornalistica, constitui um verdadeiro atentado à seriedade da democracia e da liberdade de informação, que é preciso esclarecer até ao fim, para que haja o mínimo de salubridade na nossa vida em sociedade!

Se algum benefício vier a ter esta confusa situação criada entre o poder e os jornais é o de destapar, junto dos mais desprevenidos, essa máscara!