domingo, novembro 27, 2011

FADO



Obtido o reconhecimento do Fado como Património Imaterial da Humanidade, encaro este género musical, que não é particularmente rico, como algo que todos os portugueses sentem, com maior ou menor intensidade, enquanto elemento de pertença cultural ao nosso País, mesmo que não gostem de o ouvir.

Quando era muito jovem sentia-me tão distante do Fado, quanto o Fado me parecia próximo de um regime político que eu não conseguia respeitar nem suportar.

Contudo, ao crescer, apercebi-me que o Fado era bem mais do que um instrumento utilizado por um regime opressivo para anestesiar as consciências, era algo que estava muito fundo na nossa cultura e forma de estar!

Assim, comecei a olhá-lo de uma outra forma, quando ouvi as inesquecíveis interpretações de Amália sobre a lírica de Camões e quando, ainda adolescente, me vi a milhares de quilometros de casa, num outro continente! Aí a recordação de alguns fados fez-me entender melhor a minha origem e que marcas culturais eu trazia comigo!



Percebi então que o Fado fazia indelevelmente parte das minhas raízes! Não sou, apesar disso, um adepto fervoroso deste género musical, mas não deixo de reconhecer a sua importância e, em muitos casos, a sua elevação estética e gosto mesmo muito de alguns fados embora ache outros, talvez a maioria, algo de muito pobre e chato (como diz o célebre “Marinheiro Americano” da magnifica Hermínia Silva) e até mesmo patético!



E se gosto de alguns fados é porque nesses encontro um apelo emocional muito interessante, mais pelo génio de alguns dos seus intérpretes (Amália e Carlos do Carmo, principalmente) e pela inovação que conseguiram impor, do que pela manutenção da suas tradições mais puristas, que tenderiam a levá-lo à mumificação!



É que na verdade existem, desde que Amália começou a quebrar tradições, não se limitando às melodias tradicionais e mesmo à sua lingua materna, duas formas de olhar o Fado bem diversas!



Nesta distinção da UNESCO não consigo perceber pois o que é que exactamente ganhou, se a corrente minoritária que vê o Fado enquanto género musical que evolui, se a corrente maioritária nos meios fadistas que pretende ver o Fado como peça histórica conservada em formol, se simplesmente a enorme qualidade técnica que houve na elaboração deste projecto.

Seja como for, a equipa que o elaborou é merecedora das maiores felicitações!

Quanto ao Fado em si, creio que não ficará nem melhor nem pior, talvez consiga entretanto mais algumas linhas na Imprensa internacional dos próximos dias e haja mais alguns amantes de World Music curiosos sobre ele! Uns gostarão, outros não, como é natural!



Penso que esta candidatura pretendeu sobretudo dar ânimo ao ego nacional, mais do que obter qualquer coisa de substancial, mas a vida é mesmo assim... Os mexicanos que também obtiveram o reconhecimento dos seus Mariachis fizeram entrar na sala um grupo de músicos que exibiram a sua arte, os portugueses, que não tinham músicos na sala puseram o telemóvel de António Costa com o “toque” do “Estranha Forma de Vida” que estava carregado! Estranha, a nossa forma de vida, mas que afinal se tornou Património Imaterial da Humanidade!

domingo, maio 08, 2011

Regresso temporário para uma modesta opinião, possivelmente minoritária

Faço hoje um breve retorno à blogosfera, sendo que possuo uma quase impossibilidade de vir até aqui regularmente

Neste período em que estive ausente a crise ganhou força e tornou-se tema obrigatório!

Todos os dias, em todos os meios de comunicação social, há análises e comentários, certamente mais interessantes e melhor informados do que os meus poderiam ser, pelo que hoje limitar-me-ei falar de um "fait-divers"!

Foi recentemente produzido e começou a ser divulgado um vídeo, julgo que patrocinado pela Câmara de Cascais:



Acho-o curioso, vejo o entusiasmo que suscita, mas sinceramente não o partilho, pois a verdade é que o acho tristemente lamentável!

Como em todos os Países do mundo existem grupos radicais e gente parva. É o que acontece na Finlândia com o chamado “Partido dos Verdadeiros Finlandeses”.



Tomar a parte pelo todo, que é o que está implícito no vídeo, é algo pouco sensato e espero que não seja uma prática que se generalize, pois lembremo-nos que o nome de Portugal estará nos próximos dias associado mediaticamente a figuras como o “Jel” e o “Falâncio”!



É verdade que em 1940, após a “Guerra de Inverno” com a URSS, a Finlândia foi ajudada por vários países ocidentais, nomeadamente por Portugal, com um carregamento de 19902 latas de sardinha, ananases, cobertores e cereais, cujo valor total a preços actuais corresponderia a cerca 200.000 Euros. Um esforço simbólico, mas significativo, de um povo que era e ainda é o mais pobre da Europa Ocidental.

Não creio que o espírito de actos humanitários do povo português, feitos com genuína generosidade, possa admitir que eles venham a ser transformados posteriormente em instrumentos de arremesso para serem jogados à cara de quem foi ajudado.

Vir lembrar o que aconteceu, com o intuito de "cobrar favores” é algo de demasiado deselegante e, digamos assim, até mesmo “rasca” (para utilizar um termo agora em moda), sendo no meu entender ofensivo para a memória de quem no século passado se empenhou em ajudar com genuino afecto, ainda que modestamente, um outro povo.



Somos um País que deu vários contributos para a humanidade e que o mundo conhece. Não é preciso andar a lembrar o que de positivo fizemos para sugerir uma eventual superioridade ou grandeza histórica.

A grandeza de Portugal não precisa de spots publicitários!

Spots onde há, para além do mais, o mau gosto de fazer uma comparação numérica entre os judeus salvos por Aristides Sousa Mendes e os salvos por Oscar Schindler, em paralelo com a qualidade futebolistica do Ronaldo português com o Ronaldo brasileiro.

Spots onde há o ridículo de colocar entre as nossas proezas ciêntificas a invenção do pastel de nata e o absurdo de, neste contexto, referir que no século XVIII o rendimento do Rei de Portugal era 30 vezes superior ao do Rei de Inglaterra.

Será que quem imaginou este "desfile" das nossas "grandezas" não pensou no risco de nos virem recordar dos nossos muitos "pecados":

O imenso tráfico esclavagista que fizemos durante séculos, a tenebrosa Inquisição com que o Estado Português conviveu de mãos dadas, a expulsão dos judeus, cujo reconhecimento como cidadãos nacionais de pleno direito fomos os últimos a concretizar na Europa (já no século XX) uma feroz ditadura de 48 anos, a anacrónica teimosia colonial que tantos milhares de mortos custou, a maior taxa de analfabetismo da Europa Ocidental, etc, etc….

O que penso que poderemos fazer, caso a Finlândia, venha a ser um entrave à concretização do empréstimo ao nosso País, é procurar activamente boicotar os produtos finlandeses, nomeadamente a NOKIA, aqui e em toda a parte onde possamos ter alguma influência.

Quanto a acções como esta, sinceramente creio que só produzirão o efeito contrário ao pretendido. A mentalidade que lhe está subjacente revela que há aqui gente algo confusa quanto à importância que alguns créditos históricos têm relativamente ao seu crédito financeiro para o futuro !