quarta-feira, dezembro 23, 2009

FELIZ NATAL- ou como o Natal e a Música puderam fazer a Paz, ainda que só por breves momentos

No primeiro Natal, nas trincheiras das Ardenas, durante a Primeira Guerra Mundial, aconteceram alguns pequenos episódios de confraternização entre inimigos!

Esses casos, encontram-se descritos em diários de guerra de soldados dos dois lados da contenda. Um deles terá envolvido o cantor da Ópera de Berlin, Nikolaus Sprink, entretanto recrutado para o serviço militar no exército imperial alemão!

Na noite de Natal de 1914, nas trincheiras dos dois lados, os soldados procuravam mitigar o frio, as saudades da família e o medo, fazendo o seu próprio Natal, com canções tradicionais das suas terras.

A música tocada num lado ouvia-se do outro, e quando Nikolaus resolveu cantar para os seus camaradas de armas alemães, do outro lado surgiu o som dos militares escoceses que o acompanharam na melodia.

Nessa noite, à revelia dos seus comandantes e dos Quartéis Generais, os soldados de um lado e de outro saltaram as barricadas, vieram para a” terra de ninguém” e abraçaram-se!

Noventa anos depois, o cineasta francês Christian Carion, resolveu recordar esse episódio de esperança na Humanidade, fazendo um magnifico filme chamado apropriadamente Feliz Natal!



E é exactamente um Feliz e Santo Natal, o que eu aqui venho desejar a todas as amigas e amigos que passam por este pequeno espaço, recordando particularmente que na noite de Natal que se aproxima há muitos homens e mulheres que, longe de suas casas e das suas famílias, se encontram em teatros de Guerra e, para quem, a Noite Santa terá decerto um significado íntimo que nós, no conforto dos nossos lares, apenas poderemos tentar imaginar!

Deixo aqui imagens desse filme, referindo que as vozes dos actores foram magnificamente dobradas pelos cantores Rolando Villazon e Natalie Dessay!



Um Feliz Natal para todos!

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Standards - Modos de interpretar

Felizmente que houve a inteligência de se registar em vídeo e passar na televisão as master classes de Elisabeth Schwarzkopf onde, para além das técnicas de abordagem vocal a obras específicas, ela era muito exigente quanto à necessidade de uma boa dicção e de uma correcta interpretação do sentido das palavras.

Tive a oportunidade de ver a transmissão de todos esses vídeos há longos anos na RTP e era muito interessante ver o que cantores profissionais, já experimentados, suportavam para poder aproveitar os ensinamentos da mestra.



Ensinamentos que, se pensarmos bem, tanto servem para o canto lírico, como para o canto ligeiro, já que quem se presta a pisar um palco para cantar palavras tem que as pronunciar correctamente e lhes dar o devido sentido.

Curiosamente Marco Paulo, ao ser um dia entrevistado sobre o seu insucesso nos festivais RTP da canção, queixava-se de si mesmo, reconhecendo que uns versos em que dizia “Sou tão feliz” nunca poderiam ser cantados da forma dramática como ele o fez…

Neste caso convenhamos que a culpa nem era só dele, quer a música, quer a orquestração empurraram-no para esse erro, que ele na altura não percebeu existir.

Se em vez de “Sou tão feliz”, cantasse “Estou bem lixado” (desculpem a vulgaridade) acabaria por resultar bem melhor com aquela música e com aquele arranjo orquestral!



Infelizmente apesar de termos muitos cantores, não temos muitos intérpretes, e o canto precisa de ser feito com a inteligência de quem sabe o que diz, dizendo algo com interesse e com sentido!

Bom, mas hoje não vou falar de portugueses, vou falar de Barbra Streisand cuja preocupação pelo sentido dos textos ficou patente, logo desde o início da sua carreira.

Barbra começou muito jovem e com o pé esquerdo! Levada pela mãe a uma editora discográfica, aconselharam-na a dedicar-se a outra profissão pois, segundo eles, a jovem Barbra não tinha qualquer jeito para cantar.

No entanto este mau começo não a fez desistir do seu sonho e, ainda adolescente, concorreu a um concurso de canto para jovens amadores e tendo ficado em primeiro lugar, começou então a sua carreira com um contrato para actuações num bar gay de Manhattan.

Aí, a notícia da qualidade das suas interpretações depressa se espalhou tendo passado rapidamente para artista residente de um night-club famoso na época, o Bon Soir, onde a novata Streisand se arriscava em versões muito pessoais dos standards da música americana.

Apresento dois deles, nas suas versões originais e, depois, nas versões de Streisand.

Começo por “Cry me a river”, canção que foi escrita para Ella Fitzgerald, mas que acabou por ser criada por Julie London, que lhe deu aquela que é considerada por muitos como a primeira e definitiva versão deste tema!



Quem reparar bem na letra verificará que ela retrata uma zanga amorosa feita em discurso directo!


Now you say you're lonely
You cried the long night through
Well, you can cry me a river
Cry me a river
I cried a river over you

Now you say you're sorry
For being so untrue
Well, you can cry me a river
Cry me a river
I cried a river over you

You drove me,
Nearly drove me out of my head
While you never she'd a tear
Remember?

I remember all that you said
Told me love was too plebeian
Told me you were through with me

Now you say you love me
Well, just to prove you do
Cry me a river
Cry me a river
I cried a river over you


Bom, temos aqui portanto uma mulher que se viu desprezada e até humilhada pelo namorado, uma mulher que sofreu muito por ele e que agora o vê voltar “esquecido” de tudo o que ele lhe dissera e fizera…

Face a este contexto, Barbra não adoptou a forma doce e suave de abordar a canção, que tornou famosa Julie London, cantou-a de um jeito sarcástico e até agressivo, a que quase só faltava a mão na anca e um tamanco a voar!

Consoante as audiências a sua interpretação era mais ou menos teatral! Para aqui escolhi a versão em que a actriz Barbra se revela completamente através da cantora Barbra. Trata-se de uma gravação ao vivo durante o concerto que deu no Central Park em 1967!



Ao contrário da versão de Julie London, esta não é decerto uma versão que se oiça calma e descontraidamente, como pano de fundo de uma conversa de amigos, em nossa casa! É preciso parar para a ouvir…

O mesmo acontece com a canção seguinte!

Ambas constantes do seu espectáculo no Bon Soir, foram gravadas no seu primeiro disco, que inicialmente teve uma edição modesta de apenas 500 exemplares, mas que depois teve que ser produzido em doses maciças tendo ido directamente para o primeiro lugar da lista de vendas, onde se manteve várias semanas!

É que na verdade, à semelhança do que acontecia com os clientes do Bon Soir, o disco surpreendia pela qualidade da interprete e muito particularmente pela sua versão de Happy Days Are Here Again, canção de 1929, que serviu para animar tropas, celebrar vitórias, de hino eleitoral de Roosevelt e depois do Partido Democrático.



So long sad times!,
Go 'long bad times!,
We are rid of you at last
Howdy, gay times!
Cloudy gray times,
You are now a thing
Of the past, cause:

Happy days are here again
The skies above are clear again
Let us sing a song of cheer again
Happy days are here again

Altogether shout it now!
There's no one who can doubt it now
So let's tell the world about it now
Happy days are here again

Your cares and troubles are gone;
There'll be no more from now on
Happy days are here again
The skies above are clear again
Let us sing a song of cheer again
Happy days are here again


Ora, como se vê, esta é uma canção com um texto de apelo político ao optimismo, que era cantada em comícios e que portanto teria que entrar bem no ouvido do público. Só que a verdade é que a música era quase infantil, o que levava a que, quando a multidão a cantava todos se riam pois sentiam-se tolinhos a entoá-la!

Streisand resolveu então alterar ritmicamente a canção! O texto que poderia ser o de um discurso, então teria que ter uma cadência mais adequada à seriedade e o empolgamento de quem pretendia transmitir uma mensagem!

Para isso, sem utilizar um tom declamatório, deu-lhe uma cadência mais lenta, que em vez de passar sentimentos de alegria, procurava passar sentimentos de euforia! Euforia provocada quer pelo novo arranjo orquestral, quer pela sua própria interpretação.

O sucesso desta versão foi tal que se tornou obrigatória até hoje nos espectáculos de Streisand e sempre que é tocada na forma original nos comícios do Partido Democrático é apenas em versão orquestral, sem que ninguém a queira cantar ao ritmo apresentado antes de Barbra!

Vamos ver a sua interpretação desta canção, também no mesmo concerto de Central Park de 1967!




E já agora numa emissão do Judy Garland Show de 1963, em que a já mais do que consagrada Judy chama a iniciante Barbra para cantarem em dueto duas canções em simultâneo! E, como aliás fica evidente no resto desse programa, tudo foi feito por Judy de forma a destacar a cantora mais jovem, que ela pressentia poder ser a sua sucessora natural!
É um momento de televisão magnifico para os apreciadores das duas cantoras!

Mirene Cardinalli - 40 anos depois

Completam-se amanhã 40 anos sobre o desaparecimento de Mirene Cardinalli!

Faleceu aos 27 anos, vitima de um brutal acidente de viação na “recta do Cabo”, no qual faleceu também o seu marido e ainda o jovem cantor Carlos Belo!

Possuidora de uma voz notável, à época da sua morte estava numa fase de viragem da carreira para um repertório completamente diferente do estilo do cançonetismo ligeiro mais comum na época.

Tinha em preparação com o compositor de baladas e canções de intervenção Vieira da Silva (também jornalista da revista Mundo da Canção), um disco onde incluiria entre outras a canção “Para a construção da cidade necessária”.

Ficaram-nos contudo os registos de algumas gravações, onde se evidenciam claramente as suas qualidades vocais e interpretativas:



O seu maior êxito popular, passado constantemente nas emissões de rádio, chamava-se “Julgamento”. Contudo, Mirene gravou outras canções, talvez até mais interessantes, incluindo a versão mais conseguida de Vocês Sabem Lá, que em nada fica atrás da versão original de Maria de Fátima Bravo.

Fica aqui pois a memória desse êxito popular e da sua intérprete, ainda presente na memória de todos os que admiravam, sabendo que se fez decerto muita falta ao mundo artístico português, terá feito obviamente, uma falta humanamente mais forte aos seus dois pequenos filhos, que nesse dia 19 de Dezembro de 1969 perderam em simultâneo Pai e Mãe!

terça-feira, dezembro 15, 2009

Standards

Constatei já há muito tempo que, ao contrário do que acontece no canto lírico e na música ligeira dos outros países, os cantores portugueses, regra geral não gostam de cantar os “standards” da nossa música.

Cantar um standard é submeter-se a uma prova, a uma comparação inevitável em que, ou se supera o já criado ou, simplesmente, se é mais um a cantar essa música.

Também pode acontecer que haja uma visão tão diferente da canção que leve a uma espécie de recriação do tema, a qual só tem sentido se for mesmo boa.

Interpretar standards é, portanto, um exame a que os artistas de quase todo o mundo voluntariamente se submetem, uma prova permite ao público avaliar melhor as suas capacidades vocais e interpretativas, assim como a da lucidez na escolha de repertório.

Cantar standards é indubitavelmente uma forma de enriquecimento do património que essas peças representam na história da música.

Para mim e para uma grande parte do público e dos críticos “Over de rainbow” é uma prova da excepcionalidade de Judy Garland, mas nem por isso deixou de ser uma aposta de muitas outras vozes, quase todas ficando aquém de Garland e não acrescentando nada à canção.

Contudo, nem por isso, ao longo dos tempos de Doris Day a Eric Clapton, de Frank Sinatra aos The Guns and Roses, mais de uma centena de cantores interpretaram “Over the rainbow”

Vemos aqui Garland, em 1943, cantando-a para os soldados americanos.



Mas quando à partida uma música tem um intérprete excepcional, como foi o caso de Garland, o caminho a seguir é o da recriação!

E foi o caso do surpreendente Israel Kamakawiwo'Ole, que mais de 50 anos depois da canção ser criada, a transformou radicalmente, dando-lhe uma nova dimensão que, por isso mesmo não compete com a versão original!

Esta sua recriação foi um verdadeiro sucesso de vendas em 1993, para mim, perfeitamente justificado.



Israel Kamakawiwo'Ole, mais conhecido no Hawai por Iz, teve um enorme sucesso, mas uma vida muito curta, a sua obesidade acarretou-lhe graves problemas de saúde, chegando a pesar quase 350 kg, o seu coração não resistiu e faleceu com apenas 38 anos em 1997.

Iz deixou com esta canção um legado, havendo agora seguidores que em vez de tentarem imitar Garland, o que na verdade não será nada fácil, pensam que copiar o estilo de Israel Kamakawiwo'Ole pode dar melhor resultado. Também, aqui as imitações não têm tido grande sucesso!

Um dos meus maiores prazeres ao tentar conhecer bem uma canção ligeira é exactamente descobrir novas facetas que novos interpretes podem oferecer a temas consagrados. E é isso mesmo que irei abordar em próximos posts!

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Cadeira Vazia

No passado dia 26 de Novembro Mariza esteve em directo, na Rede Globo, em entrevista no Programa do Jô!

Nesse programa interpretou uma canção criada em 1950 pelo grande cantor brasileiro Francisco Alves e que mais tarde, pela voz de Elza Soares e sobretudo pela de Elis Regina, ficaria para sempre imortalizada.

Chama-se essa canção "Cadeira Vazia"!

Aparentemente, de acordo com o decorrer da entrevista, essa sua interpretação terá sido um improviso!

Contudo, todos sabemos que em televisão os improvisos, são normalmente ensaiados, mas o que é certo é que, improviso ou não, a dada altura Mariza perdeu-se na partitura, mas simultaneamente demonstrou que não é por acaso que é a melhor sucedida das cantoras portuguesas, na actualidade!

Para mim, que tenho acompanhado com alguma curiosidade a sua carreira e as críticas que ela levanta junto dos mais tradicionalistas do fado (a que se pode chamar mais propriamente despeito), ela teve com esta interpretação de "Cadeira Vazia" uma verdadeira prova de fogo, que ultrapassou brilhantemente, apesar dos precalços pelo meio.

Termino pois com música a duas vozes e, naturalmente, com esta "Cadeira Vazia"! Primeiro com Mariza, no referido programa de Jô Soares:




E depois com a insuperável Elis Regina, que começa esta canção limpando as lágrimas da sua emoção, após ter interpretado magistralmente uma das mais intensas obras de Chico Buarque: "Atrás da Porta".

Não consigo pois resistir a colocar aqui as duas canções, exactamente na sequência em que foram apresentadas em 1980, pela saudosa "Pimentinha":

Atrás da porta


Cadeira Vazia