terça-feira, setembro 22, 2009

Democracia



O caso da alegada espionagem feita pelo Governo ao Palácio de Belém teve ontem desenvolvimentos e, por força da natureza das coisas, terá decerto, nos próximos dias, novos episódios.... Aliás, para bem da Democracia, é absolutamente essencial que os tenha.

Retomo, pois, o tema através de duas citações:

A primeira de um
texto da TSF, do passado dia 18, prende-se com o que foi publicado no Diário de Notícias, fazendo um resumo muito elucidadivo do assunto (os sublinhados são meus):

"No texto publicado pelo Diário de Notícias afirma-se que a iniciativa para tornar pública a suspeita partiu do próprio chefe de Estado.

É isso que diz Luciano Alvarez, editor do Público, no e-mail que enviou a 23 de Abril de 2008 a Tolentino Nobrega, o correspondente do Jornal na Madeira.

Alvarez informa-o que se reuniu com Fernando Lima, a pedido deste, e que a conversa começou com o assessor de Cavaco Silva a dizer que estava ali a pedido do chefe de Estado para falar de um assunto grave.


E qual era o assunto?


O Presidente da República acha que o gabinete do primeiro-ministro o anda a espiar e que a maior prova disso tinha sido o facto de José Sócrates ter enviado um funcionário do Ministério da Administração Interna à Madeira só para espiar os passos do presidente e dos homens do seu gabinete durante uma visita ao arquipélago.

Luciano Alvarez relata depois que Fernando Lima lhe entregou um dossier sobre Rui Paulo da Silva Figueiredo, o tal elemento do MAI.


O editor do Público explica depois a Tolentino Nobrega porque lhe escreve: «é que para fazer caminho no jornal, a história tem de começar, com todo o cuidado, na Madeira».


Aliás, continua Luciano Alvarez, é também esse o interesse da presidência da República, tal como lhe disse Fernando Lima.

Belém queria que a notícia fosse revelada a partir do arquipélago para não parecer que foi alguém da presidência que soltou a história, mas sim alguém ligado a Alberto João Jardim.

A seguir, Alvarez propõe a Tolentino Nóbrega dois ângulos de investigação que lhe tinham sido sugeridos pelo próprio Fernando Lima.


O editor do Público revela mais adiante que o assessor de Cavaco lhe sugeriu que tratasse com ele desta história por e-mail porque a presidência está com medo das escutas.




Luciano Alvarez sublinha ainda que esta história só é do conhecimento do presidente da República, do Lima, do director do Público e dele próprio.


O e-mail enviado ao correspondente na Madeira termina com um estímulo e «um abraço e vai-te a eles».


Contactado pelo Diário de Notícias, o jornalista do Público, Luciano Alvarez, afirma também que este e-mail nunca existiu.


Já Tolentino de Nóbrega recusou comentar a notícia, alegando que se trata de um assunto interno do jornal.


A TSF procura ainda esclarecimentos junto da presidência da República, mas até agora sem qualquer sucesso."






A segunda citação que aqui trago é a de um texto de Mário Crespo intitulado CRIME PÚBLICO, e que foi publicado ontem no Jornal de Notícias, após Fernando Lima ser demitido por Cavaco, o que configura, na prática, a admissão de que procedimentos graves terão sido cometidos por aquele membro da equipa presidencial:

"Portanto, o Governo está a espiar a Presidência da República!

Gravíssimo!

Que fazer?

Há várias alternativas para um presidente espiado.

Denunciar o Governo espião e dar-lhe um ralhete exemplar em público (nunca no "Público") utilizando uma comunicação nacional na TV como o fez com irrepreensível dramatismo e inigualável teatralidade com o estatuto dos Açores.

Desta vez, teria de incluir a demissão do Parlamento e a convocação de novas eleições. O caso não seria para menos. Um governo a usar serviços secretos do Estado para espiar outro órgão de soberania exige demissões e eleições.

Mas não.

O presidente da República, o mais alto magistrado da nação, o comandante em Chefe das Forças Armadas, sabe que está a ser espiado. Tem a certeza disso porque, da sua doutrina passada ficou o axioma de que "raramente se engana e nunca tem dúvidas". Estando a ser espiado qual é a actuação realmente presidencial para este caso?

Exigir do procurador-geral da República uma investigação imediata?

Convocar o Conselho de Estado (já com a respeitabilidade recuperada desde a saída de Dias Loureiro)?

Fazer uma comunicação ao Parlamento como é seu privilégio e, neste caso, obrigação?

Nada disso!

A Presidência de Cavaco Silva, através da sua Casa Civil, decide encomendar (mandar fazer in: Dicionário Porto Editora) uma reportagem a um jornal de um amigo.

Como os jornalistas são, por vezes, um bocado vagos e de compreensão lenta, a Casa Civil da Presidência da República achou por bem ser específica na encomenda dando um briefing claro a pessoa de confiança no jornal.

"Vais falar com fulano e pergunta-lhe por sicrano, vais aqui, vais ali, fazes isto e aquilo e trazes a demasia de volta".

O homem ainda tentou cumprir com a incumbência, mas a coisa não tinha pés nem cabeça e parece que lhe disseram isso repetidamente.

Por isso, logo, por causa disso, houve mais um ano e meio de fartar espionagem, enquanto no Pátio dos Bichos continuavam todos a ouvir vozes.

Cavaco Silva deve ter tido uma birra monumental com a sua Casa Civil e mandou perguntar ao amigo do jornal: "Sócrates está quase a ser reeleito e essa notícia não sai"?

Como o que tem de ser tem muita força, a história lá saiu. Mal-amanhada, mas era o que se podia arranjar.

Lá se meteu a Madeira no meio porque, como ninguém gosta do Jardim, gera-se logo um capital de boa vontade.

Depois, como tinha pouca substância, puseram na mesma página duas colunas ao lado a dizer que, há uns anos, o procurador-geral da República tinha dito que também estava a ser escutado, e a encomenda ficou mais composta.

Que interessa que tudo isto seja bizarramente inverosímil? Nos média, o que parece, é.

Cavaco Silva julga que está a ser escutado, portanto, está a ser escutado, tanto mais que o seu recente depoimento presidencial é que "não é ingénuo".

Com tudo isto, fica-me uma certeza. O trabalho de reportagem do "Diário de Notícias" é das mais notáveis e consequentes peças jornalísticas na história da Imprensa em Portugal.

O e-mail com registos claros da encomenda feita por Fernando Lima não é "correspondência privada" que se deixe passar pudicamente ao lado. É uma infâmia pública de gravidade nacional que exige denúncia.

Invocar aqui delações, divulgação de fontes ou violação de correspondência é desonesto.

Ao ver o Presidente e a Casa Civil metidos nisto fica-me também uma inquietante dúvida. Aníbal Cavaco Silva, referência do PSD, ainda tem condições para continuar a ser o presidente de Portugal depois de causar uma trapalhada desta magnitude a dias das eleições? "




Penso que a dúvida final levantada por Mário Crespo tem toda a legitimidade e é aí que a Democracia portuguesa tem que se focar de imediato.

Há coisas que são tão graves que não se podem deixar passar em claro!

Há coisas que forçosamente têm de ser esclarecidas.

Não sei que esclarecimentos irá prestar Cavaco Silva, se é que os vai prestar!

Contudo, sejam eles quais forem, o próximo Parlamento tem poderes constitucionais para tratar este assunto, que deverá, pela sua extrema gravidade, ser encarado como prioritário e urgente e ir, sem hesitação, até às últimas consequências!

Se o Parlamento não o fizer, por medo, inacção ou simples calculismo político, compete aos cidadãos fazer todas as pressões ao seu alcance para que ele cumpra o seu dever!

A demissão do assessor!


Cito a primeira parte de um texto do DN on-line de ontem:

"O Presidente da República, Cavaco Silva, afastou hoje Fernando Lima do cargo de responsável pela assessoria para a Comunicação social, que passará a ser desempenhado por José Carlos Vieira.

Segundo disse à Lusa uma fonte oficial da Presidência da República, trata-se de uma "decisão do Presidente da República".

No 'site' da Presidência da República o nome de José Carlos Vieira já se encontra como o assessor para a Comunicação Social.

Na sexta-feira passada, o Diário de Notícias denunciou que o caso das alegadas escutas a Belém tinha sido encomendado por Fernando Lima a um jornalista do jornal Público."


Quando alguém é demitido é porque, quem o demite, considera que foi feito algo de muito errado!

Ora os acontecimentos que deram origem a esta demissão não são de ontem.

Ocorreram à dezoito meses e foram objecto de publicação, no passado mês de Agosto pelo "PÚBLICO" (portanto já em época de pré-campanha eleitoral).

Sobre eles, durante todo este tempo, Cavaco Silva nada fez, senão dizer um conjunto de banalidades que serviram apenas para adensar suspeitas sobre uma hipotética vigilância do Governo à Presidência! Algo que talvez, por mera coincidência, se harmonizava com o discurso de "asfixia democrática" que a lider do PSD vinha utilizando com permanente insistência....

Entretanto, já há várias semanas que o nome de Fernando Lima fora citado por Francisco Louçã, como a "fonte" do PÚBLICO, dado que, segundo parecia, a identidade da "fonte anónima de Belém", era já do conhecimento geral nos mundos da política e da comunicação social!

Como não é plausível que Francisco Louçã conheça melhor do que o Presidente o que se passa no Palácio de Belém, resta-me concluir que Cavaco Silva já sabia há bastante tempo desta história, pelo que, das duas uma:

Ou teria sido o Presidente o verdadeiro instigador da passagem de informações ao "Público", tal como parece retirar-se das notícias publicadas pelo DN, pelo que a demissão do assessor Fernando Lima é uma forçada operação cosmética, para limitação de danos na imagem de Cavaco Silva.

Ou, não o sendo, o Presidente encobriu conscientemente, ao longo de todo este tempo, um comportamento gravíssimo do seu assessor, e só após o escândalo que resultou da publicação do DN, se viu obrigado a demiti-lo.

Seja como for, é suposto que a Instituição que representa a Chefia de um Estado tenha um comportamento confiável, sério e digno.

Mandar fazer intriga política com orgâos de comunicação social "amigos", ou encobrir intriguistas que semeam informaçãoes falsas e insinuações, para atingir outras Instituições do Estado nem é sério, nem é digno e retira a este Chefe do Estado a credibilidade e respeitabilidade que o cargo naturalmente exige.