sábado, abril 25, 2009

25 de Abril

Em 25 de Abril de 1974 vivi o dia mais emotivo e festivo da minha vida.

Tive a felicidade de poder percorrer nesse dia os principais pontos da Baixa e do Chiado, incluindo o Largo do Carmo e havia, em toda a gente, uma alegria incontida e uma esperança profunda de que a Ditadura iria terminar.

Eu e a minha geração fomos testemunhas de momentos que só acontecem uma vez na vida!

Tinha 18 anos e pude desde logo perceber que o destino do País e o meu próprio destino iriam decerto mudar. Iriamos finalmente ser livres, não teriamos mais que falar baixinho e olhar para o lado para ver se algum informador da Pide estava por perto. O fim da guerra seria inevitável, todos o sabiam, todos o sentiam!

Que alegria maior poderia haver!

quarta-feira, abril 22, 2009

O Preço



Como foi noticiado por vários órgãos de comunicação social, a Câmara de Santa Comba Dão resolveu incluir no seu programa comemorativo do 25 de Abril a “Inauguração da Requalificação do Largo António de Oliveira Salazar….”




O senhor Presidente da Câmara de Santa Comba Dão diz que se trata de um acto sem qualquer significado político, havendo apenas uma mera coincidência de datas.

Trata-se obviamente de uma patetice feita claramente com intuitos provocatórios!

Talvez convenha então lembrar duas coisas bem simples:

A primeira é que se quiséssemos encontrar um exemplo de tolerância e superioridade cívica do regime democrático saído do 25 de Abril, a simples possibilidade de realização deste acto, em que está implícita uma homenagem a Salazar, seria decerto uma escolha evidente. Uma escolha triste, mas significativa do respeito que a Democracia tem, até pelos seus maiores adversários!

Decerto que o senhor Presidente da Câmara de Santa Comba Dão saberá bem que tipo de “homenagens” Salazar reservava aos seus adversários políticos!

A segunda, é que um político, um qualquer político, seja de esquerda ou de direita, deve ter uma atitude adulta e responsabilizar-se pelos actos que pratica. Se quer marcar uma posição contrária ao 25 de Abril que o faça frontalmente e tenha a coragem de assumir as suas ideias e os seus objectivos. É isso que o povo, que elege um político, espera dele e não provocações infantilmente encobertas que só desprestigiam e menorizam a política.

Isto é demasiado pequenino, pateta e patético, mas é simultaneamente revelador da qualidade do poder local que temos

E infelizmente esta falta de qualidade está espelhada de norte a sul do País, e espalhada de um lado ao outro do espectro político.

Recordo um outro facto, que na altura em que ocorreu não tomei conhecimento e só resolvo falar dele agora, porque me parece igualmente grave e... mais vale tarde do que nunca.

Em Fevereiro de 2008 passaram 100 anos do regicídio. A Câmara Municipal de Castro Verde achou por bem, para assinalar o facto, homenagear um dos regicidas, natural desse concelho.

Homenagear um assassino? Será que a Câmara Municipal de Castro Verde se deu conta do sinal que transmitiu com essa atitude? Será que para a Câmara Municipal de Castro Verde o assassinato é um instrumento político válido? Será que para este município alentejano a distância histórica valida o princípio de que os fins justificam os meios?



A Democracia, com a Liberdade que comporta, tem a virtude de revelar a nossa verdadeira natureza. Neste caso a verdadeira qualidade dos nossos autarcas!

Da patetice à perfeita inconsciência, parece que temos de tudo nas autarquias do nosso país. Este é, afinal, o preço que temos de pagar para hoje podermos falar à vontade, para podermos manifestar livremente as nossas opiniões, para podermos escolher (mal ou bem) o nosso destino colectivo!

Creio que, apesar de tudo, é um custo que vale a pena suportar. Pois só a Liberdade dá a completa dignidade a que qualquer ser humano, a que qualquer povo tem direito! E a nossa dignidade não tem preço!

Só por isso o 25 de Abril já valeria a pena!

domingo, abril 19, 2009

vencer o preconceito

Hoje vou falar de algo que possivelmente toda a gente já viu e comentou mas de que eu, como ando desatento, só anteontem me dei conta.

Embora ache magnifico que se procurem novos talentos, nunca fui apreciador do formato de alguns programas de televisão que sob o pretexto de darem a oportunidade a amadores para mostrarem as suas capacidades, fazem espectáculo da humilhação pública dos que têm menos vocação, ou até a falta da lucidez necessária para perceber que não a têm…

Entretanto ao fazer a minha ronda habitual por dois blogues excelentes, que são exemplos notáveis de intervenção cívica – o “Luís Marques da Silva, Arquitectura” e o “Lesma Morta” encontrei algo que se passou na última quinta-feira na televisão britânica.

Num desses programas Britain’s Got Talent, apareceu uma senhora que foge a todos os padrões habituais, em que se esperam encaixar as aspirantes a “artista”, e a reacção do júri e do público ao vê-la foi, a que é habitual nestes casos.

O vídeo que se encontra disponível no youtube (clicar aqui) dá-nos então uma visão das atitudes que uma situação dessas comporta e dá-nos também uma excelente lição de vida. Dá-nos até bem mais do que isso….



Claro que o que se encontra nesse vídeo não deixou ninguém indiferente. O vídeo foi colocado na internet e em 24 horas já tinha sido visto por 12 milhões de pessoas, Susan Boyle foi hoje entrevistada, via satélite, por Larry King na CNN e Oprah Winfrey também já solicitou a sua presença.

Boyle que está desempregada e que vive numa pequena povoação escocesa em casa de seus falecidos pais, de quem cuidou até à morte, passou do anonimato a notícia de primeira página, quer pelo que aconteceu no programa, quer por depois ter sido divulgado que é virgem e que nunca havia sido beijada por um homem.

Esta mulher, que com toda a simplicidade conseguiu passar a mensagem de que é mais importante o conteúdo do que a embalagem, apenas quis cumprir um sonho que a vida até então a tinha impedido de viver.



Espero que finalmente o consiga!

quarta-feira, abril 15, 2009

Novidades do Brasil

Venho hoje dar nota que iremos ter na capital portuguesa, entre outros, três espectáculos vindos do país irmão e que merecem alguma atenção:

O primeiro a chegar será a peça “O Homem Inesperado” da já consagrada autora francesa Yasmina Reza.

De hoje até 3 de Maio o casal de actores Nicete Bruno e Paulo Goulart estarão entre nós no Teatro Tivoli representando uma peça que foi já sucesso nos palcos das principais cidades do mundo.



A peça traz-nos a história de uma mulher que inesperadamente tem, numa viagem de comboio entre Paris e Frankfurt, como companheiro de viagem, o seu escritor predilecto.

Apesar de sozinhos no mesmo compartimento, nenhum se atreve a entabular conversa com o outro e apenas vamos sabendo o que o vai fluindo no pensamento de cada um.

Pensam na vida, nos sonhos realizados e desfeitos e das alegrias e tristezas que a existência comporta e pensam no companheiro de viagem, tentando desvendar que pessoa verdadeiramente estará na sua frente.

Vamos percorrendo, com as personagens, os anseios de dois seres, já com muitos anos de vida, e que se encontram ambos à beira da solidão.



Segundo rezam as crónicas de São Paulo e do Rio de Janeiro as interpretações dos actores estão à altura da sensibilidade e da qualidade do texto.

Trata-se de uma tarefa algo complicada, pois este é um texto que serviu já grandes actores: Alan Bates protogonizou-o em Londres e Nova Iorque e Phillipe Noiret em Paris.

Veremos o que nos traz este nosso conhecido casal de simpáticos actores, que aos 76 anos vêm fazer uma aposta arriscada a Lisboa, já que não está a haver qualquer promoção publicitária do seu espectáculo.



Com grande curiosidade também aguarda-se a chegada do musical de Chico Buarque Gota d’Água, que percorrerá o país, apresentando-se no CCB de 6 a 9 de Maio.

Gota D'Água" tem a actriz Izabella Bicalho como protagonista.

O nome Izabella Bicalho pode não dizer muito aos espectadores portugueses, mas aos que eram criança nos idos anos 80 lembrar-se-ao dela como a Narizinho do Sítio do Picapau Amarelo.




Entretanto Izabella cresceu e tornou-se, segundo as criticas do lado de lá do Atlântico, numa actriz magnifica e numa excelente cantora.

Cito agora o JN de 16 de Março último:

A origem deste musical remonta a 1975, quando Chico Buarque e Paulo Pontes adaptaram a tragédia "Medeia", de Eurípedes, à realidade brasileira, dominada pela censura federal e repressão ideológica.

Com uma grande carga poética, o espectáculo emocionou na altura a crítica e o público, tornando-se um grande sucesso no Brasil.

Passados 30 anos, o espectáculo foi apresentado numa abordagem contemporânea, com novos arranjos musicais, tendo recebido vários prémios no país, tendo estreado no Rio de Janeiro em 2007.

Nesta nova versão, a personagem feminina, Joana, é uma mulher batalhadora que vive nos subúrbios de uma grande cidade brasileira, a Vila do Meio-Dia, e que um dia é abandonada pelo marido, que a troca por uma mulher muito mais jovem e rica, filha de Creonte.

Enquanto a mulher fica destroçada pela dor da traição, Jasão, o ex-marido, vive dias de felicidade ao lado de Alma, desfrutando do sucesso do samba "Gota D'Água", que não pára de passar nas rádios da cidade”


Entretanto para quem conhece Medeia, é sabido que a história acabará por ter um final extremamente dramático. Final que se repete nesta Gota d’Água.

Em 1975 a peça foi protagonizada pela grande Bibi Ferreira. Agora teremos Izabella Bicalho, e ao deixar aqui algumas imagens do espectáculo, perceber-se-á que a escolha da antiga “Narizinho” foi igualmente notável, apesar do som e da imagem obtidos por telemóvel serem infelizmente pouco adequados.



Por último gostaria de assinalar o regresso a Lisboa de Edson Cordeiro, que no próximo dia 14 de Maio estará de novo em Lisboa, desta vez no auditório dos Oceanos.

Cordeiro que continua a ser um sucesso em todas as suas apresentações terá desta vez como acompanhantes o terceto de jazz Klazz Brothers.

Para quem não conhece este contratenor brasileiro, direi que ele é perfeitamente eclético, indo da canção popular brasileira à Ópera, passando pelo Jazz.

Raramente Edson Cordeiro deixa os espectadores indiferentes.

Deixo aqui uma sua interpretação de uma ária da Ópera Rei Artur de Purcell, filmada o ano passado num espectáculo realizado em Berlim. Espero que gostem!

terça-feira, abril 14, 2009

Lisboa 2009



Ontem surgiu um Apelo para a Convergência da Esquerda em Lisboa, tendo em vista as próximas eleições autárquicas.

Nada mais natural, dado existir já uma convergência dos partidos mais à direita para este mesmo efeito!

Penso que seria útil para a democracia que desta vez houvesse a possibilidade de uma escolha muito clara entre dois modelos de governação da cidade, entre duas formas de ver Lisboa.

Permito-me citar de cor as palavras do Arquitecto Aquilino Ribeiro Machado, um dos porta-vozes desse Apelo, quando diz que mais do que construção Lisboa precisa de recuperação e de reconstrução.

A Lisboa que eu conheci em criança, tem sido, ao longo de décadas, paulatinamente destruída por efeito da especulação imobiliária.








Zonas inteiras da cidade encontram-se perfeitamente descaracterizadas e antes que desapareça o pouco que ainda resta da beleza e do romantismo que os nossos antepassados imprimiram nas pedras de Lisboa, é tempo dos seus cidadãos intervirem e seja nos partidos, seja em movimentos cívicos, lutarem em favor daquilo em que acreditam.

A apatia dos cidadãos leva a que os oportunistas e os especuladores ocupem todo o espaço.

No meu caso concreto apoio sem reservas este Apelo, pelo que deixo aqui o respectivo link para quem igualmente o desejar subscrever.

http://www.petitiononline.com/porlx/petition.html

António Borges ontem disse na RTP que este apelo é um acto de desespero da Esquerda, pois já percebeu que Santana Lopes pode ganhar em Lisboa.

E isso não será motivo para desesperar, não apenas a Esquerda, mas todo e qualquer cidadão sensato e amante desta cidade?

Termino com o desejo que, da Direita à Esquerda, o apego à competência, ao rigor e aos interesses da capital não seja estranho ao Amor e ao Respeito que devem ter pela cidade de Lisboa e não repitam estes tristes exemplos que nas últimas autárquicas deixaram espalhados pela nossa capital, desfigurando as suas praças.





terça-feira, abril 07, 2009

L'Aquila

L'Aquila era, até ontem, uma das muitas belas e tranquilas cidades italianas.

Fundada no séc. XIII por Frederico II, um dos mais cultos e reformadores monarcas que dirigiram o Sacro Imperio, viu com o terramoto de ontem, destruído muito do seu património e desaparecer tragicamente muitos dos seus habitantes.



Esta cidade foi, pode-se dizer, uma verdadeira criação daquele monarca, que fez deslocar as populações de 99 lugares diferentes para a povoar.



Como esteio edificador da cidade e simultaneamente como elemento de respeito pelas naturais diferenças, cada um dos 99 grupos populacionais construiu a sua própria Igreja e as suas proprias habitações, e por isso mesmo, durante muito tempo L'Aquila foi conhecida como a cidade das 99 Igrejas.



Apesar de muitos desses templos terem entretanto desaparecido, L’Aquila ("a águia" de Frederico) manteve-se uma cidade repleta de monumentos magnificos e preservou uma zona histórica medieval muito bela.



Ontem infelizmente, muitas marcas da história desse passado grandioso desapareceram e muitas vidas de pacatos habitantes que nela viviam foram ceifadas.



Perante esta calamidade, resta a manifestação solidária de tristeza e pesar por uma perda que não é apenas de Itália, mas sim de toda a Humanidade!

sexta-feira, abril 03, 2009

Um título de um filme

Depois de uma ausência prolongada, volto hoje aqui, e de uma forma um pouco mais pessoalizada do que é habitual!

Como saberão os meus caros amigos deste percurso bloguistico, são questões do foro familiar que inibem a minha vinda regular a este espaço.

Entretanto, resolvi hoje vir até aqui matar saudades e em jeito de desabafo, falar de algo que, de algum modo, hoje ou amanhã pode vir a afectar cada um de nós.

Todos sabemos que a idade ao avançar pode trazer consigo problemas sérios. Infelizmente, nem todos têm a sorte de “morrer cheios de saúde” aos 100 anos, pacificamente, durante o sono.



Muitos, na verdade, começam a partir aos poucos, perdendo a lucidez, ficando sem mobilidade e vivendo os seus dias entre a apatia e o crescente sofrimento físico.

É de uma forma genérica, o que se passa com os meus pais, ambos já octogenários e foi portanto, esta situação, que ao surgir de forma repentina, veio mudar radicalmente a minha vida, como seu filho único.

Esta situação inesperada que refiro aconteceu de uma forma que eu, como leigo em Medicina, desconhecia existir.

Ao ser diagnosticada à minha mãe a doença de Alzheimer, cujos sintomas mais fortes eram esquecimentos e dificuldades em certos raciocínios foi-lhe passada uma medicação específica para o problema. Até aqui tudo bem!



O facto é que, não só os efeitos secundários desse medicamento foram extremamente debilitantes, mas também lhe provocaram o chamado “efeito paradoxal”, efeito cuja existência ignorava por completo.

Este efeito caracteriza-se pelo facto de uma determinada medicação poder fazer exactamente o oposto do que deveria. E foi o que aconteceu!



No espaço de 15 dias a minha mãe, que apesar dos esquecimentos e confusões era autónoma na sua higiene pessoal e conseguia desempenhar pequenas tarefas diárias, tornou-se totalmente dependente, perdeu a noção do tempo e do espaço, ficou quase sem mobilidade e perdeu inclusive a capacidade de mastigar alimentos.

Uma transformação tão profunda levou naturalmente a uma nova acção médica, para que pudesse ser revertida, e foi o que se tentou e parcialmente se conseguiu.

O resultado final, contudo, foi que apesar de recuperar um pouco da lucidez e a capacidade de comer sozinha, perdeu definitivamente muita da sua mobilidade, tornou-se incontinente e ficou completamente dependente para quase todos os actos da sua vida quotidiana.

Quando um filho (no meu caso único) vê um panorama destes com a sua mãe, agravado pelo facto do seu pai padecer de um linfoma há largos anos, terá necessariamente que procurar com rapidez soluções práticas de ajuda e apoio.



Na sequência dessa procura e de alguns meses de uma vida completamente baralhada, o que aqui gostaria de deixar hoje, como registo, não são as minhas atribulações pessoais, que felizmente vou resolvendo, mas sim afirmar que vivemos num mundo que não se encontra minimamente preparado para ajudar os idosos relativamente a situações naturais e que se sabe, serem para muitos, inevitáveis!

A debilidade, a doença, a impotência perante a decadência física, a perda da independência, são o que de mais dramático pode suceder a qualquer um de nós, e quando a idade transporta consigo estes problemas, cabe a alguém resolvê-los!

Às familias naturalmente! Mas se elas não existirem? Ou se elas não tiverem meios para o fazer?

Não caberia ao Estado um papel na resolução deste problema?

Como o Estado não ajuda, ou o destino, ou alguém de família terá que se encarregar de resolver as questões.

Mas face aos meios que existem e face à impreparação prática que todos temos nestas questões, dificilmente se tem a certeza de que a solução encontrada é a melhor!

O que fazer? Manter os idosos em casa, ou institucionalizá-los? E quando ambos os membros do casal de idosos ainda estão vivos, como agir face aos meios disponíveis?



Depois de ter visitado muitos lares e instituições, vi lugares terríveis e vi lugares óptimos, com todas as condições.

Claro que os preços eram bastante diferentes.

Para um casal, pode-se esperar que nos peçam entre os 2000 e os 5000 Euros! Sendo que devo confessar que, pelo que vi, nem sempre há uma relação directa entre a qualidade e o preço!

Pergunto, entretanto a mim mesmo, quantas pessoas em Portugal terão a disponibilidade, face a um problema como o meu, de avançar para encargos em lares onde haja o mínimo de qualidade e dignidade?

Como resolverão o problema, os honestos trabalhadores deste país, com salários baixíssimos, cujos pais idosos recebem reformas miseráveis?

No meu caso concreto, a opção foi ainda manter os meus pais na sua residência, levando-me a mudar-me de armas e bagagens para a sua casa e tendo um encargo adicional mensal, digamos que algo volumoso, para vários tipos de apoios domiciliários.

E embora o mais duro de tudo, seja saber que o resultado final deste esforço, não irá trazer-lhes de volta a saúde, interrogo-me diariamente sobre o que fazer caso a situação deixe de ser gerível em casa?

Graças a Deus não me posso queixar muito do que vida me deu e dos meios que possuo, mas a vida, com estes contornos, tornou-se algo assustadora e a percepção de que ser rico neste pais faz a diferença entre a tranquilidade e o sofrimento, dá-me a imagem de um triste e obsceno obstáculo, cujo direito a ultrapassar me é, como à maioria, negado .



Num dos últimos internamentos do meu pai, devido à sua doença oncológica, estava na mesma enfermaria um idoso, que a família “abandonara” no hospital!

Sinceramente não me vejo a tomar uma atitude dessas, mas será correcto que um sistema público de solidariedade social, de um país europeu no séc. XXI, repleto de auto-estradas e qualquer dia de linhas de TGV, empurre para cima de familiares pobres e sem capacidade de resolver os problemas, doentes em estado terminal, ou com dependências gravíssimas?

Desgraçadamente nenhum dos governos que tivemos teve a decência de se preocupar com estes problemas.

E pelo que se vê, nenhum dos governos possiveis para vir no futuro proximo o irá fazer também.



Há cerca de 15 anos trabalhei em serviços públicos ligados à problemática da habitação social e não me consigo esquecer dos rostos de algumas senhoras de sessenta e muitos anos, que lá iam desesperadas à procura de casa.

Eram mulheres sós, que viveram largos anos tomando conta de idosos. Mulheres sem família que após o falecimento das pessoas que tiveram a seu cargo ficavam abandonadas à sua sorte e sem um tecto!



Recordo-me do rosto delas, primeiro ansioso, depois desesperado quando percebiam que não havia qualquer solução habitacional para elas.

Recordo-me que voltavam, que insistiam e que à força do desespero e da desesperança que crescera dentro delas, os sinais de perda da lucidez começavam a aparecer.

Algumas, após esgotarem os seus modestos pés-de-meia em pensões baratas ou quartos alugados, o melhor que conseguiam eram alojamentos disponíveis para sem-abrigo. Entretanto deixavam de aparecer… O processo ficava definitivamente arquivado!

Mas havia sempre outra e mais outra e a história voltava a repetir-se.

Olhando para os problemas que defronto e recordando muito do que já vi, ironicamente vem-me muita vez à memória o título de um filme relativamente recente: