quinta-feira, setembro 21, 2006

O academismo, as intenções, as manipulações, as confuções e a dignidade das funções

Excertos da palestra
"Fé, Razão e a Universidade: Memórias e Reflexões" de Bento XVI
na Universidade de Regensburg.

"A universidade também tinha muito orgulho nas suas duas faculdades de teologia. Este profundo sentido de coerência no universo da razão não foi perturbado nem mesmo quando se soube que um colega tinha dito que havia algo estranho com a nossa universidade: duas faculdades que se ocupavam de uma coisa que não existia - Deus.
Mesmo perante um cepticismo tão radical, continua a ser necessário e razoável colocar a questão de Deus através do uso da razão, e fazê-lo no contexto da tradição da fé cristã: isto, dentro da universidade como um todo, era aceite sem discussão. (…)
"Lembrei-me recentemente disto quando li a parte editada pelo professor Theodore Khoury (Münster) do diálogo que o douto imperador Bizantino Manuel II Paleólogo (...) teve com um persa culto sobre cristianismo e islão e sobre a verdade de ambas as religiões. (...) Gostaria de abordar apenas um ponto - marginal, neste diálogo - que me cativou, relacionado com o tema da fé e da razão (...)
Na sétima controvérsia (...), o imperador aborda o tema do "jihad" (a guerra santa). O imperador deveria saber que a sura 2-256 diz: "Não há nenhum constrangimento em matéria de fé." Segundo os especialistas, é uma das primeiras suras, datando da época em que Maomé estava ainda sem poder e ameaçado.
Mas o imperador conhecia também naturalmente os mandamentos sobre a guerra santa contidos (...) no Alcorão. Sem se deter nos detalhes, como a diferença de tratamento entre "crentes" e "infiéis", ele coloca ao seu interlocutor, de um modo surpreendentemente abrupto para nós, a questão central da relação entre religião e violência.
Ele diz: "Mostra-me então o que Maomé trouxe de novo. Não encontrarás senão coisas demoníacas e desumanas, tal como o mandamento de difundir pela espada a fé que ele pregava."
O imperador, depois de se expressar tão fortemente, explicou por que é absurdo difundir a fé pela violência. Uma tal violência é contrária à natureza de Deus e à natureza da alma: «Deus», disse ele, «não gosta do sangue e agir de modo irracional é contrário à natureza de Deus.
A fé é fruto da alma e não do corpo. Aquele que quer levar alguém à fé deve ser capaz de falar bem e pensar justamente sem violência nem ameaças. Para convencer uma alma razoável não temos necessidade do seu braço, nem de armas, nem de nenhum meio pelo qual podemos ameaçar qualquer um de morte...»
A frase decisiva nesta argumentação contra a conversão pela violência é: "Agir de modo irracional é contrário à natureza de Deus." O editor, Theodore Khoury, observa: "Para o imperador, um bizantino educado na filosofia grega, esta posição é evidente. Ao contrário, para a doutrina muçulmana, Deus é absolutamente transcendente. A sua vontade não está ligada a nenhuma das nossas categorias, nem mesmo a da razão."
Khoury cita um trabalho do islamólogo francês Arnaldez, que sublinha que Ibn Hazn foi ao ponto de explicar que Deus não está sequer ligado à sua própria palavra e que nada o obrigaria a revelar-nos a sua verdade. (...)
Será a convicção de que agir irracionalmente contradiz a natureza de Deus uma mera ideia grega, ou será ela sempre e intrinsecamente verdadeira? Creio que aqui podemos ver a profunda harmonia entre o que é grego no melhor sentido da palavra e o entendimento bíblico da fé em Deus. (...)
"A intenção aqui não é de ser reducionista ou negativamente crítico, mas de aumentar nosso conceito de razão e suas aplicações. Só assim nós nos tornamos capazes daquele diálogo genuíno entre culturas e religiões que é tão urgentemente necessário hoje. (…)
No mundo ocidental é amplamente aceite que apenas a razão positivista e as formas de filosofia baseadas nela são universalmente válidas. Mesmo assim, as culturas religiosas profundas encaram isso como essa exclusão do divino da universalidade da razão como um ataque às suas convicções mais profundas.
A razão que é surda ao divino e que relega a religião ao patamar das subculturas é incapaz de ingressar no diálogo das culturas. (…)«Não agir racionalmente, não agir com o logos, é contrário à natureza de Deus», disse Manuel II (...). É a este grande logos, a esta amplitude da razão que convidamos os nossos parceiros no diálogo de culturas.
Redescobri-la constantemente é o grande desafio da Universidade."
(a partir de Daniel Oliveira em ARRASTÂO)

Este excerto, tal como tem sido afirmado pelo Vaticano, revela que as frases que ficaram conhecidas através dos meios de comunicação social estavam obviamente fora de contexto.

Acho no entanto surpreendente que tenha existido tanta ingenuidade. Tão grande quanto o posterior esforço do Vaticano em explicar o que realmente se passou.

Ao contrário do que Daniel Oliveira refere no seu escrito, entendo que o Papa pode agir como um académico. E se calhar até deve!

Poderá pôr em causa algum do prudente pragmatismo que compete ao Sumo Pontífice. Ganha no entanto em coerência e honestidade intelectual.

No entanto, uma coisa é certa, estas atitudes têm um custo. E neste caso o custo foi afastar, pelo menos temporariamente, o Papa do seu papel natural de mediador de conflitos.

Talvez no entanto seja bom e saudável libertar o Bispo de Roma dum papel de diplomata, com a inevitável carga de hipocrisia que ele sempre acarreta.

A função fica mais digna...

Resta agora interrogarmo-nos a quem aproveitou tudo isto, toda esta manipulação ideológica!

Enquanto a religião for sendo suficiente para distrair os povos do mundo islâmico dos reais problemas das suas sociedades, o clima de agressividade em relação ao Ocidente, vai continuar a aumentar.

Temos de estar preparados para isso!

Resta-nos a ajuda de Deus!

Que a do Papa já não vai servir para nada

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