sexta-feira, março 05, 2010

Juventude



Infelizmente, nas últimas semanas nem o meu próprio blog tenho tido disponibilidade de visitar, até que me dei conta hoje de que já passava um mês sem ter acrescentado qualquer contribuição para este espaço.

Não irei falar sobre música, ao contrário do que é habitual nos últimos tempos! O tema hoje é bem mais desagradável!

Hoje, o que venho abordar, prende-se com a actualidade portuguesa que foi marcada esta semana pelo suicidio de uma criança de 12 anos vítima de "bullying" numa escola do norte de Portugal.


Como todos nós, também frequentei ambientes estudantis e a violência escolar não é nada de novo, contudo o grau de agressividade que actualmente existe é francamente assustador.

Há algo de muito errado na nossa organização social para que possam acontecer casos como os que vêm sendo descritos na nossa comunicação social.


O tema da educação de jovens tem sido matéria que ao longo da minha vida sempre constituiu matéria de reflexão e debate com os meus amigos, pois todos sabemos que nem os bébés trazem livro de instruções, nem para se ser pai é necessário um curso, tal como é exigido, por exemplo, para quem conduz um automóvel.

A banalização da violência na televisão e nos jogos para adolescentes não é, infelizmente objecto da devida atenção pelos pais.


A educação contra a descriminação racial, social, religiosa ou sexual está completamente ausente da maior parte das famílias e os resultados estão à vista.


Para mim a escola é um local onde se obtém instrução, devendo a EDUCAÇÃO ser assumida necessariamente pela família, mas o facto triste é que pais e mães parecem querer que sejam os professores os verdadeiros encarregados de educação preocupando-se mais com o que fazem as princesas do Mónaco e o Cristiano Ronaldo, do que com os problemas das suas filhas e filhos.

Sou portanto, algo descrente relativamente ao que estas novas gerações irão fazer no futuro, mas aprendi também que não se pode perder a esperança e ceder ao negativismo!

Uma coisa é certa! A Escola tem que ser um local seguro e não um campo de tortura para as nossas crianças!

Espero pois que este caso, e outros que estão a ser relatados pela imprensa, façam levar as autoridades escolares a tomar medidas e os pais a reflectir na educação que dão aos seus filhos.

Lembro entretanto, a este propósito, algumas reflexões que fiz com um amigo, que me questionou primeiramente sobre as convicções da nossa geração sobre a juventude actual, para depois, com a ironia fina que o caracteriza, me demonstrar, que a minha perspectiva, por mais convencido que eu esteja da sua razoabilidade, nunca me levará a perceber completamente as gerações mais novas!

Essa incompreensão é algo que faz parte da história, que faz parte da natureza das coisas, que faz parte da vida!

Trancrevo pois 3 mails, dois que recebi e um que escrevi sobre esta matéria, onde a par das minhas convicções, que afinal pouco ou nada importam, ressalta que, apesar de todos os factos negativos que nos emocionam e deixam apreensivos, apesar das nossas críticas e temores fundados, poderemos afinal ter confiança no futuro! Teremos é que nós, os mais "antigos", saber cumprir melhor do que até aqui o nosso papel de educadores!

Aqui vão:

Caro D.

Depois da nossa conversa de há uns dias atrás acerca do estado da nossa juventude, permita-me que lhe envie uns comentários proferidos recentemente a propósito, durante um simpósio realizado em Inglaterra:

- "A nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, despreza a autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Os nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem aos pais e são simplesmente maus.

- “Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país se a juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque esta juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível.”

-“O nosso mundo atingiu seu ponto crítico. Os filhos não ouvem mais os pais. O fim do mundo não pode estar muito longe.”

-“Esta juventude está estragada até ao fundo do coração. Os jovens são maus e preguiçosos. Eles nunca serão como a juventude de antigamente... A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura."

Parece que o problema é global!....

Melhores cumprimentos


Caro C.

Vi o seu mail de ontem, sobre as questões juvenis, que achei deveras interessante e relativamente ao qual vou agora maçá-lo com algumas elucubrações a esse propósito.

Penso que o texto nos oferece um retrato social, feito por alguém que, mais do que descontente com as perspectivas de futuro, parece estar pessoalmente zangado com os jovens...


Zangou-se e disse verdades? Talvez sim! Possivelmente com algum exagero! Ou talvez não!!!!????

Pelos vistos, como muito bem refere, estamos perante um problema global e que, possivelmente, até assumirá noutras sociedades dimensões ainda mais graves do que aqui.

Bom, mas mais do que lamentar, vociferar ou invectivar a juventude há que saber precisamente o que fazer e o que não fazer.

Procurando as explicações para o que se passa, observo que vivemos numa sociedade que, desde os seus primórdios, se desenvolveu na procura do equilibrio entre a tendência natural do Homem em usar a lei do menor esforço e a necessidade de suprir as limitações que essa sua tendência lhe impunha.

Desde a descoberta do fogo e da roda que se vai caminhando para uma sociedade de bem estar.

E essa necessidade intrínseca do Homem de conseguir viver com o máximo conforto e com o mínimo de trabalho, revela bem a própria essência da natureza humana e o erro dos Enciclopedistas que, quer por generosidade, quer por cegueira, nos brindaram com a teoria do Bom Selvagem.

O Homem só se esforça por absoluta necessidade, e para isso usa sempre os meios que lhe parecem mais acessíveis para atingir os seus fins.

Só se abandona pois o estado natural de preguiça se se perceber a necessidade do trabalho e inculcar o interesse pela sua realização.

Só se é correcto e equilibrado no relacionamento com os outros quando se conhecem as regras de convivência e se distingue o bem do mal.

Nem o interesse pelo trabalho, nem o conhecimento das regras sociais, nem a distinção entre o bem e o mal surgem do nada no cérebro dos indivíduos. Têm que ser lá colocados por alguém. É esse o papel dos pais.

Estou certo que não é por conhecimento das teorias libertadoras do séc XVIII que muitos pais se abstêm de dar educação aos filhos e os tratam como parceiros numa espécie de co-gestão (quando não de auto-gestão) do seu desenvolvimento.

Penso, isso sim, que na maior parte dos casos não há sequer a consciência da dimensão da responsabilidade inerente a colocar-se um ser humano no mundo.

Quando a cultura dominante era a de que, ter filhos significava manter a continuidade de um determinado percurso familiar, a falta de consciência racional sobre regras de educação era suprida por um empenhamento forte na manutenção de valores tradicionais.

Os pais esforçavam-se por transmitir aos filhos o modelo que conheciam e que queriam que fosse continuado.

Quando a partir dos anos 70 a família deixa de ser o fio condutor da vida de muitos jovens, quando pai e mãe passam de companheiros a competidores e quando a psicanálise se tornou moda, repescaram-se os conceitos de Freud que considerava serem os pais narcisistas por quererem que o seu bebé se viesse a tornar naquilo que eles não tinham conseguido!


Obteve-se então na maior parte das teorizações sobre a educação a justificativa perfeita para o "laissez-faire, laissez-passer" em que, pelos vistos, se tornou a posição dos pais perante os filhos. Cómodo e politicamente correcto!!

O avanço da Psicologia no estudo dos traumas provocados por stress e por "atitudes de "abuso" psicológico e de violência física dos adultos sobre os jovens veio contribuir ainda mais para a certificação científica do abandono dos anteriores métodos educacionais.

Em épocas mais recuadas, não seria o facto destes estudos serem divulgados na comunidade cientifica que influenciaria o comportamento dos indivíduos.

Contudo, com o florescimento do mercado das chamadas revistas femininas e do mercado editorial de publicações especializadas educação infantil, esses estudos tiveram uma divulgação planetária e influenciaram milhões de jovens pais e mães que acabaram por se convencer que os métodos antigos com os quais foram educados estavam errados.

Infelizmente, a falta de preparação para compreender a relatividade desses estudos, traduziu-se na pura substituição de tradições familiares, por novos "clichés" educativos, que simplesmente consideravam os métodos anteriores como traumatizantes e negativos.

As gerações de pais dos anos 70 para cá, aprenderam pois "o que não fazer"!


"O que fazer" ficou assim entregue, em muitos casos, ao destino, ao dia-a-dia, à natureza. Ou seja à lei do menor esforço. O que hoje em dia se traduz por Televisão!!!

Bom, mas enquanto a maioria da classe média e o sistema educativo de massas adoptava alegremente esse comportamento "liberal", as classes altas continuavam a colocar os seus filhos em colégios tradicionais, que mantêm os mesmos métodos e perpetuam esquemas educativos de sempre.

Se esses novos conceitos são assim tão válidos, porque será então que as famílias pertencentes às elites sociais e financeiras mantêm para a educação dos seus filhos uma postura tradicional, diferenciada da restante sociedade?

Penso que a resposta a esta questão poderia elucidar muito boa gente!

Acho que todos os pais, e todos aqueles que o pretendem ser, deveriam ter presentes dois livros notáveis.


Um, "O Senhor das Moscas" que demonstra bem que o ser humano, na fase inicial da vida, se não for educado, usa dos instintos mais primitivos ao confrontar-se com a vida em sociedade.
Outro, "O Admirável Mundo Novo" que revela (ainda que de forma caricatural) que, tal como Pavlov condicionou cães, nós podemos condicionar seres humanos no sentido que desejarmos.

E a educação o que é, senão o condicionamento da vontade da criança, submetida a regras e valores?

E, de facto, por muito que seja politicamente incorrecto dizer, quando não se condiciona, não se educa.

A Liberdade é um valor muito elevado e é um conceito educativo prioritário. Mas isso mesmo implica o ensinar os limites da liberdade própria e o respeito pela liberdade alheia!


Mas o facto é que uma massa maioritária de pais mal preparados passou a confundir Liberdade com o deixar os filhos fazer o que lhes apetece, não percebendo que o ÑÃO tem um poderoso valor educativo!

Disso resulta, portanto, uma total ausência de passagem de valores e de regras, que é o que está na base dos comportamentos referidos no texto que me enviou.

Por vezes, ao assistir a determinados comportamentos apetece-me dizer tudo o que o texto refere.


No entanto, acho que não podemos perder a esperança e pensar até que talvez, apesar dos defeitos dos educadores de hoje em dia, o futuro não será assim tão mau como isso.

Sempre houve incompreensão entre gerações. Eu próprio quando era mais jovem achava que o discurso dos mais velhos sobre nós era fruto do desconhecimento ou da esclerose.

A História e a Literatura estão carregadas de exemplos de lutas geracionais. Quem sabe se o autor do texto e eu próprio não estaremos apenas a perpetuar esse combate!

O futuro dirá!

Este é um tema inesgotável e mais do que interessante. Estou-lhe muito grato por me ter enviado o texto e lamento estar a ocupar o seu precioso tempo com este longo desabafo.

Votos de um bom fim de semana,

Um abraço




Caríssimo D.

Agradeço-lhe o seu e-mail, bastante elucidativo.

Por lapso não referi uma coisa assaz curiosa relativamente aos 4 parágrafos citados durante o referido simpósio;

- o primeiro é de Sócrates (470-399 a.C.)


- o segundo é de Hesíodo (720 a.C.)


- o terceiro é de um sacerdote do ano 200 A.C.


- o quarto estava escrito num vaso de argila descoberto nas ruínas da Babilónia e tem mais de 4000 anos de existência....

A juventude nunca será como a desejaríamos que fosse!....

Votos de um excelente fim de semana

Um abraço.

8 comentários:

  1. Concordo com as tuas reflexões sérias, haverá sempre uma incompreensão entre os mais velhos e os mais novos, o que chamamos fosso geracional.Mas o que se passa hoje em dia nas escolas é algo bem maior que isso: é a filosofia dos totais direitos sem quaisquer deveres, é o espaço entre a repressão da minha juventude e a permissividade dos nossos filhos, sem que tenhamos ainda conseguido chegar à síntese do equilíbrio.
    Alguma vez chegaremos??

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  2. Meu caro com senso
    O seu texto é por demais oportuno, numa altura em que tanto se fala de violência nas escolas.
    No dia 1 de Abril de 2008 publiquei dois posts sob este tema, já que a Educação é um assunto que sempre me interessou muito.
    Tenho uma filha professora e 9 netos alunos – analiso, portanto, o problema pelos dois prismas.
    Ainda ontem, em conversa com a minha filha, eu lhe dizia: a mim parece-me da máxima urgência reprimir, por todos os meios, esta violência nas escolas que cresce a cada dia que passa. Se isto não for feito, que adultos serão amanhã estes jovens de hoje?
    As escolas lutam com falta de pessoal auxiliar; os “recreios” (que numa escola onde a minha filha trabalhou, são inúmeros e enormes) não têm a mínima vigilância – os garotos podem cometer as maiores barbaridades sem que ninguém se aperceba.
    Sei que é um problema de difícil solução, mas não é insolúvel. Que é preciso grande investimento, tanto material como pessoal, também todos o sabemos.
    Se nada for feito… não nos espantemos se houver mais casos trágicos.

    Ficava aqui a noite inteira a “debitar sentenças” porque, como já referi, o assunto me apaixona. Mas…acho que não devo abusar da sua paciência )))
    Uma boa noite e um domingo feliz.

    Beijinho com amizade
    Mariazita

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  3. Concordo com as reflexões aqui descritas. Somos todos responsáveis por esta forma de educar.
    O preço será elevadíssimo, já é demasiado elevado!

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  4. Meu bom Amigo
    Um texto muito oportuno e onde dissecas a propósito do fenómeno chamado "bullying", a situação que eu quase me atrevo a qualificar de caótica, da juventude de hoje.
    Como sabes, fui professor há anos, já depois do 25/4 e nessa altura o professor já substituía em muitos casos os pais, na educação dos filhos; mas tinha autoridade e "poder" para impor o respeito que já falava e hoje está totalmente ausente. Se eu fosse a proceder hoje, de uma maneira muito minha e da qual nada me arrependo, como procedi em vários casos, já tinha sido expulso do ensino!
    Hoje um professor não pode fazer nada e a insolência das "criancinhas" que os pais não resolvem em casa e até, de certa forma é por eles induzida, tem que ser aturada pelos professores. Os pais hoje preocupam-se é que os filhos estejam ocupados e não que aprendam; querem que os aturem, e se possível que os "eduquem", mas dentro das amplas liberdades conquistadas pelas "novas pedagogias".
    Cheguei a ouvir uma senhora a afirmar na TV que há que ter o máximo de cuidado com os eventuais agressores do pequeno Leandro, pois podem ficar marcados para toda a vida: ora porra! E o pequeno Leandro? E @s tantos outr@s pequenos Leandros?
    Será que é preciso haver mais suicídios para se fazer algo mais?
    Para os responsáveis daquela Escola agirem, pois o que se passa não é de âmbito de polícia; passa-se num recinto fechado, na Escola; e a hipocrisia daquela Comissão de Pais? a sacudir a água do capote - se fosse o filho de algum deles, diriam o mesmo, que não há bullying naquela escola?
    Vi há dias um notável filme espanhol sobre este tema chamado "Cobardes" e o agressor principal, que actuava sempre em grupo (nunca actuam a solo) tinha no exemplo do pai, um autarca com algum peso político, o exemplo e até o "apoio" para as suas práticas...
    Tem que ser feito algo, pois a nossa juventude será, confesso que isso me custa a acreditar, quem nos vai dirigir "amanhã"...
    Ainda bem que já cá não estarei para assistir...
    Desculpa o desabafo, Amigo.
    Abraço.

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  5. Da mesma forma que o que se viveu na Madeira foi uma tragédia anunciada, o que vamos observando e constatando com o que se passa com os jovens de hoje também são acontecimentos com avisos prévios. Realisticamente não nos podemos admirar com o que se passa à nossa volta.
    Daqui a uns tempos alguém certamente irromperá por um qualquer organismos ou instituição e desatará aos tiros a toda a gente. É uma questão de tempo.
    Em vez de nos precavermos com os erros que se cometem lá fora, preferimos viver em negação e pensar que não nos diz respeito.
    Mas diz; esse é o preço da medíocre globalização: adoptamos o pior dos outros!!

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  6. Amigo Com Senso!
    Este tema objecto desta sua reflexão tão actual toca-me de sobremaneira, porque mãe de dois filhos neste momento já adultos fez-me recordar factos passados com os quais sofri imenso.
    Porque os meus filhos frequentaram ensino particular e público tenho uma ideia muito própria do que se passa.
    Não há dúvida de que a educação deve ser ministrada em casa, mas na escola deve ser complementada.
    Muito há ainda a fazer sobre a escola segura, sobre o acompanhamento quando os alunos têm mais dificuldades, apoio psicológico para alguns desses mesmos alunos.
    As crianças que agora frequentam o ensino são filhos de pessoas muito pressionadas nos empregos e que praticamente não têm tempo para estar com eles.
    Disto resulta uma falta de comunicação que gera nas crianças uma revolta que os torna por vezes rebeldes.
    Estas crianças necessitariam de mais atenção e cabe aqui também à escola estar atenta.
    Muitos dos pais não têm sensibilidade ou conhecimentos para acompanhar devidamente os seus filhos e deixam-nos entregues a si próprios.
    O aumento dos divórcios veio também criar uma enorme instabilidade nas famílias que se reflecte nos mais variados comportamentos não esquecendo a violência doméstica.
    Como afirma há muito a fazer, mas penso que será em conjunto. Pais e Escola.
    Desculpe este meu desabafo e o ter-me alongado no seu espaço que muito prezo.
    Um beijinho e muito obrigada pela forma tão objectiva como abordou o tema.

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  7. Andamos todos com pouco tempo, mas as tuas reflexões são as minhas também.

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  8. Como sempre o meu amigo faz uma reflexão ponderada e cheia de bom senso.
    Pessoalmente creio que os conflitos entre gerações são intemporais. Fazem parte do processo da vida. Outro aspecto é a maneira de encararmos os excessos baseados na estupidez de humilhar quem é diferente, mais fraco e assim, um alvo fácil. Digo isto com a recordação de quem, em criança, foi várias vezes vitima de outros. Eram cobardes, agiam em grupo e tinham um prazer mórbido no que faziam.

    Abraço!

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