quarta-feira, agosto 05, 2009

Estragos






A foto acima retirei-a do magnifico blog do Arquitecto Luis Marques da Silva, passando a citar parte o texto que a acompanha:

Apesar de estar em perfeito estado de conservação, este edifício foi demolido, como vai acontecendo por essa Lisboa fora, descaracterizando a sua face, roubando-lhe as suas memórias.”

Ao ver isto pergunto-me se Lisboa ainda terá remédio?

A Lei ao fixar a existência de uma lista de imóveis classificados com interesse patrimonial, anexa aos PDM, o que acaba por conseguir é que todos os restantes edifícios, não abrangidos por qualquer protecção, e que foram construídos na mesma época, fiquem sujeitos à demolição.

Por isso, Lisboa a pouco e pouco vai sendo descaracterizada, pois no meu entender, para além dos exemplares de arquitectura mais relevantes, deveria ser igualmente preservado o carácter de época da totalidade do conjunto edificado


Como tal não é feito, ficamos com situações como esta na Avenida da República :




Em que um belo edifício, prémio Valmor, devido à demolição dos laterais que não tinham qualquer “protecção legal, acabou por ficar entalado entre duas peças arquitectónicas que nada têm que ver com ele.

A zona perdeu toda a sua ambiência de início de século XX e agora é este belo edifício que acaba por ficar deslocado no meio dos novos prédios.

Não entendo, porque é que a Lei, nas cidades portuguesas, à semelhança do que acontece na maioria dos países civilizados, não obriga a que em certas zonas haja modelos específicos para construção, por forma a manter a harmonia das respectivas traças e a memória histórica da época em que determinada zona foi edificada.

Era esta a ambiência da Avenida da República que se perdeu completamente:




Acho muito bem que os arquitectos de hoje deixem as suas marcas e exemplos criativos do seu talento!
Temos, em Lisboa zonas óptimas para esse efeito: A Expo, a Alta de Lisboa, etc.... Contudo, relativamente à cidade histórica, deveriam existir regras muito claras para a manutenção de estilos arquitectónicos, preservando assim as várias ambiências de época, em que, bairro a bairro, a cidade se foi edificando.

É que na verdade, se o brilhantismo profissional do arquitecto, o leva legitimamente a querer deixar algo de marcante para o futuro, deveria haver, da parte das autarquias e dos restantes poderes públicos uma opção perfeitamente clara, aquando dos actos eleitorais, para que se soubesse de antemão se essas marcas de “modernidade” serão autorizadas apenas nas zonas novas das cidades ou se, pelo contrário, as vão permitir nas zonas históricas onde há também obras marcantes do passado, devidamente enquadradas na sua época histórica.

A ideia que me dá relativamente aos nossos Presidentes de Câmara é que não gostam nem são sensiveis à beleza e ao passado das cidades que estão a gerir e que as querem modificar de qualquer maneira, "para mostrar obra feita", revelando assim que ignoram e desprezam a sua história.
Parece mesmo que desconhecem o que é a verdadeira qualidade de vida e o interesse turístico que a sua preservação representa.

O exemplo do que acontece com a intervenção do arquitecto Gonçalo Byrne em Coimbra (Museu Machado de Castro) em plena zona das Universidades é para mim um exemplo muito claro do que poderia ser uma mais valia numa outra zona da cidade, mas que ali é, no mínimo, algo de muito controverso e que, sem dúvida, abre as portas a futuras alterações de toda aquela zona.



Vista do Museu Machado de Castro, a partir da varanda da Universidade, após intervenção de "requalificação"


Infelizmente, por todo o país, paisagens e referências históricas acabam por ficar espezinhadas pelo betão, quase sempre, de gosto muito duvidoso!

Veja-se por exemplo o caso de Leiria:





Ou ainda o caso tenebroso de Vila Nova de Gaia, onde se está a construir, na encosta para o Douro, alguns edifícios que bem poderiam estar na Porcalhota ou em qualquer outro Bairro de subúrbio.
Com estas construções a visão belissima do lado de Gaia, a partir da Ribeira do Porto, arrisca-se a ficar completamente adulterada, no que tinha de mais belo e tipico.







Quase a terminar volto a citar o texto do Arquitecto Luís Marques da Silva:

"Continua a ser permitido transformar terrenos em pepitas de ouro.

Continua a ser permitido pagar por um porco, o valor de um presunto.

Até quando a inexistência de uma verdadeira politíca de solos e da figura do "crime urbanístico", na legislação, impedindo a especulação desenfreada, o desordenamento do território e a possibilidade da ocorrência destas situações?

Apesar de tudo, baixar os braços? Nunca!!!

8 comentários:

  1. Completamente de acordo contigo. Lamento que os diferentes estilos arquitectónicas que caracterizam a evolução urbanística se vão perdendo como quem vai perdendo a memória. Como se fará a história sem os exemplares devidamente preservados no espaço onde foram implantados? Ficamos com os filmes, as fotografias e a nossa capacidade para recriar ambiências que felizmente se lêem nos livros do Eça, do Camilo e de outros cuja obra não nos deixará perder definitivamente um passado que podia conviver tão bem com o presente. Em espaços diferentes mas na mesma "casa".

    Beijinhos

    Bem-hajas!

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  2. Quando cheguei a Lisboa para frequentar a Universidade (início dos 6o), a Av. da República ainda se assemelhava um pouco à foto que aqui publicas; era das zonas mais lindas de Lisboa.
    Abraço.

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  3. Amigo Com Senso,
    Não posso estar mais de acordo com tudo o que expõe neste seu magnífico artigo!
    Também sou muito sensível a este assunto e dói realmente ver na nossa cidade de Lisboa e em outras cidades do país os atentados urbanísticos que vão descaracterizando os locais onde antes se encontravam verdadeiras obras de arte.
    É o país que temos e cada vez mais os interesses financeiros se sobrepõem a tudo e todos e não se vislumbra melhoria da situação!
    Também me parece que a maioria dos cidadãos não se importa muito com estes aspectos (e outros) e assim o nosso país vai tendo cada vez menos "história" para legar às gerações vindouras!
    Um beijinho.

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  4. A questão continua a ser a especulação imobiliária,a par do desinteresse político em lhe pôr cobro - ou melhor, do interesse político em NÂO lhe pôr cobro...
    E a pouco e pouco vai desaparecendo o nosso excelente património arquitectónico. Que triste!

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  5. Áparte o comentário relativo à Porcalhota, que é a minha terra, (aliás, não é, porque de facto, a Porcalhota não existe desde 1907, quando o nome foi mudado para Amadora, a pedido de um grupo de cidadãos, certamente temendo as piadas presentes e futuras que associassem o espaço a tudo o que é porcaria), concordo com as suas observações e os seus lamentos.
    O que me parece também é que o que vai acontecendo é culpa de todos nós - eu, incluída. Que vamos lamentando, escrevendo, fotografando, conversando, mas que raramente criamos movimentos que se oponham - mesmo - à construção dos novos edfícios «de estilo» que, pelo mal que fazem à paisagem, se tornam «mamarrachos».
    Fenómeno sem igual foi aquele que uniu as pessoas para salvar as Gravuras de Foz Côa e que bem se podia repetir, para aí uma vez por semana, em cada cidade do país, onde se vão acumulando as agressões.
    Nós até estamos quase todos de acordo, mas sentados nos nossos sofás, que é onde eu estou a escrever este comentário.
    O que podemos fazer para mudar isto?

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  6. Amigo,
    passei para te ler, o que é sempre um grande prazer, e deixar um beijo com desejos de ferias tranquilas.
    Adoro estas reflexões sobre a nossa cidade! Cheguei a Lisboa em 1965 e lembro bem como era, então a Av da Republica, assim como a Av da Liberdade... Há coisas boas, mas, no cômputo geral, Lisboa perdeu identidade e foi descaracterizada. Nunca se teve a preocupação de salvaguardar a nossa arquitectura, incluindo muitos prémios Valmor, e só muito recentemente se começou a ter a noção de património, nomeadamente o construído, e a pensar na sua salvaguarda.
    No próprio ensino superior, apenas na década de noventa foi instituido um mestrado sobre Património, no âmbito da História da Arte, na Faculdde de Letras de Lisboa. Honra seja feita ao prof. Vitor Serrão!

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  7. Meu querido amigo
    Não tenho andado pelos blogs, mas através do Outlook tive conhecimento do comentário que deixou na "Casa".
    Sensibilizou-me imenso o seu cuidado, acredite. E contribuiu para a minha recuperação...
    No próximo sábado vou ausentar-me do país. Mas como não vou para o meio do mato (como se dizia em África), se conseguir darei um alô.
    Até sempre.
    Um beijinho muito amigo
    Mariazita

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  8. Esta é uma questão muito bem desenvolvida. Por vezes quando vejo as obras que certas autarquias autorizam fico a pensar que tipo de formação esses técnicos tiveram.

    Enfim...

    Excelente abordagem de quem ama Lisboa!
    Abraço

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